domingo, 31 de outubro de 2010

A DOAÇÃO DE CONSTANTINO À IGREJA ROMANA

Carlos Martel vencendo os árabes em Poitiers
Na época de Carlos Martelo e de Pepino, o rei Lombardo ameaçava a liberdade de Roma. Nesta altura, o papado não possuía nenhuma terra, nenhum território além do palácio episcopal de Latrão.
Querendo ter poder temporal e exercer a sua influência, para tal era necessário equiparar-se a um monarca temporal! Embora embrionário, o sistema papal, sempre desejou ter este mesmo protagonismo temporal. Querendo satisfazer esta ambição e ter um papel no campo da política, era necessário, tal como qualquer soberano – Poder! Enfim possuir um domínio sobre terras, bens e pessoas!
A ocasião não se fará tardar! Astolfo, novo rei Lombardo põe termo ao domínio Bizantino na Itália central ao subjugar e tomar o Exarcado de Ravena, em 751. O pontífice romano ao aperceber-se da impotente ajuda do imperador, ausente em Constantinopla, e para fazer face a esta ameaça, volta-se para os Francos – França.
Nesta altura, exercia o seu pontificado em Roma o Papa Estêvão II (752-757). Este dirige-se a França e ali, acolhido favoravelmente no “Mosteiro de S. Dinis, colocou o diadema na cabeça do seu benfeitor.” Em troca, o rei dos Francos – Pepino, o Breve – promete ajudá-lo contra a ameaça Lombarda. A aliança entre o Papa e a dinastia Franca fora assim concluída. Devido a duas campanhas militares, em 754 e 756, Pepino obrigou Astolfo a abandonar o Exarcado de Ravena e restituí-lo ao papa.
Neste Exarcado estavam incluídos os territórios de Ravena, Bolonha e Ferrara; quando o reino Lombardo foi dissolvido, o ducado de Espoleta veio engrossar os territórios entregues ao pontífice. Esta superfície territorial compõe a área dos Estados da Igreja.
Agora, a situação do pontífice romano era totalmente diferente, pois “a magnífica doação fora outorgada em plena e absoluta soberania; aos olhos do mundo surgiu, pela primeira vez um bispo cristão investido das prerrogativas de um príncipe temporal: nomeação de magistrados, o exercício da justiça, a cobrança de impostos e a riqueza do palácio de Ravena”.
O leitor certamente se perguntará por que é que o rei de França doou tudo isto ao bispo de Roma, não é verdade? Será só por que o monarca assim o quis ou poderá ter sido por outra razão? Parece que a unção do rei teve a ver com algumas contrapartidas e cedências da parte do monarca Franco. A coroação e o reconhecimento da monarquia Franca, passava pela ajuda a conceder ao bispo de Roma e a consequente “devolução” dos territórios usurpados pelos Lombardos!
Assinalamos aqui a existência de um documento chamado – Doação de Constantino - documento, supostamente elaborado e entregue pelo imperador Constantino (311-324), ao pontífice Silvestre I (314-335). Este documento foi levado pelo Papa Estêvão II ao soberano Franco para que este conhecesse o quanto tinha sido usurpado ao pontífice e que era necessário reaver! O documento tem o seguinte teor: “(…) E para que a dignidade pontifícia não seja inferior, mas que tenha uma dignidade e glória maiores que as do Império terreno, como possessões de direito da Santa Igreja Romana (…), a cidade de Roma e todas as províncias, distritos e cidades de Itália e do Ocidente”. Foi graças a este documento que o bispo de Roma pôde alcançar o seu propósito - competir e, dentro do possível, superar qualquer monarca!
Quanto a este documento, não se conhece a data da sua elaboração; em todo o caso “investigações recentes sugerem ter sido elaborado, trecho a trecho, em diferentes passos a partir de 754”.
Portanto temos um documento do século VIII e não do IV, como fizeram crer! Esta fraude foi descoberta, devido ao desenvolvimento da disciplina da Diplomática, por “Lorenzo Valla (1407-1457), pai da famosa Declamatio, na qual ficou demonstrado que o imperador Constantino não é o autor do documento no qual se faz doação ao Papa de uma parte do seu império”. Não deixa de ser interessante o comentário feito por um sacerdote acerca deste preciso contexto de doações. Ao comentar alguns aspectos do pontificado de Estêvão II, assim como as doações do monarca Franco ao pontífice romano, acrescenta: “Não era ainda o poder temporal, mas os alicerces estavam lançados”.
Nunca, na anterior História do papado, fora posta a questão do bispo de Roma assumir o poder temporal e governar como um rei territorial! É, no mínimo, de ficar pasmado! Cristo, como acima já o referimos, sempre pautou pela simplicidade, enquanto que os que sucessivamente encabeçam a Sua “continuidade”, estes procedem, ao invés, do exemplo do Seu Senhor!
Que dizer de Simão Barjonas, aquele que, asseguram, está na origem da sucessão pontifícia? Mais adiante teremos oportunidade de falar nisto em detalhe. Como é possível comparar o simples e humilde apóstolo com esta confissão religiosa que se diz sua sucessora? Nada tem de comparável! A exemplo do Mestre, ele pôde dizer a quem dele precisava: “Não tenho ouro nem prata, mas vou dar-te o que tenho: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda” - Actos 3:6. Apesar destes exemplos tremendamente esclarecedores, o que é que se tem passado ao longo do tempo? Quanto a nós, das duas uma: 1- Ou os, pretensos, sucessores se perverteram totalmente, e a história que o diga! 2- Ou o apóstolo nunca imaginou que iria, um dia, ter sucessores e, ainda por cima, mais poderosos do que qualquer monarca temporal!
Quanto a nós, à luz das Escrituras, não encontramos qualquer explicação nem justificação para a existência de tal sistema religioso, como para a opulência e ostentação em que sempre viveu! À luz da História, estes ditos sucessores do pobre Simão Barjonas, têm um percurso nada recomendável e, na sua grande maioria, nada tiveram de representantes de Deus! O prezado leitor ainda tem dúvidas? Se acha que estamos a ser exagerados, então tenha a bondade e a curiosidade de consultar qualquer livro de História da Igreja e verá quão triste, confuso e tenebroso tem sido o percurso desta confissão religiosa que, paradoxalmente, se considera a mãe da cristandade e que muitos dizem, porque não conhecem bem, ter orgulho a ela pertencer!

Bibliografia:Edward Gibbon, op. cit., Vol. II, p. 221
Cf. Jacques Ellul, Histoire des Institutions – Le Moyen Age, 9ª ed., Paris, Presses Universitaires de France, 1982, Vol. 3, p. 95
Edward Gibbon, op. cit., vol. II, p. 223
José A. G. Cortazar e Ruiz de Aguirre, Historia General de la Alta Edad Media, Madrid, Ed. Mayfe, 1970, p. 177
Geoffrey Barraclough, op. cit., p. 46
Charles- Olivier Carbonell, Historiografia, Lisboa, Ed. Teorema, 1987, pp. 82,83
Heitor Morais da Silva, S.J., op. cit., p. 107

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

AS RAÍZES DO PODER

Ao longo do século X e da primeira metade do século XI intensificou-se a intervenção do poder laico nos assuntos eclesiásticos. No panorama europeu de meados do século XI, a imagem do imperador brilhava com um brilho sem igual. Quanto à Igreja, esta precisava de um homem forte, de alguém que impusesse o que anteriormente se tinha perdido – a ordem!
Onde estava esse homem? Brevemente iria sair do anonimato alguém “de pequena estatura, desajeitado de aparência, voz débil, mas zeloso defensor do absolutismo papal”. Em 1073 a sua eleição impõe-se com tal evidência que um movimento popular o eleva à dignidade pontifícia. Este homem, o monge Hildebrando, ao ser elevado à dignidade papal, toma o nome de Gregório VII (1073-1085). As suas primeiras acções revelam “o seu invencível desejo de unir os dois poderes - Espiritual e Temporal - para reformar a Igreja”.
Gregório VII, para combater a imoralidade reinante no seio do clero, propõe algumas soluções: 1- Imposição do celibato a todo o clero; 2- Acabar com o escândalo da simonia; 3- Insurge-se contra o direito do imperador de nomear dignitários para a Igreja. Tudo isto para que não existissem quaisquer dúvidas acerca de quem mandava na Igreja! Não poderia haver, portanto, para o corpo, que é a cristandade, duas cabeças: o Papa e o imperador!
Para que as águas pudessem ficar separadas com toda a clareza, Gregório VII irá elaborar, como acima já o referimos e nunca é demais repeti-lo, tal é a sua importância, um documento no qual se poderá ver a expressão do seu pensamento a este respeito. O documento chama-se Dictactus Papae.
Certa vez, Gregório VII teve, um diferendo com o imperador Henrique IV da Alemanha (1056-1106). Do conflito o pontífice sai vencedor. E, para reparar o mal causado, o imperador desloca-se ao encontro do papa, a Canossa, na Toscânia! Ali implora, durante três dias, descalço e com vestes de penitente, o perdão papal!
Quão longe estão os tempos da Igreja simples, humilde, perseguida e oprimida. Tudo isto leva-nos a formular uma simples pergunta: o que é que, já nesta altura, restava da Igreja pura assim como da fonte dos ensinos?
Se ainda quisermos clarificar mais o que pretendemos transmitir, bastará recordar a Decisão II de 8 de Novembro de 1557 que realça, sem qualquer margem para dúvidas, a autoridade inquestionável do papa! Esta decisão é acompanhada, por sua vez, com anotações precedidas por um sumário, do qual destacamos:
Artº 1- “O Papa é quase Deus na Terra (…)”.
Artº 4,16- “Ninguém ouse desprezar o poder do papa, porque ele liga, não como homem, mas como Deus”.
Artº 18,20- O Papa ocupa o lugar e desempenha as vezes de Deus (…)”.
Artº 43,9- “Os reis têm como superior Deus, e consequentemente a Igreja e o Romano Pontífice, que está no lugar de Deus na Terra (…)”.
Artº 61,1- “O Romano Pontífice está acima de todo o Principado e Potestade, e diante dele se curvam todos os joelhos no Céu, na Terra e debaixo da Terra”.
O teor desta última referência recorda-nos dois textos: 1- Aplicado a Deus Pai; 2- Aplicado a Deus Filho. Quanto à primeira, encontramo-la no profeta Isaías: “(…) Todo o joelho se dobrará diante de mim (…)” – Isaías 45:23. A segunda, é uma aplicação feita por S. Paulo ao próprio Jesus Cristo, quando assim escreveu aos crentes de Filipos: “Para que ao nome de Jesus, todo o joelho se dobre, nos Céus, na Terra e nos infernos (debaixo da terra)” – Filipenses 2:10.
Como poderá um pobre e triste mortal ousar pensar, quanto mais decretar, que é “igual a Deus”? Prezado leitor, esta pretensão, segundo as Escrituras, nasceu no coração de um anjo – Lúcifer – ser pleno de glória e de luz. Ele disse: “(…) Sentar-me-ei sobre o Monte da assembleia (…) e serei semelhante ao Altíssimo” - Isaías 14:,13,14. Esta mesma reivindicação orgulhosa do ser criado foi passada para o ser humano, no Jardim do Éden, quando disse a Adão e Eva: “(…) e sereis como Deus” – Génesis 3:5.
Da Dictactus Papae à Decisão II, de 8 de Novembro de 1557, passaram-se cerca de cinco séculos e, qual foi a mudança que se operou na sua atitude? Nenhuma! Esta confissão religiosa continuou igual a si mesma, infelizmente!
Para terminarmos, conviria definir os termos que, impropriamente são utilizados pela maioria! Muitos, com orgulho, incompreensivelmente, afirmam pertencer a esta confissão religiosa que, quanto a nós, repetimos, está ao mesmo nível de qualquer outra congénere!
Por que é que esta confissão religiosa se chama Igreja Católica? Qual o porquê deste nome? Somos esclarecidos que a “Igreja era chamada assim no tempo em que só a cidade de Roma possuía uma comunidade cristã”. E qual é o significado da palavra: Católico? Se consultarmos um dicionário veremos que esta palavra quer dizer: universal. Por outras palavras, não existia outra diferente, relacionada com Cristo, além do judaísmo, para a época!
Numa primeira conclusão: nos dias de hoje não tem qualquer sentido ou razão de ser dizer-se, como alguns o fazem, com certo orgulho: Eu sou Católico! Pois, tal como apontámos, nos dias de hoje, tal expressão não significa nada, visto que esta confissão religiosa não é, de modo algum, uma religião universal, única!
Quanto ao termo - Apostólico - no dicionário encontramos a definição de: “o que diz respeito aos apóstolos”. Quanto à palavra - Romana - tal como ela indica, tem a sua origem e fundação em Roma, nada mais!
Portanto: 1- o termo Católico, repetimos não tem qualquer razão de ser, pois não é uma Igreja Universal; 2- Apostólica! Afinal, que doutrina é que segue? Se é para fazer jus ao seu nome, então, de que apóstolos se trata? Os que existiram, pertencem à história, ao passado, além de não vermos em que é que, no presente, estes sejam imitados! 3- Romana, de Roma. Perguntamos: O que é que, em abono da verdade, tem esta a ver com o cristianismo, na sua essência? Esta cidade está relacionada, isso sim, essencialmente, com morte e perseguição! Nada mais do que sangue e morte! Se ainda fosse uma Igreja situada em Jerusalém, ainda compreenderíamos, pois sempre foi ali que tudo começou, não é verdade? Mas, vendo bem, até a escolha do nome – Romana - é infeliz!
À luz do que vimos esta Igreja é como qualquer outra que queira ter um nome parecido, a saber: Igreja Católica Apostólica (Portuguesa), (Italiana), etc. É só tirar a palavra final – Romana – e acrescentar um nome qualquer de uma cidade ou vila, nada mais! Como mudar o status quo adquirido ao longo do tempo? Quem quer abdicar do Poder? Ninguém! E muito menos uma confissão devidamente instalada e, ultimamente, muito consultada, mesmo até por Movimentos religiosos que, no passado recente, nunca ousaríamos cogitar!
No passado, esta confissão religiosa, curiosamente, recorreu às Escrituras, em particular, ao livro do Génesis para dali tirar uma imagem que muito lhe interessava - a dos dois luminares - Génesis 1:16. Estes representavam: “para a Igreja, o luminar maior, o Sol, é o papa; o luminar menor, a lua, o imperador ou o rei. A lua não tem brilho próprio, ela não tem senão o brilho que o sol lhe
dá. Luminar inferior, o imperador é, portanto, o chefe do mundo nocturno face ao diurno governado e simbolizado pelo papa”.
Quando as Escrituras têm algo que possa servir para determinado fim, mesmo desprovido de qualquer contexto, elas são excelentes! Quanto ao resto, é o que a sua triste história nos mostra em páginas manchadas de sangue e de muitas coisas impróprias para uma Igreja! Enfim, um cortejo de misérias!
Que diria o simples e humilde Apóstolo Simão Barjonas se ressuscitasse nos nossos dias? Seria, certamente, inimaginável a sua reacção! Com que estranheza tomaria conhecimento de que tinha legado um império, sem nunca ter dado por isso?! Partiu-se dos ensinos de raiz bíblica – infalíveis - para os de formato meramente humano – falíveis -! Da extrema pobreza para o fausto, o luxo, a licenciosidade! Tão estranho acontecimento! E logo a Igreja, aquela que diz ser a sucessora de Cristo! Quem diria!

Bibliografia:Henri H. Halley,op. cit., pp. 686,687
Geoffrey Barraclough, op. cit., p. 94
Esta ordem é contrária à vontade de Deus, desde a Criação do homem “Não é conveniente que o homem esteja só;” – Génesis 2:18; “Proíbem o casamento (…)” – I Timóteo 4:3. Qual o porquê da vontade de Deus? A razão é, pensamos, “Somente o homem e a mulher juntos é que representam, verdadeiramente, o homem completo”; ou ainda “O celibato passa por ser uma desonra, porque o ser humano jamais poderá realizar, em si mesmo, uma vida completa” - Hans Walter Wolff, op. cit., pp. 120,153
Simonia – compra de um cargo eclesiástico por dinheiro. Recordando o episódio entre S. Pedro e Simão que queria comprar o dom do Espírito Santo, do qual retira o nome – Cf. Actos 8:18-22.
Cf. Geoffrey Barraclough, op. cit., p. 100
Sacrae Rotae Romanae Decisionum Recentiorum a Prospero Farinaccio J. C. Romano Selectarum, Pars Tercia, Venetiis, 1716, fols. 3-8
A. Hamman, op. cit., pp. 146,147
J. Almeida Costa e A. Sampaio e Melo, op. cit., p. 122
Jacques Le Goff, La Civilisation de l’Occident Médieval, Paris, Ed. Flammarion, 1982, p. 253

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

AS ESCRITURAS, VERSUS TRADIÇÃO E MAGISTÉRIO

O crente moderno vê-se confrontado com uma Igreja secular em que, supostamente já nasceu nela e, nesta qualidade, em que o peso mental por ela exercido é bastante grande, como facilmente se compreenderá. Enfim, numa palavra, por nascimento, pertencemos a uma Igreja - já nascemos cristãos! Que maravilha! Só que, para desgosto nosso, ninguém nasce cristão, este faz-se!
Assim, pertencer a uma confissão religiosa, qualquer que ela seja, tem alguma correspondência com o ser-se cristão? Acabámos de ver, de uma forma sintética, como tudo começou e, no quanto se tornou até chegar aos nossos dias! Ficámos a conhecer, sem segundas intenções, o que é que somos quando dizemos que pertencemos à confissão religiosa conhecida por - Igreja Católica Apostólica Romana.
Já vimos esta Igreja como instituição, agora, pensamos já estar em condições de averiguar as diferentes doutrinas por ela engendradas. Uma vez mais, cada uma delas terá que ter, repetimos, para ser verdadeira, o apoio do Cânone - as Sagradas Escrituras! Caso contrário, por muito sublimes e eruditas que estas possam ser, não passam, embora lamentemos dizê-lo - de postulados humanos!
Nesta qualidade, caso as suas doutrinas se afastem da Verdade, ela própria, como entidade religiosa, afinal, cairá na sua própria armadilha, isto é, será igualmente catalogada de – SEITA! Se assim cataloga as demais, sem que para tal tenha sido mandatada, e se os seus ensinos não estão em conformidade com as Escrituras, então, por que não o é ela própria, caso mereça esta designação? Porventura estará isenta desta qualificação, caso as suas doutrinas não tenham base bíblica, escriturística? Pensamos que, por uma questão de coerência e de bom senso, seria ilegítima tal isenção! Vejamos as suas doutrinas, para que possamos tirar as nossas conclusões.

1- A Transmissão da Revelação
Para a confissão religiosa - Igreja Católica Apostólica Romana – a revelação da vontade de Deus aos homens, manifesta-se de diversas maneiras, a saber: 1- As Escrituras; 2- A Tradição; 3- O Magistério da Igreja. Isto quer dizer que, para conhecer, indicar e interpretar a vontade de Deus, esta confissão religiosa tem estes três métodos!
Vejamos como esta define cada um destes métodos interpretativos das Escrituras, para que o crente melhor possa conhecer Deus. A este respeito conheçamos o que preconiza o Catecismo, órgão oficial desta confissão:
a) As Escrituras
“A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus enquanto foi escrita por inspiração do espírito Santo”. Até parece que existe alguma outra Sagrada Escritura que o não seja!

b) A Tradição
“A Sagrada Tradição, por sua vez, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a Palavra de Deus, confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, para que eles, com a luz do Espírito da verdade, a conservem, a exponham e a difundam fielmente na sua pregação”.  Infelizmente, não é o caso!

c) O Magistério da Igreja
“O encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus, escrita ou contida na Tradição, foi confiado só ao Magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo, isto é, aos bispos em comunhão com o sucessor de Pedro, o bispo de Roma”. Com que base escriturística se poderá fazer tão grave e solene afirmação?

Acerca deste último recurso desta confissão religiosa para a correcta interpretação da Palavra de Deus, acrescentaremos um interessante pormenor: “Todavia este Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido (…)”. O que é que isto quererá dizer? Para já, com tanta regra de interpretação e mesmo assim, não vá a Igreja enganar-se, foi necessário decretar, no século XI, a sentença nº 27 na Didactus Papae que diz, recordamo-lo: “A Igreja Romana nunca errou nem errará (…)!
Muito se tem e continua a fazer para que os cristãos não vivam mais separados - católicos, protestantes, ortodoxos, etc. Agora é moda eclesiástica falar-se da aproximação do Grande Jubileu! Este seria, pensam, o grande momento, a suprema oportunidade para que se possa esquecer diferendos e olhar mais para os pontos de união. Só que, à partida, existe, por enquanto, um grande obstáculo - a primazia de Roma! Quem dirige quem? Quem ordena? Vejamos, brevemente, algumas das vertentes inerentes a uma hipotética união.

2- As Escrituras
O Papa João Paulo II, ao ser questionado em relação a esta “unidade perdida”, a certa altura disse: “É, de facto, necessário saber qual destas Igrejas ou comunidades é a de Cristo, pois Ele só fundou uma Igreja, a única que pode falar em Seu nome. (…). Não é possível imaginar que esta Igreja, instituída por Cristo sobre o fundamento dos apóstolos e de Pedro, não seja una”. Entrevistado, o Papa recordou um encontro ecuménico dos representantes das comunidades protestantes, nos Camarões. E, ao seu interlocutor disse uma frase ali dita: “sabemos que estamos divididos, mas não sabemos porquê?”
E quanto a nós, será que conhecemos a razão? Apontemos uma, possível, primeira causa para esta divisão: Cremos que este actual papa, assim como muitos outros que o antecederam, uma vez mais, se esqueceram das suas raízes! Recordamos aqui o Papa Gregório I, (590-604), mais conhecido por S. Gregório Magno. Para este grande papa, assim como para a antiguidade cristã, tendo em conta que ainda estamos relativamente perto da fonte – a Igreja primitiva - o Livro por excelência é a Bíblia. Vejamos como esta personagem se expressou:

a) Em relação à Bíblia, ela é: “1- A carta que Deus escreve aos homens para manifestar os seus próprios segredos; 2- O espelho que permite conhecermo-nos a nós mesmos; 3- O campo de trigo que alimenta a alma; 4- O tesouro inesgotável”.

b) Em relação à sua leitura: “1- Uma visão antecipada da glória divina; 2- Não abandonarmos a sua leitura sejam quais forem as nossas ocupações e tribulações; 3- Procurar livros espirituais e comentários da Escritura; 4- Entregarmo-nos à leitura com esforço, perseverança e fidelidade; 5- Para podermos chegar à compunção pelas faltas passadas e à contemplação das realidades eternas.”
Com efeito, as Sagrada Escrituras continuam a ser, tal como no passado distante, no tempo deste Papa e no do actual, a fonte da doutrina cristã! Que outra poderia consistir? Mas, infelizmente, com o rodar do tempo, tudo foi mudando; o próprio tempo e as vontades, como disse o poeta, não é verdade?! Assim, como corolário desta situação apontemos uma segunda causa: será que as Escrituras têm a resposta a esta e a outras questões? Uma delas, pensamos encontrá-la já no Antigo Testamento, a saber: “Porventura andarão dois homens juntos, sem que estejam de acordo?” - Amós 3:3.
No Novo Testamento, Jesus ao falar da metáfora do - pastor e das ovelhas - a certa altura disse que haverá: “(…) um só rebanho e um só Pastor” - S. João 10:16. A imagem é deveras esclarecedora: Um só Deus, uma só doutrina, uma só Igreja! O apóstolo S. Paulo, à luz desta metáfora, de raciocínio elementar, declara enfaticamente aos crentes de Éfeso que: “existe um só Senhor, uma só fé, um só baptismo” – Efésios 4:5. Ora, isto é mesmo assim. O Papa também o sabe; só que, por vezes se esquece! Se assim é, qual a razão pela qual a cristandade insiste em estar dividida?!
Será assim tão difícil saber o porquê? Cremos, e esperamos não estar a ser orgulhosos ao pensarmos que não! O mesmo apóstolo dá mais algumas pistas para a compreensão desta, aparente, incompreensível questão. Vejamos: “(…) Que união pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou que há de comum entre a luz e as trevas? Que acordo há entre Cristo e Belial (confusão)? Ou que parte tem o fiel com o infiel? E que conciliação há entre o templo de Deus e os ídolos? (…).” – II Coríntios 6:14-16
Portanto, S. Paulo apresenta aqui, a este efeito, pensamos, uma série de questões. Em raciocínio linear, quando duas ou mais entidades estão divididas é porque aconteceu, das duas uma: 1- Ou estão ambas erradas; 2- Ou uma delas é verdadeira. Iremos tecer alguns comentários para que possamos ver um pouco mais claro e, ao mesmo tempo, fazer compreender os nossos pontos de vista:
• protestantismo, em geral, pensa a Igreja a partir das Escrituras, enquanto que o catolicismo raciocina exactamente ao contrário, isto é, pensa a Escritura a partir da Igreja!
• exegeta protestante - tem a plena convicção de que quando explica um texto, ele não tem outra garantia, para a verdade da sua fé, o texto, nada mais! Porque o risco que corre é o da fé, visto que a interpretação das Escrituras não repousa a não ser nelas mesmas!
• exegeta católico - como é que faz? A interpretação de determinado texto, forçosamente, terá que estar em conformidade, em primeiro lugar, com os dogmas da Igreja! É por isso que nem sempre se encontram nas Escrituras, como veremos mais abaixo, apoio escriturístico para muitas das suas doutrinas! A Escritura é, contrariamente ao que pensa esta confissão religiosa, o princípio que regulamenta a Igreja! Não é o inverso! E porquê? Repetimos: porque esta última lhe é posterior!

Qual deverá ser, pois, o dever mais elementar e, ao mesmo tempo, o mais sagrado do intérprete? Como resposta, subscrevemos totalmente estas palavras: “Não conhecemos outro método a respeito do texto do que uma inteira disponibilidade de escutar honestamente o texto, mesmo se o que ele nos diz é estranho ou contradiz certas das nossas concepções mais queridas. Para compreender e explicar o texto, faremos, portanto, abstracção das nossas opiniões filosóficas e teológicas pessoais (…)”.
Logo, prezado leitor, será que, à luz do exposto, se poderá encontrar uma resposta para a grande preocupação expressa; aquela que o Papa ouviu naquele encontro ecuménico, a saber: “sabemos que estamos divididos, mas não sabemos porquê” ? Mas, pelo quanto foi dito até aqui, já não temos qualquer dificuldade em saber o porquê da separação entre os cristãos, não é verdade?

3- A Tradição
Gostaríamos de inserir aqui a adaptação do excelente poema de Sam Walter Foss, o qual ilustra magistralmente o papel e o peso que a Tradição tem tido ao longo dos séculos. Leiamo-lo devagar e com muita atenção:

A Gesta do Bezerro

I
Havia um certo bezerro
que ao voltar ao seu curral
cometeu um grande erro
para ele natural

II
Em vez de directamente
seguir do pasto à porteira
decidiu, indiferente
fazer à sua maneira

III
Inventou um trilho novo
ao passar pela floresta
Deu mil voltas, o andarilho
para ele, isto era festa

IV
Veio atrás, um cão perdido
que foi seguindo o bezerro
repetindo, sem sentido
cada curva, cada erro

V
À frente do seu rebanho
uma ovelhinha faceira
sem pensar no seu tamanho
repetiu a mesma asneira

VI
Um a um, a carneirada
seguiu nesse mesmo trilho
que passou a ser estrada
para qualquer andarilho

VII
Nessa estrada de curvas, numa carroça
veio, um dia, um fazendeiro
queria voltar para a roça
e perdeu o dia inteiro

VIII
Surgiu daí um caminho
com voltas e curvas mais
que passou a ser seguido
por homens e animais

IX
E muitos anos já faz
que este erro continua
muita gente, ainda faz
as voltas mil, dessa rua

X
Hoje, ao subir a montanha
pode-se ver, lá do alto
essa estrada estranha
um zigue-zague d’asfalto

XI
Ninguém corrige o erro
ninguém faz novos planos
seguem atrás de um bezerro
morto há tantos anos

Então, prezado leitor, que acha? Não tem sido assim? Não continua ainda a sê-lo? Não será que a resposta também poderá estar nesta reflexão: “(…) A antiguidade de um erro não faz dele uma verdade”! (sublinhado nosso)
Numa outra Carta Encíclica, o Papa afirma algo que não podia estar mais de acordo com as Escrituras, visto que as cita (cf. Actos 5:29), ao dizer que: “Os cristãos têm por honra própria obedecer a Deus antes que aos homens”. Mas, porventura poderia ser de outra forma? Estaria o homem em primeiro lugar na nossa vida e não Deus? Se realmente somos o que dizemos ser - cristãos - então, escrituristicamente falando, é impossível que a obediência ao homem venha antes da que devemos ao nosso Criador!
Já que Jesus, no Seu tempo tinha chamado à atenção os professos adoradores de Deus, ao dizer: “(…) E assim anulastes a palavra de Deus em nome da vossa tradição” – S. Mateus 15:6. Temos, de igual modo a este respeito, o testemunho de S. Paulo quando advertiu os crentes ao dizer: “Vede que ninguém vos engane com falsas e vãs filosofias, fundadas nas tradições humanas, nos elementos do mundo e não em Cristo” – Colossenses 2:8. E, para fechar o ciclo das Escrituras, citaremos o grande conselho daquele que esta confissão religiosa afirma ter sido o primeiro papa, (mais abaixo veremos esta problemática), quando disse: “Sabei que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver, recebida por tradição dos vossos pais (…)” – I Pedro 1:18.
Dá que pensar, não dá prezado amigo, as palavras de Simão Barjonas ao dizer: “fostes resgatados da vossa vã maneira de viver, recebida por tradição (…)”! Portanto, perguntamos: em que é que a nossa maneira de viver era vã? Não quererá dizer que esta não tinha qualquer objectivo, sentido ou verdade? Claro! Isto é, – os ensinos recebidos pela tradição dos nossos pais! Pensamos que sim! Também esta poderá conter ensinos meramente humanos e não escriturísticos! Por isso, é, segundo o apóstolo – “vã”! Compete-nos examinar para que possamos detectar a Verdade dos factos e vivências nos quais escoramos a nossa fé! Esta deverá estar alicerçada nas Escrituras, aquela que é a Norma, tal como vimos acima, não na Tradição!
Como veremos mais abaixo em relação às doutrinas desta confissão religiosa, alguns dizem que, certas doutrinas, apareceram na Igreja, tendo como único apoio a Tradição resultante da Igreja primitiva. Mas esta pretensão terá algum fundamento? O que encontramos nos escritos dos Pais apostólicos e da Igreja, quanto a uma Tradição escrita, revelam-nos exactamente o contrário, visto que para esta, as Escrituras, sempre foram a Norma! Vejamos alguns exemplos, entre outros:

a) Ireneu (125-202)
Este declara: “Não conhecemos o plano da nossa salvação senão por aqueles que nos trouxeram o Evangelho. Este, eles o pregaram primeiro. Depois, pela vontade de Deus, eles o transmitiram nas Escrituras para que o evangelho se torne a base e coluna da nossa fé”.

b) Atanásio (298-373)
Afirma que: “Estas (Escrituras) são a fonte da salvação; é só por elas que podemos aprender a disciplina da piedade. Que ninguém lhe adicione nada; que ninguém nada lhe retire. Foi por causa disto que o Senhor envergonhou os saduceus, ao dizer: «Estais enganados, porque desconheceis as Escrituras (…)» – S. Mateus 22:29”.

c) Cirilo de Jerusalém (315-386)
Este disse: ”No que diz respeito aos santos mistérios da fé, nada se deve dizer sem a autoridade das sagradas Escrituras. (…) Mas mesmo em relação a mim, não creiam no que vos digo sem terem visto os meus ensinos demonstrados nas Escrituras Divinas. A salvação em que cremos depende, não de engenhoso artifício de raciocínio, mas na demonstração das Sagradas Escrituras”.

d) João Crisóstomo (347-407)
Este afirmou: “(…) quando se trata de coisas divinas, não seria uma loucura permanecermos sob as opiniões dos outros, nós que temos uma regra pela qual podemos examinar todas as coisas (…)?. É por isso que vos exorto, a que não permaneçais, de modo algum, no que os outros pensam, mas que consulteis as Escrituras acerca disso”.

Pelo quanto pudemos expor, se existe um assunto acerca do qual a Tradição dos Pais está de acordo é, insofismavelmente, no reconhecimento da autoridade das Escrituras em matéria de fé, não da Tradição!
Será possível o tal entendimento de que acima falávamos? Mas como se poderá dialogar seriamente se não se consegue chegar a um acordo, desde o início, acerca da base da autoridade que é: 1- Para o protestante são as Escrituras a base e fundamento da Igreja; 2- Para o católico, é a Igreja que regulamenta as Escrituras e respectivos ensinos escriturísticos? Como haver consenso? Das três vertentes só existe uma autoridade : Ou as Escrituras, ou a Tradição, ou Magistério!

Bibliografia:
Catecismo, p. 35, nº 81
Idem, p. 36, nº 81
Idem, p. 36, nº 85
Idem, p. 36, nº 86
João Paulo II, Atravessar o Limiar da Esperança, pp. 136-139
“Gregório I” in Nova Enciclopédia Larousse, Vol. 11, p. 3430
José Mattoso, Religião e Cultura na Idade Média Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1982, p. 326
Idem, pp. 326,327
Epístola Festal 39:6
Leituras Catequéticas, leitura 4:17
Segunda Epístola aos Coríntios, Homilia 13, cap. 7:1

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O MAGISTÉRIO DA IGREJA

Após ter definido o conceito de - Magistério da Igreja - o Catecismo ainda acrescenta: “Todavia, este Magistério não está acima da Palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido (…).
Recordando a sua definição, esclarece que tem o ”encargo de interpretar autenticamente a Palavra de Deus, escrita ou contida na Tradição”. Se bem compreendemos a definição, portanto, o Magistério da Igreja, a sua análise do texto bíblico tem como objectivo primeiro, torná-lo mais compreensivo e não contraditório. Vejamos, a este propósito, alguns pormenores:

Consciência e Verdade
Dissertando acerca desta vertente, o Papa João Paulo II afirmou: “Uma grande ajuda para a formação da consciência têm-na os cristãos na Igreja e no seu Magistério, como afirma o Concílio “(…) Pois por vontade de Cristo, a Igreja Católica é mestra da verdade e tem por encargo dar a conhecer e ensinar autenticamente a Verdade que é Cristo”.
Esta afirmação é muito feliz e grandemente reveladora! Ainda bem que o leitor, assim como nós próprios, ficamos esclarecidos de uma coisa tremendamente importante e significativa: que não foram as Escrituras, mas sim o Concílio que disse que “(…) Pois por vontade de Cristo, a Igreja Católica é mestra da verdade e tem por encargo dar a conhecer e ensinar autenticamente a Verdade que é Cristo”! Só aqui encontramos uma diferença de peso! Só resta saber o que é que se entende por “mestra da verdade”?!
Se a Igreja tem, realmente, o solene encargo de ensinar a Verdade / Cristo, então quer dizer que o seu ensino encontra-se baseado unicamente nas Escrituras, visto que a Verdade é, em simultâneo: 1- Cristo (S. João 14:6); 2- a Bíblia (S. João 17:17)! Mas, perguntamos, como ensinar a tal Verdade, desdobrada em Cristo e nas Escrituras, se a maioria dos fiéis desta confissão religiosa, infelizmente, não conhece, nunca leu - as Escrituras - aquelas que afirmam, sem quaisquer equívocos, ser Ele a Verdade (S. João 17:17)?
Se realmente é ensinado algo, como saber se o que é dito está conforme o texto Sagrado, tal como o preconizam os Pais da Igreja, como vimos, se não o cunsultamos? Ouvir a leitura de um texto, quando se assiste à missa, convenhamos que já é bom! Mas se examinarmos o seu ensino e o confrontarmos com a Palavra de Deus, certamente será ainda muito melhor, por duas razões: 1- As Escrituras foram dadas ao homem para que este pudesse conhecer o Plano da Salvação, exactamente como o Senhor deu o exemplo: “E começando por Moisés (os cinco primeiros livros da Bíblia) e seguindo por todos os profetas, explicou-lhes, em todas as Escrituras, tudo o que Lhe dizia respeito” - S. Lucas 24:27; 2- Para que o crente se certifique que o ensino que lhe está a ser ministrado possa ter como base as Escrituras.
A este propósito, assim se expressa o apóstolo S. Paulo, quando escreveu: “Estes tinham sentimentos mais nobres do que os de Tessalónica e acolheram a palavra com maior interesse. Examinavam diariamente as Escrituras para verificarem se tudo era, de facto, assim.” - Actos 17:11.
Portanto, uma primeira conclusão se impõe: a “mestra da verdade” não é, de modo algum, esta confissão religiosa, mas a Igreja como entidade abstracta que se identifica e vive em harmonia com um veemente: “Assim diz o Senhor” e não com um “Assim afirma o Concílio”! Logo, “a consciência dos cristãos”, contrariamente ao que afirma o papa, não está na confissão religiosa que representa, assim como não está no Magistério, mas unicamente na Palavra de Deus!

Palavras humanas
O papa, como vimos atrás, ao falar de religiões alternativas ao cristianismo, falou de uma recente formação espiritual cujo nome é New Age – Nova Era. Ele definiu-a assim: “É apenas um novo modo de praticar a gnose, isto é, aquela disposição de espírito que, em nome de um profundo conhecimento de Deus, acaba por interpretar mal a Sua Palavra, substituindo-Lhe palavras que são apenas humanas”.
Qual, perguntamos nós, foi o critério que este usou para fazer tal afirmação? Convenhamos que, quando adicionamos as nossas palavras à Palavra de Deus, nada sairá certo! Deduzimos, portanto, das suas palavras que o critério da avaliação terá sido, neste caso específico, as Escrituras! E, visto que julga e cataloga os outros, qual é o princípio, pelo qual são regidos os ensinos da confissão religiosa a que preside? É a que resulta dos Concílios ou das Escrituras? Ou o princípio por ele enunciado, só serve para as outras confissões religiosas?
Quanto a nós, não temos qualquer dúvida, como mais abaixo pensamos demonstrar, que o critério sempre foi, por estranho que possa parecer, os ditames dos Concilios! Pois se fossem os Escriturísticos, como tudo teria sido tão diferente! Dizemos tudo isto só por que não concordamos com os métodos desta confissão religiosa? Claro que não! Como homens do documento, preferimos fazer ponto de honra, o documento divino, a Magna Carta de Deus ao homem - as Sagradas Escrituras!
Aplicando-se a muitas problemáticas, abordaremos, a este propósito, as palavras de Jesus, ao citar o que no passado, o profeta Isaías tinha dito ao professo povo de Deus: “É vão o culto que Me prestam, ensinando doutrinas que são preceitos humanos” – S. Mateus 15:9. Será que estas palavras não encontram eco nos nossos dias e, em particular, nesta confissão religiosa? Bem gostaríamos que não encontrasse e quão tudo seria diferente! Se o dito Magistério ensina doutrinas que não estão consignadas no Cânone, então é ou não é o Magistério, contrariamente ao que é afirmado, “superior às Escrituras”? Claro que é, sem qualquer dúvida!
Assim, quer a Tradição, quer o Magistério também não estão, de modo algum, em consonância com as Escrituras. Somente estas são a base do Plano da Salvação e não a Tradição e, muito menos, o Magistério! Visto que este último, em vez de clarificar a Palavra e Deus, torna-a contraditória, no seu todo, inserindo “doutrinas que são preceitos dos homens”! Nem mais nem menos! A mesma coisa que disse o Papa para o sistema espiritual - New Age - também se aplica, integralmente, infelizmente, na confissão religiosa que representa; que, vendo bem, é ele próprio! Perguntamos: Se tem solução para os outros, por que não experimenta esta mesma solução no seu próprio edifício espiritual?

Bibliografia:
Catecismo, p. 36, n.º 86
João Paulo II, O Esplendor da Verdade, p. 110
João Paulo II, Atravessar o Limiar da Esperança, p. 86

domingo, 3 de outubro de 2010

INFALIBILIDADE PAPAL

Como é que a palavra do homem pode suplantar a de Deus? É espantoso que um simples ser humano, pobre criatura mortal ouse dizer que é infalível! Mas, infalível em quê? Saberá dizer-nos, prezado leitor, em quê? Quanto a nós, com toda a humildade, reconhecemos, nesta matéria, a nossa total incapacidade!

1- O Dogma
Vejamos como o Catecismo interpreta a infalibilidade papal: “Para manter a Igreja na pureza da fé transmitida pelos apóstolos, Cristo quis conferir à Sua Igreja uma participação na Sua própria infalibilidade”. (sublinhado nosso). Ou “(…). A infalibilidade prometida à Igreja reside também no Colégio episcopal quando exerce o seu Magistério (…)”. (sublinhado nosso)
Que ainda nos seja permitido abrir um parêntesis, para perguntarmos: 1- Onde é que, nas Escrituras, nos é revelado, tal como o declara o Catecismo, que: “(…) Cristo quis conferir à Sua Igreja uma participação na Sua própria infalibilidade (…)”?; 2- Se, quanto a nós, as Escrituras são omissas na resposta à primeira pergunta, questionamos: quem tem o direito e a autoridade para afirmar o que o mesmo Catecismo refere tão categoricamente, a saber: “(…) A infalibilidade prometida à Igreja reside também no Colégio episcopal (…)” ?
Ora, se não são as Escrituras, então, por exclusão de partes, então são os homens! A ser verdade - visto assim o dizerem - que falam investidos de “autoridade”, a qual vai ao ponto de contradizer o que Deus anteriormente afirmou, por exemplo:1- “(…) para que em nós aprendais a não ir além do que está escrito” – I Coríntios 4:6; 2- Ou ainda: “De facto, não somos como tantos outros que mercadejam com a palavra de Deus” – II Coríntios 2:17; 3- Ou “(…) não procedemos com astúcia, nem adulteramos a palavra de Deus” – II Coríntios 4:2 – perguntamos: O que terá, prezado amigo, acontecido ao apóstolo S. Paulo? Será que:
1- S. Paulo estava enganado?
2- Será, por isso, um relato não inspirado?
3- Será que Deus se enganou, visto o ter inspirado?
4- Será que Deus está contra Ele mesmo, dando, posteriormente, a esta confissão religiosa, Sua dita continuidade, doutrinas contraditórias?

Só a Escritura Sagrada é a infalível Palavra
de Deus
O prezado leitor saberá responder, biblicamente falando? Uma vez mais, reconhecemos a nossa total incapacidade! De uma coisa temos a firme certeza: é de que Deus não está enganado, mas sim o homem! Pois este último quer anular a Palavra da Verdade, pela palavra dos Concílios e afins, apesar de dizer, para justificar tais actos, que tudo é feito sob a assistência do Espírito! Pergunta o leitor se temos provas de que Deus não se engana, mas sim o homem? Como simples humanos, não teríamos qualquer problema em o afirmar peremptoriamente! Mas que não sejamos nós a fazê-lo, mas as Escrituras! Vejamo-lo:
1- Quanto a Deus - Como a Palavra de Deus se explica a ela mesma, encontramos, noutro livro canónico, um reforço a esta mesma grande verdade, a saber: “na esperança da vida eterna prometida desde os mais antigos tempos pelo Deus que não pode mentir” – Tito1:2.
2- Quanto ao homem - Abramos as Escrituras e leiamos o esclarecimento que aqui se encontra: “Que importa se alguns deles não creram? Acaso a sua incredulidade destruirá a fidelidade de Deus? De modo algum. Deus é verdadeiro e todo o homem é mentiroso (…)” – Romanos 3:3,4.
3- Quanto à Palavra inspirada por Deus - Esta assim se expressa com toda a clareza: “Na verdade não há outro Evangelho (…). Mas ainda que alguém – nós mesmos ou um anjo do céu – vos anuncie outro evangelho, além do que vos tenho anunciado, esse seja anátema (excomungado)” – Gálatas 1:7-9.

Já reparou, prezado leitor, nas palavras veementes do apóstolo quando condena a frouxidão destes crentes? S. Paulo esclarece que, mesmo que fosse alguém de outra dimensão cósmica - um anjo – mesmo este, se tiver um outro evangelho que vá contra aquele que ele prega, então - o tal anjo - que seja excomungado, isto é, que não receba qualquer crédito no seio da Igreja! Perguntamos: Se no passado as coisas do espírito eram aferidas desta maneira, será que as normas, de lá para cá, já baixaram? E quanto à vontade de Deus? Será que esta está mais frouxa ou até, contraditória? Continuamos firmemente a pensar e a afirmar que não!
O Magistério da Igreja não se engana, claro que não, mas só quando explica e explicita a Palavra de Deus pela própria Palavra, porque se for através da palavra de homens falhos e “(…) pervertidos na sua fé” – II Timóteo 3:8, então nada condirá com nada e, infelizmente, é o que podemos constatar nas diferentes confissões religiosas quando comparamos os seus ensinos com o das Escrituras!
Perante tudo isto, cremos ser legítimo perguntar: Em matéria de fé, com quem ficar? Com a Tradição, com o Magistério, com a Infalibilidade papal ou com as Escrituras? Quanto a nós, tal como o temos afirmado, desde sempre, sem qualquer dúvida, permaneceremos ao lado da imutável Palavra de Deus, essa sim, infalível!
Vejamos, ainda dentro deste dito “poder” da infalibilidade papal, mais um dogma desta confissão religiosa! Desta vez, sobre a pessoa de Maria, que muito respeitamos – a mãe do nosso Salvador Jesus.

2- Maria e os Decretos Papais
Na Igreja de Roma, a figura de Maria ocupa um lugar de destaque, dando lugar ao culto mariano. Este culto irá passar por várias etapas, até ser alvo da ratificação papal.
Para que não houvesse qualquer dúvida, não só inerentemente à autoridade papal, como também à legitimidade do culto mariano, o Papa Pio IX (1846-1878), através da bula dogmática - Ineffabilis Deus - proclamou, em 1854, o dogma da Imaculada Conceição, do qual se transcreve um excerto: “A bem-aventurada Virgem Maria foi, no primeiro instante da sua conceição, por uma graça e favor singular de Deus omnipotente, em previsão dos méritos de Jesus Cristo, salvador do género humano, preservada intacta de toda a mancha do pecado original”.
Este Papa não fez mais do que continuar a política seguida até ali. Para que o leitor possa ter uma ideia da forte personalidade e consequente autoridade pessoal deste pontífice, em 1866, assim se expressou: “só eu sou o sucessor dos apóstolos, o Vicário de Jesus Cristo; só eu tenho a missão de conduzir e de dirigir a barca de S. Pedro; eu sou o caminho, a verdade e a vida. Aqueles que estão comigo, estão com a Igreja, aqueles que não estão comigo estão fora da Igreja, estão fora do caminho, da verdade e da vida”. (sublinhado nosso). Tanto quanto saibamos, só Jesus disse estas palavras acerca de si mesmo, nunca inerentes ao próprio homem, como facilmente se compreenderá: “Disse-lhe Jesus: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida»” – S. João 14:6. Que ilações tirar desta pretensão pontifícia, como qualificá-la?
Recorde-se que, no Concílio de Trento (1545-1563) as - sine scripto tradiciones (tradições sem base escriturística) - foram elevadas ao mesmo nível das Escrituras! Este Concílio foi produzido para calar as vozes discordantes da Reforma, visto que os livros Apócrifos faziam com que estas se levantassem contra Roma. Assim e uma vez por todas, ficaria decretado, finalmente, que todos os escritos - Inspirados e Apócrifos - constituiriam uma só Escritura! Pasme-se o céu!
A 20 de Junho de 1868, pela bula Aeterni Patris é convocado um outro Concílio – o Vaticano I – que funcionou de 8 de Dezembro de 1869 a 20 de Outubro de 1870).
Este Concílio, o da supremacia da autoridade papal sobre os bispos, irá culminar na afirmação de que, ao Papa pertence a última interpretação da Tradição e das Escrituras! Este pode, portanto, proclamar com toda a legitimidade um dogma na qualidade de – Vicarius Christi (Vigário de Cristo) – nesta terra! O papa, ciente do seu poder, irá aprovar o polémico decreto que consagra a famosa – Infalibilidade – do Sumo Pontífice Romano, a sua própria!
Finalmente, mas sem unanimidade, este último dogma é aprovado como sendo oriundo de Deus! Eis o seu articulado: “Apresentamos e definimos como dogma divinamente revelado: Que quando o Pontífice Romano falar - ex cathedra - isto é, quando, exercendo o seu cargo de Pastor e de Doutor de todos os cristãos, ele defina, em virtude da sua suprema autoridade apostólica, se uma doutrina sobre a fé ou sobre os costumes deve ser seguida pela Igreja Universal, está dotado, pela assistência divina prometida na pessoa do bem-aventurado Pedro, desta infalibilidade de que o divino Redentor quis que a Sua Igreja fosse provida, definindo uma doutrina sobre a fé ou sobre os costumes; e, por consequência, que tais definições do Pontífice Romano são irreformáveis por si próprias e não em virtude do consentimento da Igreja” (sublinhado nosso). Pobre Simão Barjonas se soubesse o que se tem passado e feito em seu nome!
Dentro deste contexto, em relação a Maria, só faltava dar um segundo passo. Agora, faltava a outra fase, isto é, para que as orações feitas à mãe do Salvador pudessem ter sentido e efeito! Pois, como e para quê fazer preces intercessórias a alguém, se ainda não subiu ao céu? Convenhamos que é de elementar raciocínio!
Assim, em 1950, quase um século depois, (mais vale tarde do que nunca), pela bula - Munificentíssimus Deus - o Papa Pio XII (1939-1958) proclama o dogma da Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria. A ideia-força da bula está expressa nestas palavras: “Finalmente, (…) terminado o curso da vida terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada por Deus como rainha (…)”. (sublinhado nosso). Perguntamos: por que é que só um século depois é que esta confissão religiosa soube, pela pessoa do sei líder, que a mãe do Salvador tinha ido para o céu? E quem o revelou?! O leitor não sabe? Nós, desde já, de igual modo, confessamos a nossa total ignorância sobre tal fonte de tão estranha revelação!

Bibliografia:
Catecismo, p. 206, nº 889
Idem, p. 207, nº 891
Jose M. Bover, S.I., Teologia de San Pablo, 4ª ed. Madrid, Ed. Biblioteca de Autores Cristianos, 1967, p. 419
Catecismo, p. 120, nº 491
Alfredo Kuen, Je Bâtirai Mon Eglise, Vevey, Ed. Emmaus, 1967, p. 37, nota 33
Jean Louis Schonberg, op. cit., pp. 243-255
Idem, p. 261, nota 134
Charles Brutsch, La Clarté de l’Apocalypse, 10ª ed., Genève. