terça-feira, 23 de outubro de 2012

AS TROMBETAS NO SEU CONTEXTO - Apocalipse 8 e 9


O problema fundamental que os intérpretes futuristas têm com o livro do Apocalipse é a sua hipótese de que João descreve os eventos do tempo do fim com uma exatidão fotográfica e com absoluta literalidade. Entretanto, o Apocalipse descreve o que Deus "comunicou" por meio de um anjo a João (Apoc. 1:1). Portanto, tomar com literalidade absoluta as imagens que João apresenta dos eventos futuros é um mal-entendido básico do Apocalipse que conduz a um quadro especulativo do tempo do fim.
 
João apresenta o futuro numa linguagem figurada e simbolismo complexos. Uma chave para entender o estilo literário de João é o seu modelo de antecipação e ampliação. Por exemplo, as promessas de Cristo aos vencedores nos capítulos 2 e 3 voltam como tendo sido cumpridas nos capítulos 21 e 22. O anúncio da queda de Babilónia no capítulo 14 explica- se mais tarde nos capítulos 16 aos 19. A besta perseguidora no capítulo 11:7 se descreve mais completamente nos capítulos 13 e 17. João usa a técnica de entrelaçar as suas visões antecipadoras na primeira metade do livro com a narração orientada ao fim na segunda metade. O Apocalipse é um corpo coerente, um todo orgânico que mostra uma formosa concepção arquitectónica.
 
O maior desafio é como entender as reiterações manifestas que há no livro. Várias vezes se descreve o fim desta era (Apoc. 1:7; 6:12-17; 11:15-19; 14:14-20; 19:11-21; 20:11-15). Estas visões reiterativas do fim são parte do propósito do autor. Excluem a hipótese de que João descreve a era da igreja em uma sequência de linha reta. Antes, apresenta perspectivas diferentes do fim. João descreve os 7 selos (caps. 6 e 7), as 7 trombetas (caps. 8-11) e as 7 pragas (caps. 16 e 17), como ciclos paralelos que se complementam entre si e que cada vez mais se centram sobre os eventos finais.
 
O livro do Apocalipse como um todo avança da promessa ao cumprimento. Este movimento se parece com um movimento para cima de uma escada em espiral. As séries de selos, trombetas e pragas, constrói-se uma sobre a outra. Juntas expressam de uma maneira mais adequada a complexidade da era da igreja que qualquer desses ciclos por si só. Cada ciclo revela sua própria ênfase sobre a apostasia, o juízo e a liberação. Este modelo intensificado reforça a mensagem de esperança para a acossada igreja de Cristo. Também rebate uma aceitação fatalista de todas as hostilidades.
 
A igreja perseguida deve recordar que o Cristo glorificado é descrito como um Cordeiro todo-poderoso com "sete chifres" (Apoc. 5:6). No Antigo Testamento, um "chifre" é o símbolo de poder militar e político (Deut. 33:17; Dan. 7:24). A linguagem figurada pouco realista de um cordeiro com 7 chifres, assegura ao povo de Deus que o Cordeiro de Deus, aparentemente derrotado, agora tem poder omnipotente para julgar e libertar. Tem esta capacidade porque triunfou sobre Satanás no céu e na terra por meio de seu testemunho e de sua morte (Apoc. 5:5, 9). Agora lhes volta a assegurar a seus verdadeiros seguidores que eles também "reinassem sobre a terra" (v. 10).
 
João apresenta a história da apostasia, a perseguição e a libertação, primeiro nos 7 selos e depois nas 7 trombetas (Apoc. 6-9). Como Jesus foi duas vezes através da era da igreja em Mateus 24 (a: vs. 4-14; b: vs. 15-31), assim também observamos como o Cristo ressuscitado repete os temas básicos de Mateus 24 nos selos e nas trombetas. Enquanto os selos informam o leitor a respeito dos sofrimentos da igreja, as trombetas tratam com os juízos preliminares de Deus sobre os inimigos de seu povo fiel.
 
APOCALIPSE - A Visão Preliminar das Trombetas
Em Apocalipse 8:2-6, João apresenta uma visão preliminar em que mostra a origem e o propósito das 7 trombetas. Começa e termina com o anúncio de que há 7 anjos diante de Deus que receberam 7 trombetas (8:2, 6). Este artifício literário, uma inclusão-introdução, marca a visão preliminar como uma unidade independente. Descreve o ministério intercessor de Cristo e sua terminação.
 
Esta cena do trono celestial em Apocalipse 8 funciona em uma forma similar à visão preliminar aos 7 selos em Apocalipse 5. Como os 24 anciões tinham "taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos" (5:8), assim João vê em Apocalipse 8 a um anjo que tinha "um incensário de ouro", de pé ante o altar, "e lhe deu muito incenso para acrescentá-lo às orações de todos os santos sobre o altar de ouro que estava diante do trono" (8:3). A petição das orações dos santos martirizados "sob o altar" mencionou-se nos selos em Apocalipse 6:9 e 10. Clamam por vingança divina por causa da injustiça que lhes fez, assim como pelo pacto que Deus tem com eles. Pedem a Deus que seja "fiel" a seu pacto. Dessa maneira, a visão de Apocalipse 8:3 e 4 iguala o período de tempo dos selos em Apocalipse 6. A visão se refere ao contínuo ministério intercessor de Cristo no céu, porque recorda a oferta diária de incenso no serviço do santuário israelita (Êxo. 30:1, 7, 8).
 
O principal tema desta visão preliminar das trombetas é a segurança de que Cristo ouve as orações suplicantes de seu povo oprimido como se declara diretamente em Hebreus 4:14-16. Embora as orações de todos os santos se elevam diretamente a Deus, necessitam o "incenso" essencial do próprio altar de Deus. Este incenso representa a propiciação divina por nossos pecados.
Disse João a respeito de Cristo: "E ele é a propiciação [hilasmos] por nossos pecados" (1 João 2:2; também 4:10). Ellen White oferece esta aplicação prática: "O universo celestial contempla de amanhã e de tarde cada família que ora, e o anjo com o incenso, que representa o sangue da expiação, acha acesso diante de Deus".1 A visão preliminar termina com uma cena que descreve a finalização do ministério do anjo com o incenso seguido pelo fato de enchê-lo com fogo do altar e lançá-lo na terra, acompanhado pelos trovões, os relâmpagos e um terremoto:
 
"E o anjo tomou o incensário, encheu-o do fogo do altar e o atirou à terra. E houve trovões, vozes, relâmpagos e um terremoto" (Apoc. 8:5).
 
