quinta-feira, 2 de julho de 2009

QUAL É A RELAÇÃO TEOLÓGICA ENTRE DANIEL 8 E 9?

Muitos comentadores das Escrituras não têm percebido a íntima relação entre os capítulos 8 e 9 de Daniel e, consequentemente, o vínculo entre as 2.300 tardes e manhãs e as 70 semanas; entretanto, o contexto e certos detalhes do relato requerem essa estreita relação como as seguintes evidências o demonstram:
1) Praticamente, todos os elementos contidos na visão de Daniel 8:1-14 estão explicados em Daniel 8:15-27, excepto as 2.300 tardes e manhãs. É verdade que Gabriel fez menção do período, mas não pôde completar a sua exposição.
2) A perspectiva da terrível perseguição a sobrevir ao povo de Deus mostrou-se muito mais do que o idoso profeta poderia suportar, e, em razão disso, ele enfraqueceu e esteve enfermo alguns dias. Consequentemente, Gabriel teve que interromper a sua exposição por algum tempo (Daniel 8:10-14 e 23-27).
3) Como a visão do capítulo 8 fazia referência ao Santuário e ao povo de Deus, ambos sendo atacados pela ponta pequena, a atenção de Daniel foi atraída para uma declaração de Jeremias, enquanto lia o livro desse profeta: “No primeiro ano de Dario, filho de Assuero, da linhagem dos medos, o qual foi constituído rei sobre o reino dos caldeus, no primeiro ano do seu reinado, eu, Daniel, entendi, pelos livros, que o número de anos, de que falara o SENHOR ao profeta Jeremias, que haviam de durar as assolações de Jerusalém, era de setenta anos.” Daniel 9:1 e 2. Segundo o profeta Jeremias, após a queda de Babilónia e a ascensão dos reis medo-persas, os judeus poderiam ter por certa a sua breve libertação. O reinado de Dario, da linhagem dos medos, deveria concretizar as esperanças de Israel; no entanto, sendo já o primeiro ano desse rei (tinha passado o ano de ascensão), nenhuma medida foi tomada para permitir o regresso da nação judaica à sua pátria. Em decorrência disso, Daniel temeu que o período indicado na sua última visão fosse um acréscimo ao número de anos de cativeiro.
4) O receio de que os 2.300 dias representassem um atrazo no cumprimento da promessa de libertação motivou a oração de Daniel em prol do seu povo (Daniel 9:3-19). Sabendo que as promessas de Deus são condicionais (Jeremias 18:7-10) e concluindo que a transgressão de Israel era responsável pelo que ele considerava uma extensão dos 70 anos, Daniel suplicou pela misericórdia de Deus e pelo Seu perdão. Que o idoso profeta realmente estava a ver as coisas sob essa perspectiva, pode-se deduzir do seu apelo final para que o Senhor não retardasse a Sua intervenção (Daniel 9:19).
5) Uma comparação cuidadosa entre o capítulo 9 de Daniel, em que se faz referência às transgressões cometidas pelos judeus, ao mal que sobreveio à cidade de Jerusalém e à assolação do Templo, e os elementos do capítulo 8, em que se retrata um brutal ataque contra o Santuário de Deus, em virtude das transgressões do povo, torna evidente que Daniel tinha o problema diante de si enquanto orava.
6) Após a visão, Gabriel recebera a incumbência: “Dá a entender a este a visão.” Ao iniciar as suas instruções, o anjo dissera a Daniel: “Entende, filho do homem, pois esta visão se refere-se ao tempo do fim.” “Eis que te farei saber o que há de acontecer no último tempo da ira, porque esta visão se refere ao tempo determinado do fim.” Daniel 8:16, 17 e 19. Mas, como, nessa ocasião, nem tudo fora devidamente explicado e visto que Daniel entendera mal a última parte da visão, Gabriel teve que voltar para completar a sua tarefa. Por isso, interrompendo a oração do profeta, disse o mensageiro de Deus: “Daniel, agora, saí para fazer-te entender o sentido. No princípio das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim, para to declarar, porque és mui amado; considera, pois, a coisa e entende a visão.” Daniel 9:23. O objectivo de Gabriel, nessa nova visita, era o de projectar mais luz sobre o período profético mencionado na visão do capítulo precedente e, dessa forma, dissipar as conclusões equivocadas obtidas pelo profeta. Que Daniel estivesse a pensar na visão recebida anteriormente também pode ser comprovado pela maneira como ele identifica o anjo do Senhor: “Falava eu, digo, falava ainda na oração, quando o homem Gabriel, que eu tinha observado na minha visão ao princípio, veio rapidamente, voando, e me tocou à hora do sacrifício da tarde.” Daniel 9:21.
7) Entretanto, uma das mais fortes evidências sobre a estreita relação entre as 2.300 tardes e manhãs e as 70 semanas está em 2 vocábulos hebraicos empregues em Daniel 8 e 9.
A palavra “visão”, conforme aparece nesses capítulos, é tradução de 2 vocábulos diferentes no original. Em Daniel 8:1, 13, 15, 17 e 26 (última parte); e 9:21 e 24, o termo utilizado é (chazon), enquanto que, em Daniel 8:16, 26 (primeira parte) e 27; e 9:23, o termo utilizado é (mareh).
A palavra “chazon” é utilizada em Daniel 8 e 9 para se referir à visão como um todo, incluindo os elementos do carneiro, do bode e da ponta pequena: “No ano terceiro do reinado do rei Belsazar, eu, Daniel, tive uma visão depois daquela que eu tivera a princípio.” Daniel 8:1. Logo após a declaração concernente às 2.300 tardes e manhãs, a visão se encerrou, pois, no versículo 15, o profeta assim se expressa: “Havendo eu, Daniel, tido a visão (chazon), procurei entendê-la, e eis que se me apresentou diante uma como aparência de homem.” Nesse momento, o anjo Gabriel se aproximou e deu início à sua exposição. Após ter elucidado os principais elementos da visão, Gabriel mencionou o período profético indicado no verso 14: “A visão (mareh) da tarde e da manhã, que foi dita, é verdadeira; tu, porém, preserva a visão (chazon), porque se refere a dias ainda mui distantes. Eu, Daniel, enfraqueci e estive enfermo alguns dias; então, me levantei e tratei dos negócios do rei. Espantava-me com a visão (mareh), e não havia quem a entendesse.” Daniel 8:26 e 27. Esse trecho reveste-se de vital importância porque as 2 palavras para “visão” aparecem com pequena distância entre si, permitindo uma comparação mais detalhada do seu significado. O vocábulo “mareh” é nitidamente associado a algo que foi dito na visão do capítulo 8. É importante notar que os versos 1-12 referem-se a coisas que Daniel viu, ao passo que somente nos versos 13 e 14 se diz que o profeta ouviu algo. Tendo isso em vista, percebe-se que a palavra “mareh” não alude à visão na sua totalidade, mas somente àquilo que foi dito. Isso torna-se ainda mais evidente quando se observa que o texto diz que a “mareh da tarde e da manhã, que foi dita, é verdadeira”. Em outras palavras, o termo “visão”, enquanto tradução de “mareh”, só se refere ao elemento “tempo” envolvido, o período das 2.300 tardes e manhãs, que consiste na única parte em que algo é falado na revelação. Dessa forma, quando o profeta exclamou que se espantava com a visão (mareh), sua intenção não era aludir a todos os elementos da revelação anteriormente recebida, tais como o carneiro e o bode. Isso teria lógica, tendo em vista que Gabriel explicara o significado desses símbolos. A mente de Daniel estava voltada especificamente para o período de tempo mencionado.
Para arrematar, então, a conclusão de que as 70 semanas são um complemento às 2.300 tardes e manhãs, basta uma leitura atenciosa dos termos empregues nos versos 21 e 23 do capítulo 9. Após mencionar o anjo Gabriel, que ele “tinha observado” na sua “visão (chazon) ao princípio”, Daniel regista as palavras que aquele mensageiro do Senhor lhe dirigiu: “No princípio das tuas súplicas, saiu a ordem, e eu vim, para to declarar, porque és mui amado; considera, pois, a coisa e entende a visão (mareh).”. O uso da palavra “mareh”, nessa última passagem, demonstra que o anjo Gabriel tinha vindo, não para explicar todas as partes da visão do capítulo precedente, mas apenas aquela referente ao elemento “tempo envolvido”, isto é, os 2.300 dias.
Com essas observações, não há como contestar a íntima relação entre Daniel 8 e 9 e a real necessidade do estudo relacionado das 70 semanas e das 2.300 tardes e manhãs.
Bibliografia:
Comentário a Daniel 9:21, em The Seventh-day Adventist Bible Commentary, vol. 4. Editor: Francis D. Nichol. Washington, D.C.: The Review and Herald Publishing Association, Revised, 1.976.
SHEA, William H., “The Relationship Between the Prophecies of Daniel 8 and Daniel 9”, The Sanctuary and the Atonement – Biblical, Historical and Theological Studies, preparado pelo Biblical Research Committee of the General Conference of the Seventh-day Adventists. Editores: Arnold V. Wallenkampf e W. Richard Lesher. Washington, D.C.: The Review and Herald Publishing Association.
GOLDSTEIN, Clifford, 1844 – Uma Explicação Simples das Principais Profecias de Daniel, tradução de Regina Motta, primeira edição, Tatuí, SP.: Casa Publicadora Brasileira, 1.998.

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