Em seu ato final, o anjo usa o incensário não mais para a intercessão e sim para o juízo: fogo sem incenso. Isto indica que as orações dos santos (Apoc. 6:9-11 ) serão respondidas por meio dos juízos sobre a terra, seguidos pela aparição do Juiz de toda a terra em conexão com um terremoto cósmico. Um protótipo surpreendente se encontra em Ezequiel, quem descreve uma visão da maldição de Jeová sobre a Jerusalém impenitente:
 
"E falou [Jeová] ao homem vestido de linho, dizendo: Vai por entre as rodas, até debaixo dos querubins, e enche as mãos de brasas acesas dentre os querubins, e espalha-as sobre a cidade" (Ezeq. 10:2).

 
O contexto histórico assinala que justamente antes do fatídico ano 586 a.C., o Deus de Israel estava abandonando o templo de Jerusalém com um estrondo poderoso (Ezeq. 10:4, 5, 18). O arrojar as brasas acesas simbolizava a execução do juízo de Deus sobre Jerusalém por meio da guerra e do exílio (Ezeq. 11:8-10). Este juízo foi a manifestação da maldição do pacto se eram desobedientes predita em Levítico 26, o que incluía a destruição de Jerusalém, de seu templo e a dispersão de Israel por meio das guerras (Lev. 26:31-34). A maldição do pacto implicava que Deus faria guerra contra seu povo apóstata: "Eu também procederei contra vós, e vos ferirei ainda sete vezes por seus pecados" (26:24). Não obstante, o Deus do pacto proporcionaria misericórdia para os que se arrependessem e confessassem seus pecados (vs. 40-45; Ezeq. 11:16-21).
 
No marco histórico de Ezequiel, o pulverizar as brasas acesas do trono de Deus sobre a terra não simbolizava o juízo final mas ser um juízo punitivo sobre Israel, com o propósito de levá-los a arrependimento (ver Ezeq. 11:18-20). A visão preliminar de João às 7 trombetas em Apocalipse 8:2-6 deve entender-se contra este transfundo de Ezequiel. A visão de João inclui tanto o tempo de graça como a ira de Deus.

 
A série das trombetas não anuncia meramente a ira final de Deus (esta chega só sob a sétima trombeta), mas também a sequência de juízos restringidos, os quais "só" danificarão um terço da terra (11 vezes em Apoc. 8 e 9). Estes juízos parciais das 6 primeiras trombetas são juízos de admoestação preliminares. Admoestam ao mundo quanto às últimas pragas que virão e a ira de Deus sem mistura de misericórdia à conclusão do Dia da Expiação, quando ninguém pode entrar no templo do céu (Apoc. 15:1, 5-8).
As 6 primeiras trombetas ainda saem do altar de ouro de incenso que estão diante de Deus (Apoc. 9:13). Isto sugere que o tempo de graça ainda não terminou durante essas 6 trombetas. O ato simbólico de arrojar fogo do altar sobre a terra indica a iniciação dos juízos de Deus em resposta às orações de súplica dos santos. A sequência das 6 trombetas (caps. 8 e 9) que culminam na sétima trombeta ou as 7 últimas pragas (caps. 15 e 16), ensinam que os atos simbólicos do anjo diante do altar terão um duplo cumprimento:
 
1. Calamidades de extensão limitada durante a era da igreja;
2. As últimas pragas, sem misericórdia, sobre os inimigos universais de Cristo e de seu povo.

A Relação Entre os Selos e as Trombetas
 
Uma pergunta provocadora é esta: Quando começam as trombetas em relação com os selos que as precedem? São totalmente paralelos estas séries e portanto simultâneas, ou consecutivas, ou só parcialmente paralelas? Não há uma opinião unânime entre os eruditos bíblicos sobre este ponto. O Comentário bíblico adventista informa que a interpretação que favorece os adventistas vê que as "trombetas correspondem cronologicamente, em grande medida, com o período de história cristã que abrangem as sete igrejas (caps. 2 e 3) e os sete selos (6; 8:1), os quais destacam os acontecimentos políticos e militares sobressalentes deste período".2
 
Também se menciona o ponto de vista "sequencial" de acordo com o qual os 7 juízos das trombetas se derramam sobre a terra depois da terminação do tempo de graça. Mas este ponto de vista não encontra respaldo no contexto bíblico por parte da "Comissão Adventista sobre Daniel e Apocalipse". Assinala que os eventos da proclamação do evangelho do tempo do fim em Apocalipse 10 e 11:1-14 pertencem à sexta trombeta. Portanto, tira-se a seguinte conclusão: "Os acontecimentos das trombetas ocorrem no tempo de graça, no tempo histórico... Se a sétima trombeta está unida à terminação da obra do evangelho, a dispensa evangélica, então as 6 trombetas precedentes devem necessariamente soar durante o tempo de graça".3
 
A opinião que mantém que as trombetas soam depois do tempo de graça se apoia sobre a hipótese de que as trombetas começam só depois da finalização da visão preliminar de Apocalipse 8:2-6. Este ponto de vista supõe que a cena do santuário e as trombetas em Apocalipse 8 estão descritas em uma sequência cronológica. Mas esta hipótese não está justificada em vista do fato de que as outras visões preliminares do santuário não expiraram antes que comece cada série: a que precede as 7 igrejas (Apoc. 1), a que precede os 7 selos (Apoc. 5), e a que precede as 7 pragas (Apoc. 15). Todas as visões preliminares seguem ativas durante cada série. De fato, cada carta às 7 igrejas se refere a Cristo como aparece na visão inaugural de Apocalipse 1; cada abertura dos selos é o resultado da obra de Cristo na visão de introdução de Apocalipse 5; cada uma das 7 pragas são derramadas enquanto ninguém pode entrar no templo (Apoc. 15:8).
 
Por conseguinte, é uma hipótese mais adequada ver a visão do trono de Apocalipse 8:2-6 como a fonte ativa permanente das 7 trombetas. Jon Paulien conclui dizendo: "É mais provável que João tinha a intenção de que o leitor visse a intercessão ante o altar de ouro como estando disponível até o instante quando soasse a sétima trombeta, que leva à consumação do 'mistério de Deus' (Apoc. 10:7), quer dizer, a terminação do evangelho (Rom. 16:25-27; Ef. 3:2-7; 6:19)".4
 
O fato de que a quinta trombeta se refira ao "selo de Deus" sobre as frontes do povo de Deus (Apoc. 9:4), e que por isso parece coincidir com o selamento do tempo do fim dos servos de Deus em Apocalipse 7, é uma característica significativa. A referência ao selo de Deus sobre "a fronte" indica que a obra do selamento de Apocalipse 7 e a quinta trombeta estão intimamente conectadas. Ambos os eventos podem ser vistos como contrapartes históricas que acontecem até durante o tempo de graça. Também se reconheceu que a sexta trombeta tem um forte paralelo com o selamento de Apocalipse 7 porque esta trombeta descreve graficamente os equivalentes demoníacos dos 144.000 em uma quantidade assombrosa de tropas (Apoc. 9:13-18).5
 
É importante observar que a ordem de Deus para o tempo do selamento, "não danifiqueis nem a terra, nem o mar, nem as árvores, até selarmos na fronte os servos do nosso Deus" (Apoc. 7:3), ainda segue em efeito durante a quinta trombeta (9:4), apesar de que as trombetas anteriores causaram um dano parcial à terra, ao mar e às árvores ("uma terça" parte foi afetada, 8:7-9).
A revelação de que o juízo da sexta trombeta vem de parte do anjo que está entre os "quatro ângulos do altar de ouro que se encontra na presença de Deus" (Apoc. 9:13), indica que as 6 primeiras trombetas abrangem todo o tempo de graça da era da igreja. O que cada trombeta descreve com referência à história humana real, deve determinar-se por uma aplicação cuidadosa de cada trombeta à história política e religiosa da igreja cristã do Império Romano até nossos dias. As trombetas não devem ser consideradas por si mesmas, isoladas do amplo contexto do Apocalipse se queremos evitar conclusões especulativos.
 Referencias:
1. Ellen White, 7 CBA 982 (T. 7-A, P. 412).
2. 7 CBA 804.
3. Holbrook, Symposium on Revelation – Book 1, p. 181.
4. Paulien, "Seals and Trumpets: Some Current Discussions", Simpósio sobre o Apocalipse, T. 1, p. 195.
5. Ver Paulien, Ibid., p. 196.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

As Últimas Pragas Caem Depois do Tempo de Graça


O conteúdo da sétima trombeta se revela nas 7 pragas do juízo final de Deus (Apoc. 15, 16). Isto dá a entender ao contar explicitamente as 3 últimas trombetas como três "ais" sobre os moradores da terra (8:13).
A quinta e a sexta trombeta se caracterizam como o primeiro e segundo "ai" (Apoc. 9:12; 11:14), como o anúncio de que o "terceiro ai vem logo" (11:14). Entretanto, a sétima trombeta não inclui nenhum ai, excepto a declaração de que chegou "o tempo de julgar aos mortos, e de dar o galardão a seus servos... e de destruir os que destroem a terra" (11:18). Portanto, alguns intérpretes deduziram que a sétima trombeta não está de todo incluída no terceiro ai. Mas outros assinalam corretamente à revelação posterior de João de que as 7 pragas serão o "último ai", porque nelas "está consumada a ira de Deus" (15:1). Isbon T. Beckwith comenta a respeito: "A admissão das taças com as pragas como o terceiro ai tem uma relação importante sobre a questão da composição do Apocalipse".6 A série das trombetas está inextricavelmente entretecida com as 7 últimas pragas por meio do desenho dos três ais de João. De modo que, a porção maior do Apocalipse, os capítulos 8 a 19 constituem uma unidade que desdobra uma ordem sucessiva dos juízos de Deus.
O ponto crítico nesta sequência cronológica é o começo das 7 últimas pragas, descritas como que nelas "está consumada a ira de Deus" (Apoc. 15:1; 14:10). O termo "puro" [akrátou, sem diluir] indica que a ira de Deus se manifestará em "sua força total" nas 7 últimas pragas (14:10, NBE).
Isto significa que a justiça já não está unida com a graça em "o cálice de sua ira". João recalca a advertência de que o que rechace a mensagem final de Deus será "atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e do Cordeiro" (Apoc. 14:10). Isto nos recorda o juízo de Deus sobre Sodoma e Gomorra (ver Gén. 19:24, 25), e confirma o conceito de que as pragas chegam depois que terminou o tempo de graça. A declaração, "e a fumaça de seu tormento sobe pelos séculos dos séculos" (Apoc. 14:11), recorda-nos a destruição divina de Edom como uma "retribuição no pleito de Sião" (Isa. 34:8-10). Alude-se em forma patente a estes juízos do Antigo Testamento como tipos do derramamento final da ira de Deus nas 7 últimas pragas.
Uma indicação específica do momento decisivo da história da salvação com as últimas pragas é a revelação de que ninguém pode entrar no templo celestial durante esse tempo:
"A fumaça da glória de Deus e de sua potência encheu o santuário; ninguém podia entrar nele até que não se terminassem as sete pragas dos sete anjos" (Apoc. 15:8, NBE).
 
Este texto ensina que quando tiver chegado o tempo de Deus, as pragas não podem ser demoradas mais pelas orações de intercessão. A "fumaça da glória de Deus" recorda-nos a nuvem da shekinah que se manifestava no templo do Israel como a presença visível de Deus (ver 2 Crón. 5:13, 14; 7:1, 2; Ezeq. 10:2-4). Quando Isaías viu o Senhor sentado sobre um trono enquanto o templo "encheu-se de fumaça" (Isa. 6:1, 4), recebeu mensagens de condenação para o Israel apóstata (vs. 9-13). De modo parecido, João vê a fumaça vindo das taças de ouro "cheias da ira de Deus" (Apoc. 15:7). O significado é evidente: "O tempo para a intercessão terminou. Deus, em sua majestade e poder inacessíveis, declarou que o fim chegou. Já não permanece chamando: entra para atuar em juízo soberano".1
Se as 7 últimas pragas constituírem os ais da sétima trombeta, isto dá a entender que as 6 trombetas prévias simbolizam os juízos preliminares de Deus que têm lugar durante a época da igreja. Se os juízos das pragas assinalam o começo do tempo em que já não há graça, então os juízos das trombetas caem dentro do tempo de graça e abrangem a época da igreja. Este entrelaçamento das trombetas e as pragas apresenta um panorama telescópico que João condensou em sua visão preliminar do trono de Apocalipse 8:2-5.
Comparação das Visões Preliminares das Trombetas e das Pragas
É significativo que a série das trombetas e das pragas estão arraigadas em uma visão específica do santuário: Apocalipse 8:2-5 e 15:1, 5-8. Tanto suas distinções como suas características comuns estão cheias de significado. A visão que João teve do altar em Apocalipse 8 revela dois cenários sucessivos, um de oração intercessora com incenso ante o altar (Apoc. 8:3, 4), seguida por uma em que se arroja fogo à terra por meio do incensário (v. 5). Deste modo, esta visão une o serviço mediador de Cristo no altar do incenso com sua obra final de juízo por fogo. A visão termina com uma descrição da vinda de Deus à terra: "E houve trovões, e vozes, e relâmpagos, e um terremoto" (v. 5). Jon Paulien sintetiza ambos os cenários: "As [advertências das trombetas] simbolizam os juízos atuais de Deus que constituem uma advertência de juízos maiores que têm que vir".8 As trombetas e as pragas se relacionam entre si como tipos históricos locais ao antítipo mundial.
A sétima trombeta termina com uma visão do templo que mostra uma assinalada progressão com a de Apocalipse 8. João vê o templo de Deus no céu outra vez aberto, mas agora contempla "o arca de seu pacto" seguida por "trovões, relâmpagos, um terremoto e grande granizo" (Apoc. 11:19). A sequência é evidente. O foco de atenção mudou do altar celestial de incenso em Apocalipse 8 até o arca do pacto de Deus, que no templo de Israel estava colocada no lugar santíssimo.
Esta seqüência progressiva aponta ao Dia da Expiação nos serviços do tabernáculo do Israel (ver Lev. 16). No último dia, Deus separava o arrependido do impenitente: "Porque toda pessoa que não se afligir neste mesmo dia, será eliminada de seu povo" (Lev. 23:29).
A visão do templo onde aparece a arca em Apocalipse 11:19 se amplia adicionalmente em Apocalipse 15:5-8, onde se descreve o ministério de juízo dos 7 anjos. Quando esses anjos derramaram suas taças da ira de Deus sobre a terra, a voz de Deus exclama desde seu trono: "Feito está. Então houve relâmpagos e vozes e trovões, e um grande tremor de terra... E caiu do céu sobre os homens um enorme granizo" (Apoc. 16:17, 18, 21). Esta descrição final se compara com a de Apocalipse 11:19, dando à sétima trombeta a mesma terminação como a que tem a sétima praga. Dessa maneira as trombetas continuam nas últimas pragas. E tanto as trombetas como as pragas estão implantadas na visão do trono de Apocalipse 8:2-5. Jon Paulien o declara bem em sua recapitulação:
"O livro do Apocalipse flui em forma natural... de um panorama da cruz a um panorama da inauguração do ministério de Cristo à luz da cruz (Apoc. 5), até um quadro do ministério intercessor que resulta disso (Apoc. 8:3, 4), e em última instância ao juízo que antecede o fim (Apoc. 11:18, 19). Esta ordem de eventos é característica de todo o Novo Testamento".2
As descrições da teofania final em Apocalipse 11:19 e 16:17-21 mostram o característico adicional de uma enorme tormenta de granizo não incluída em Apocalipse 8:5. O significado deste acréscimo pode ver-se no fato de que o "granizo" era uma parte essencial das guerras santas de Deus contra seus inimigos (Jó 38:22, 23): contra Egito (Êxo. 9:18, 22-26), contra os amorreus (Jos. 10:11), contra os inimigos do Davi (Sal. 18:12-14), contra um Israel apóstata e rebelde (Isa. 28:2, 17) e contra Judá (Ezeq. 13:11, 13).
Especialmente, a predição de Ezequiel de que Deus lutará contra Gogue e suas nações aliadas, por sua ardente ira com "um grande tremor sobre a terra" junto com "impetuosa chuva, e pedras de granizo, fogo e enxofre" (Ezeq. 38:19, 22), é significativo. O cumprimento da última guerra santa que Ezequiel apresenta, e que o Apocalipse explica como "Armagedom" (Apoc. 16:13-16), não terá lugar durante as 6 primeiras trombetas, e sim durante as últimas pragas. Richard Bauckham interpretou a ampliação gradual do terremoto escatológico e do granizo em Apocalipse 8:5, 11:19, 15:5 e 16:17-21 da seguinte maneira:
"O desenvolvimento progressivo da fórmula harmoniza com a severidade cada vez major de cada série de juízos, quando as visões se enfocam mais estreitamente sobre o próprio Fim e as advertências limitadas dos juízos das trombetas dão lugar às sete últimas pragas da ira de Deus sobre os que finalmente são impenitentes".3
Os juízos das trombetas revelam algo da paciência angustiosa de Deus com seus inimigos. O aumento gradual da intensidade dos juízos de Deus mostra a reticência divina para pôr fim ao tempo de graça. Aqui se aplicam as palavras do Pedro: "O Senhor não retarda sua promessa, segundo alguns a têm por tardança, mas sim é paciente para connosco, não querendo que nenhum pereça, mas que todos procedam ao arrependimento" (2 Ped. 3:9).
Referencias:
1. Mounce, The Book of Revelation, p. 290.
2. Paulien, Decoding Revelation's Trumpets. Literary Allusions and Interpretation of Revelation 8:7-12, p. 208.
3 Paulien, "Seals and Trumpets: Some Current Discussions", Simpósio sobre o Apocalipse, t. 1, p. 197.

domingo, 14 de outubro de 2012

APOCALIPSE - Uma Teologia dos Selos e das Trombetas

Qual é o significado teológico dos selos e das trombetas? O conteúdo de cada série mostra que está dirigido a diferentes classes de pessoas. Os selos se centram sobre os mártires que foram mortos por causa de seu testemunho à Palavra de Deus e o testemunho de Jesus durante a era da igreja (Apoc. 6:9-11). Seu clamor, "Até quando...?", indica que a perseguição contra os cristãos continuou por um tempo prolongado. Os primeiros 4 selos predizem as perseguições dos cristãos devidos à sinagoga (2:9; 3:9) e a Roma pagã (1:9; 2:10, 13).


O quinto selo estende a perseguição dos santos além da Roma imperial até que termine a tribulação final (Apoc. 6:11; 7:14). A frase do anjo: "Que descansassem ainda um pouco de tempo", corresponde ao "pouco tempo" atribuído ao diabo em Apocalipse 12:12, e também se estende até a segunda vinda de Cristo. Os selos ensinam que o discipulado de Cristo inclui sofrer por Cristo (ver Apoc. 1:9). Leão Morris expressou bem esta lição:
"As palavras de João [em Apoc. 6:9] são um recordativo de que através da história houve uma hostilidade persistente por parte dos que exercem o poder para os cristãos profundamente comprometidos. Manifesta-se hoje, como em outros períodos, e será assim até o fim do tempo".1
Mas o Cordeiro que abre cada selo do livro é ao mesmo tempo o Leão vencedor da tribo do Judá (Apoc. 5:5; 6:1). Ele está em pé ao fim dos selos para julgar a todos os homens (6:15-17; cf. Mat. 25:31-46). O reino da glória vem só depois da grande tribulação (Apoc. 7:9-17). A existência cristã é viver com a tensão do sofrimento e a esperança do reino de Cristo. Graeme Goldsworthy observa com perspicácia:
"Reflete o sofrimento do Cordeiro e antecipa a consumação do reino por meio da vitória do Leão".2
O quinto selo consola os que se sacrificam a si mesmos por causa de Cristo. O clamor dos mártires não é por uma vingança encarniçada mas sim pela vindicação de sua fé em Deus e na causa de Cristo pela qual foram mortos.
Os mártires esperam a execução da justiça sobre "os que moram na terra". Os juízos descritos nos selos não devem entender-se como juízos diretos de Deus, mas sim como as ações malvadas dos perseguidores, "os moradores da terra", um termo usado no Apocalipse como um termo técnico para designar a todos os que sucumbiram à adoração idolátrica (Apoc. 13:8, 12; 17:2, 8). O clamor dos santos não se dirige a alguns juízos preliminares a não ser ao pronunciamento final do juízo de Deus em seu favor. Solicitam o cumprimento disposto da cena do juízo de Daniel:
"Eu olhava e eis que este chifre fazia guerra contra os santos e prevalecia contra eles, até que veio o Ancião de Dias e fez justiça aos santos do Altíssimo; e veio o tempo em que os santos possuíram o reino" (Dan. 7:21, 22; ver também Deut. 34:23).
Os mártires assassinados até estão clamando hoje a Deus para que cumpra suas promessas. Tais orações persistentes reclamando justiça dão por sentado a fidelidade de Deus, "o Senhor santo e verdadeiro" (Apoc. 6:10). A mensagem dos selos denota que Cristo decide quem são os herdeiros legítimos do reino de Deus, quais a sua vista constituem o verdadeiro "povo dos santos do Altíssimo", e a quem "o reino e o domínio e a majestade debaixo de todo o céu" será dado (Dan. 7:27). Este assunto fundamental é a preocupação pastoral de todo o Apocalipse.
Na visão introdutória das trombetas, João viu como "as orações de todos os santos" sobre a terra subiam diante de Deus com a fumaça do incenso celestial (Apoc. 8:3, 4). O céu responderá a essas orações dos santos que sofrem arrojando "fogo" do altar à terra. Isto representa juízos específicos que limitam ou incapacitam os poderes perseguidores do mundo até que os juízos universais trazem a destruição final. Daniel disse ao rei de Babilónia que o Deus de Israel "muda os tempos e as estações; tira reis e põe reis" (Dan. 2:21). Esta soberania ativa de Deus se declara simbolicamente por meio das 7 trombetas da época da igreja. As apresentações das trombetas recordam especialmente as pragas do Egito. Deus enviou as 10 pragas em resposta ao clamor de seu povo: "ouvi seu clamor..." (Êxo. 3:7), o que nos recorda que os juízos de Deus se derramam em defesa de seu povo do pacto. Isto é patente especialmente se compararmos a quinta trombeta com o quinto selo.
Enquanto o quinto selo (Apoc. 6:9-11) centra-se sobre a petição dos santos martirizados, a quinta trombeta descreve os juízos sobre o mundo incrédulo, só sobre os que não têm "o selo de Deus em suas frontes" (9:4). As 3 últimas trombetas inclusive se caracterizam como "ais" para "os habitantes da terra", a população ímpia do mundo (11 :10; 13:8, 12; 17:2, 8).
Este contraste básico entre os selos e as trombetas indica que as duas sequências proféticas se enfocam sobre diferentes pessoas, enquanto se comparam mutuamente. Ambas as séries são complementares. Juntas formam um quadro mais completo da era da igreja. Enquanto os selos levantam a questão inquietante do por que Deus parece ser tão passivo a respeito da sorte de seu povo açoitado, as trombetas asseguram que Cristo está comprometido ativamente no mundo. Alcança a seus inimigos até que se termina sua paciência. Seu juízo chega a ser definitivo com a sétima trombeta, quer dizer, com as 7 pragas.
As trombetas apontam para trás à liberação de Israel do Egito. O propósito das pragas do Egito era convencer a Faraó que significavam "o dedo de Deus" (Êxo. 8:19) e que devia deixar ir a Israel para que adorassem a seu Deus (10:7). De igual maneira, o propósito dos juízos das trombetas é convencer ao mundo ímpio que Cristo está a favor de seu povo e chama todos os homens a que se arrependam. Michael Willcock assinalou este aspecto das trombetas:
"Os selos mostraram à igreja sofredora suplicando para que se faça justiça. Mas as trombetas mostram que se oferece misericórdia ao mundo ímpio. A oferta não é aceita, e de fato, o mundo não se arrependerá (Apoc. 9:20 e seguintes); mas nunca poderá dizer-se que Deus não fez tudo o que estava em suas mãos, inclusive até a devastação de sua terra uma vez perfeita, para fazer entrar em razão aos homens".13
Esta exortação ao arrependimento sobre os inimigos do povo de Cristo é o significado teológico dos selos e das trombetas.
Referencias:
1. Morris, The Revelation of St. John, p. 108.
2. Graeme Goldsworthy, The Lamb and the Lion. The Gospel in Revelation [O Cordeiro e o Leão. O Evangelho no Apocalipse] (Nashville: T. Nelson Publishers, 1984), p. 33.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

COMPREENDENDO AS TROMBETAS – No Contexto dos Juízos Divinos de Fogo


O símbolo de lançar fogo do altar celestial à terra em Apocalipse 8:5 é desafiante. O simbolismo se repete em Apocalipse 14, onde "saiu do altar outro anjo, que tinha poder sobre o fogo" e anunciou que as uvas da terra seriam arrojadas "no grande lagar da ira de Deus" (Apoc. 14:18, 19). Esta conexão com Apocalipse 14 indica que a visão preliminar das trombetas em Apocalipse 8 prevê que todas as trombetas chegam até a segunda vinda de Cristo. Apocalipse 14 mostra que a ira de Deus permanece "fora da cidade" (V. 20), quer dizer, fora do "monte Sião", sobre o qual estão em pé o Cordeiro com os 144.000 selados (v. 1).
Portanto, o fogo do altar celestial não vem como uma destruição indiscriminada, mas sim como um juízo severo para rechaçar os indignos e proteger os fiéis. Tais experiências terríveis por fogo já tinham ocorrido antes, quando Deus fez chover fogo sobre a Sodoma e Gomorra, enquanto que a família de Ló foi vindicada (Gén. 19:24-29), e de novo quando "saiu fogo de diante do Jeová" e consumiu os 250 homens que ofereciam o incenso deixando ilesos os outros israelitas (Núm. 16:35). Também Sadraque, Mesaque e Abede-Nego sofreram uma dura prova de fogo, durante a qual foram protegidos dentro do forno de fogo ardendo, enquanto que o fogo matou os soldados os arrojaram dentro (Dan. 3:19-23).
O incêndio da cidade de Jerusalém no ano 70 foi uma dura prova de fogo (ver Mat. 22:7), na qual os que rechaçaram a Cristo experimentaram calamidades terríveis enquanto os crentes cristãos escaparam ao castigo (Luc. 21:20-23). Paulo também descreve o juízo final como uma tremenda prova por meio de fogo com respeito à obra de cada um, "pois pelo fogo será revelada; e a obra de cada um qual seja, o fogo a provará" (1 Cor. 3:13). Para os que rechaçam a Cristo, os apóstolos esperavam só um horrendo juízo e um "fervor de fogo que tem que devorar os adversários" (Heb. 10:26-29), porque "nosso Deus é fogo consumidor" (Heb. 12:29; ver também 2 Tes. 1:5-8).
Então podemos entender o ato de arrojar fogo do céu à terra em Apocalipse 8:5 como representando as duras provas enviadas pelo céu que discriminam entre o justo e o malvado. O propósito final destes juízos sucessivos é desqualificar os que quebrantam o pacto e definir os herdeiros legítimos do reino de Deus.
Esta descrição simbólica dos juízos das trombetas toma o motivo do êxodo do Israel e sua viagem pelo deserto rumo à terra prometida. Em particular, os 7 toques de trombeta em Apocalipse 8 e 9 recordam a conquista do Jericó por parte dos israelitas. Então o assunto era: Quais são os herdeiros legítimos da terra prometida? Ellen White explicou que "Deus estava para estabelecer Israel em Canaã, desenvolver entre eles uma nação e governo que fossem uma manifestação de Seu reino na Terra".1
De acordo com o mandato divino, "consumiram com fogo a cidade e tudo o que nela havia" (Jos. 6:24). Mas Raabe e sua família foram perdoados por causa de sua fé no Deus de Israel. Desta maneira, Israel herdou o "reino" de Jericó, enquanto os condenados foram despojados da terra. Da mesma maneira, quando os inimigos de Deus forem derrotados durante as trombetas apocalípticas (Apoc. 8 e 9), a última trombeta anuncia:
"O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos" (Apoc. 11:15).
Esta proclamação triunfante revela o motivo subjacente de toda a série das trombetas: Quem é digno de herdar o reino do mundo? O grito cósmico de vitória significa o cumprimento do reino do Messias de Deus, como é prometido nos salmos messiânicos (por exemplo, os Sal. 2 e 110). Antes que se realize esta meta da história, os "moradores da terra" devem ser primeiro desqualificados pelas repetidas quedas de seus reinos por meio dos terríveis juízos divinos. As trombetas apresentam estes juízos como terríveis provas históricas.
Referencia:
1.Ellen White, Patriarcas e Profetas, p. 492.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

COMPREENDENDO AS TROMBETA - As Trombetas como Pragas Preliminares sobre o Mundo Hostil

As trombetas descrevem os juízos de Deus fazendo alusões às antigas pragas do Egipto:
O primeiro toque de trombeta envia "granizo e fogo misturados com sangue, que foram lançados sobre a terra" (Apoc. 8:7). Isto se refere à sétima praga do Egipto (Êxo. 9:22-26) que foi enviada por motivo da libertação de Israel. A segundo trombeta joga uma grande montanha no mar, de modo que "a terça parte do mar se converteu em sangue, e morreu a terça parte dos seres viventes que estavam no mar" (Apoc. 8:8, 9). Isto é uma alusão à primeira praga do Egito, quando Moisés feriu o rio Nilo com sua vara e "todas as águas que havia no rio se converteram em sangue" (Êxo. 7:20, 21). O toque da terceira trombeta envia uma estrela ardendo sobre "a terça parte dos rios, e sobre as fontes das águas" de maneira que as águas se fizeram absinto, matando a muitos homens (Apoc. 8:10, 11). Isto tem alguma semelhança com o fato de que os egípcios não podiam beber a água do Nilo (Êxo. 7:21). A quarta trombeta faz que uma teça parte do sol, da lua e das estrelas se escureçam na terça parte do dia e da noite (Apoc. 8:12). Este fenómeno nos recorda da nona praga, que causou densas trevas sobre toda a terra do Egito por três dias (Êxo. 10:21-23). A quinta trombeta faz que lagostas diabólicas torturem as pessoas por 5 meses (Apoc. 9:1-11). Isto alude à oitava praga do Egito, quando as lagostas devoraram "toda a erva da terra, e todo o fruto das árvores" (Êxo. 10:13-15). A sexta trombeta envia uma cavalaria monstruosa do rio Eufrates que mata a "a terça parte dos homens" (Apoc. 9:13-19). Um juízo assim corresponde à décima praga, quando o anjo da morte enviado por Deus causou a morte de todos os primogénitos do Egito, "para que saibam que Jeová faz diferença entre os egípcios e os israelitas" (Êxo. 11:7).
Ao mesmo tempo que lemos que a cada praga que caiu sobre o Egito Faraó endureceu seu coração para não deixar ir a Israel, assim também lemos depois da sexta trombeta: "Os outros homens, aqueles que não foram mortos por esses flagelos, não se arrependeram das obras das suas mãos, deixando de adorar os demónios e os ídolos de ouro, de prata, de cobre, de pedra e de pau... nem ainda se arrependeram dos seus assassínios, nem das suas feitiçarias, nem da sua prostituição, nem dos seus furtos" (Apoc. 9:20, 21).
A semelhança literária das trombetas com as pragas do Egito nos diz que as trombetas não são fundamentalmente desastres naturais ou calamidades gerais, e sim as maldições do Deus do pacto sobre seus inimigos. Da vitória de Cristo sobre Satanás, o príncipe deste mundo (João 12:31; 14:30; 16:11; 2 Cor. 4:4), Cristo esteve atuando para voltar a estabelecer o reino de Deus na terra: "Porque preciso é que ele reine até que tenha posto a todos seus inimigos debaixo de seus pés" (1Cor. 15:25).
O ministério intercessor de Cristo no céu inclui sua paciência redentora para com seus inimigos. As trombetas anunciam os limites de sua paciência e a contínua derrocada dos reinos malignos antes de sua vinda. As trombetas revelam a incapacidade dos reinos humanos e os incapacita. Depois, a sétima trombeta declara: "O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos" (Apoc. 11:15).
O Criador Continua Sendo o Governante da Terra
As trombetas sugerem a ruína gradual da obra da criação. O juízo de cada trombeta se refere a um característico que corresponde a um dia da semana da criação: (1) a terra; (2) o mar; (3) os rios e as fontes das águas; (4) o Sol, a Lua e as estrelas; (5) as lagostas; (6) o homem; (7) o reino. Desde esta perspectiva os juízos das trombetas tocam todos os 6 dias da criação. A destruição progressiva da criação de Deus pode entender-se como uma desqualificação dos atuais habitantes do mundo:
"O significado destas referências à criação [em Apoc. 8-9], sem dúvida alguma indicam que Cristo está estabelecendo seu reino sobre cada aspecto da criação, e que todos os herdeiros falsos, embora exerçam temporalmente o domínio, serão despojados".1
Entretanto, Cristo não destrói sua própria criação. Só proporciona oportunidade a Satanás, cujo nome tanto em hebraico como em grego é "destruidor" (Apoc. 9:11). Satanás destrói o que Deus criou. Nenhuma passagem no Apocalipse descreve mais graficamente este caráter demoníaco que a quinta e a sexta trombetas (cap. 9). Podemos esperar que aconteça isto cada vez mais no curso da história, especialmente no tempo do fim.
João não espera que apliquemos em forma literal esta descrição de lagostas e cavalos que atormentam. Deseja que compreendamos que Deus usa inclusive os poderes do mal e de Satanás como seus instrumentos de juízo para expor o mal oculto de seus adversários.
As trombetas mostram que a igreja não deve esperar que o evangelho vá criar paz no mundo e vá dissipar a idolatria (ver Apoc. 9:20, 21). De fato, a segunda metade do Apocalipse revela que o evangelho será cada vez mais escurecido pelos espíritos malignos que procedem da boca do dragão, da boca da besta e da boca do falso profeta (16:13). O propósito da atividade dos espíritos de demónios é enganar a humanidade por meio de sinais milagrosos e dessa maneira unir ao mundo em uma rebelião contra seu Criador.
Tanto Jesus como Paulo predisseram que o tempo do fim estaria marcado por uma manifestação crescente de engano demoníaco por meio de sinais e milagres (ver Mat. 24:24; 2 Tes. 2:9-12). Esta atividade intensificada dos espíritos de demónios é colocada no Apocalipse como a contraparte do reavivamento da obra do Espírito Santo, tal como se descreve em Apocalipse 18:1-4. Em contraste com o escurecimento do céu "pela fumaça do poço" do abismo (9:2), aparece o anjo do Senhor que tem grande autoridade para iluminar a terra com sua glória (18:1).
 
Este contraste nos leva a considerar as últimas trombetas de Apocalipse 9 dentro do grande plano de Deus, tal como se desenvolve nas visões do tempo do fim em Apocalipse 12 a 20. Estas visões revelam o objetivo oculto dos espíritos demoníacos, que consiste em conduzir a todo mundo a seu último ataque contra os seguidores do Cordeiro de Deus (13:15-17; 20:7-9). Nesse desenvolvimento final do grande conflito entre Deus e Satanás, "tudo o que não esteja ocupado pelo Espírito de Deus, chegará a estar ocupado pelos espíritos de demônios".2


Hans K. LaRondelle

Referências

1. Rusten, A Critical Evaluation of Dispensational Interpretations of the Book of Revelation, t. 2, p. 370.
2. D. Ford, Crisis! A Commentary on the Book of Revelation, t. 2, p. 417.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

APOCALIPSE - APLICAÇÃO HISTÓRICA DAS TROMBETAS

Para começar, desejo enfatizar a natureza simbólica das visões que Deus deu a João, "para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer" (Apoc. 1:1; também 4:1; 17:1; 21:9; 22:1, 6, 8). A linguagem apocalíptica não deve ser pressionada nas descrições literais da nossa moderna sociedade tecnocrata. Antes esta linguagem exige que determinemos o que simboliza. Tomar as descrições visionárias como realidades literais, da mesma maneira que os livros de Génesis e Êxodo descrevem história, é um mal-entendido básico da intenção de João. Não obstante, os comentadores que apoiam o sistema futurista de interpretação supõem, simplesmente, que as 4 primeiras trombetas descrevem colisões repetidas de meteoros ou asteróides com a terra. As visões de João exigem que perguntemos: Onde e como usa o Antigo Testamento estes quadros na sua perspectiva profética? Recusamos tanto os princípios do literalismo como os do alegorismo para a linguagem apocalíptica do livro porque são enfoques especulativos. Está mais em harmonia com o pensamento bíblico ver as trombetas como juízos do pacto sobre os que quebrantam o pacto. João usa a linguagem e os símbolos do pacto, não descrições seculares e de adivinhação.

Na era da igreja, Cristo executa os juízos preliminares sobre as fortalezas do reino das trevas. O som de trombeta era um símbolo familiar de guerra santa (ver Núm. 10:9; Sof. 1:16; Jer. 4:5, 19, 21; Ezeq. 7:14).

As trombetas descrevem como Cristo, como o Leão da tribo do Judá (Apoc. 5:5) ou o Guerreiro santo, começa a enviar os juízos preliminares. Usa os agentes tradicionais da guerra santa, tais como o fogo, o granizo, a espada, as pragas, o escurecimento dos céus, as lagostas e os escorpiões, um terramoto, e até anjos caídos, porque tudo permanece sob seu domínio soberano. Nas trombetas, Cristo põe em atividade uma série de juízos limitados à admoestação.

A aplicação histórica das trombetas é notoriamente difícil e discutível. A maioria dos comentadores se abstém de fazer qualquer aplicação concreta à história. Não obstante, estamos obrigados a identificar as realidades históricas às quais se referem as trombetas de guerra. O nosso guia mais seguro é a profecia mestra de Jesus em Mateus 24, que está apoiada no esboço apocalíptico do Daniel (ver Mat. 24:15).

Jesus referiu especificamente aos juízos messiânicos sobre Jerusalém e Judeia por meio do exército romano entre os anos 66 e 135 d.C. (ver Mat. 24:15-21; Luc. 21:20-24). Paulo aplicou as profecias de Daniel concernentes ao quarto império mundial a Roma imperial, a que seria removida como "o que impede" ou "o que o freia" antes do surgimento do anticristo (ver 2 Tes. 2:7). Paulo esperava que o anticristo se revelasse posteriormente dentro do templo de Deus, só para ser julgado e destruído na vinda de Cristo (2 Tes. 2:4, 8).

Tanto Jesus como Paulo indicaram os juízos vindouros de Deus na era cristã. Como o Senhor soberano da história, Cristo usa os governantes terrestres como os seus instrumentos de castigo, assim como Deus tinha usado antes os reis da Assíria (Isa. 10:5, 6), de Babilónia (Jer. 25:8-11) e da Pérsia (Isa. 44:28; 45:1) como os seus instrumentos. Ao mesmo tempo, os profetas anunciaram que Deus também julgaria e castigaria as nações que tinha usado porque tinham excedido os limites assinalados por Deus com crueldades e vanglória idólatras (Isa. 10:5-7, 12; Jer. 25:15-26; 51:47-49, 55, 56; Dan. 5:24-28).

O estilo de Deus para executar justiça deve começar com o seu próprio povo do pacto ("começarão por meu santuário", Ezeq. 9:6). Jeremias declarou que a taça da ira divina seria derramada primeiro sobre o Israel rebelde:
"Porque se na cidade que leva meu nome comecei o castigo, vós ides ficar impunes? [as nações gentias inimigas]. Não ficareis impunes, porque eu reclamo a espada contra todos os habitantes do mundo, oráculo do Senhor dos exércitos" (Jer. 25:29, NBE; ver também Amós 3:2 e Miq. 3:12).

O Antigo Testamento descreve quão terrivelmente sofreram Jerusalém e todo o Israel quando o exército de Babilónia destruiu finalmente Jerusalém e o templo no ano 586 a.C. (2 Crón. 36:15-19; Lam. 4:11). O mesmo juízo foi predito por Daniel para o templo reconstruído de Jerusalém, esta vez pelo pecado supremo de expor o Messias a uma morte violenta (Dan. 9:26, 27). Isto se cumpriu, de acordo com a aplicação do Jesus, quando o exército romano destruiu a cidade e o templo no ano 70 d.C. e continuou a devastar a terra do Israel até que a rebelião de Bar-Koba foi sufocada em 135 (Mat. 23:32, 37-39; 24:1, 2, 15-21; Luc. 19:41-44; 21:20-24).

Jesus tomou a imagem de juízo em Ezequiel que também forma parte do simbolismo da trombeta: "Porque se à árvore verde fazem isso, que se fará à árvore seca?" (Luc. 23:31). Ezequiel anunciou que o Deus de Israel acenderia um fogo [em Jerusalém] "o qual consumirá em ti toda árvore verde e toda árvore seca" (Ezeq. 20:47). Jesus usou este simbolismo da árvore para anunciar o juízo iminente sobre Jerusalém. A metáfora das "árvores" representa claramente o povo, e se aplica em particular aos israelitas (tanto no Ezeq. 20 como no Luc. 23:31). David Aune o explica assim: "Se Jesus, que é inocente, está a ponto de ser executado, quanto mais aqueles que são culpados (os judeus que rechaçaram a Jesus) pagam essa penalidade".1

A Primeira Trombeta Aplicada à História
A primeira trombeta anuncia "saraiva e fogo misturados com sangue" que foram lançados sobre a terra e queimaram uma terça parte das árvores e de erva verde (Apoc. 8:7). Esta combinação irreal de sangue com granizo do céu, assinala uma descrição simbólica dos juízos de Deus sobre os primeiros perseguidores do Israel messiânico.

No seu discurso profético, Primeiro Jesus começou a informar os seus discípulos a respeito de "guerras e rumores de guerras" (Mat. 24:6), mas na seção paralela descreveu a queda de Jerusalém e as aflições do povo judeu (vs. 15-19), junto com a aflição do povo messiânico de Deus (vs. 20, 21). Quando João escreveu o Apocalipse, ainda não tinha terminado a guerra de Roma contra os judeus. O exército romano às ordens de Trajano e Adriano continuaram desolando a Judeia até ao ano 135, quando 50 cidades e 985 povos foram destruídos e despovoados. João Wesley comenta sobre a primeira trombeta o seguinte: "Dessa forma, a vingança começou com os inimigos judeus do reino de Cristo".2

Jesus tinha declarado: "Eu vim para lançar fogo sobre a terra" (Luc. 12:49). Para Ele, uma figueira estéril que estava no caminho para Jerusalém representava a nação judia. O Seu ato simbólico de lhe lançar uma maldição (Mat. 21:19) funciona como um tipo do simbolismo da árvore na primeira trombeta. Tanto os dirigentes como os seus seguidores foram tidos como responsáveis pela sua incredulidade no Cordeiro que Deus tinha enviado a Israel. Cristo advertiu: "E te derribarão, a ti e a teus filhos que dentro de ti estiverem, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, pois que não conheceste o tempo da tua visitação" (Luc. 19:44).
Hans K. LaRondelle
Referências

1 Aune, Prophecy in Early Christianity, p. 177.
2 Wesley, Explanatory Note Upon the New Testament, p. 975

Apocalipse - A Segunda Trombeta Aplicada à História


A segunda trombeta descreve como "[algo] como um grande monte envolto em fogo foi arrojado ao mar", causando que uma terceira parte do mar se convertesse em "sangue", destruindo os seres vivos que estavam no mar e as naves (Apoc. 8:8, CI). Esta representação simbólica ("algo parecido") toma suas imagens da queda de Babilónia descrita em Jeremias 51; Deus julgou à antiga Babilónia por "todo o mal que eles fizeram a Sião" (Jer. 51:24).

"Eis que sou contra ti, ó monte que destróis, diz o Senhor, que destróis toda a terra; estenderei a mão contra ti, e te revolverei das rochas, e farei de ti um monte em chamas" (Jer. 51:25).
Assim o "destruidor" (Babilónia) seria destruído pelo Deus de Israel, ao ser arrojado no mar. Os "montes" foram usados no Antigo Testamento como símbolos de nações (ver Isa. 2:2, 3; 11:9; 13:4; 41:15; Dan. 2:35, 44, 45; Ezeq. 35:2, 7, 8; Zac. 4:7). Jon Paulien observou o seguinte:

"Em passagens que se referem a juízo, montes que representam nações sempre são o objeto dos juízos de Deus, nunca os agentes de seus juízos (Isa. 41:15; 42:15; Ezeq. 35:2-7; 38:20; Zac. 4:7)".3
Depois do ano 70, tanto judeus como cristãos viram em Roma imperial uma nova "Babilónia", porque Roma, como Babilónia, tinha destruído o templo e Jerusalém (4 Esdras 3; 2 Baruque 10-11; 1 Enoc 18). Pedro inclusive menciona "Babilónia" como um nome misterioso para Roma (1 Ped. 5:13). O segundo toque de trombeta anuncia o juízo de Cristo sobre o monte ardente ou império de Roma. Depois da queda de Jerusalém veio a queda de Roma. João descreve a queda de Babilônia do tempo do fim com uma imagem similar:

"Então, um anjo forte levantou uma pedra como grande pedra de moinho e arrojou-a para dentro do mar, dizendo: Assim, com ímpeto, será arrojada Babilónia, a grande cidade, e nunca jamais será achada.  ... E nela se achou sangue de profetas, de santos e de todos os que foram mortos sobre a terra" (Apoc. 18:21, 24).

Este paralelo notável entre a segunda trombeta e Apocalipse 18 assinala o mesmo motivo dos juízos: o clamor dos santos martirizados! Diz Paulien:

"O mar que se converte em sangre na segunda trombeta representa provavelmente uma completa mudança proléptica da perseguição do povo de Deus pelos ímpios mencionados em Apocalipse 16:4-6 (cf. 18:24). Recebem isso em pago pelo que têm feito".4
A segunda trombeta indica que tanto o monte como o mar são julgados, "converteram-se em sangue". O "mar" era um símbolo corrente para os povos da terra (Isa. 57:20; 17:12, 13; Jer. 51:41, 42; Dan. 7:2, 3, 17). Dessa maneira, a segunda trombeta anuncia não só a queda de Roma mas também a devastação de sua ordem social e económica  "E morreu a terça parte da criação que tinha vida, existente no mar, e foi destruída a terça parte das embarcações" (Apoc. 8:9).
Referências:
3 Paulien, Decoding Revelation's Trumpets. Literary Allusions and Interpretation of Revelation 8:7-12, p. 388.
4 Ibid., p 383.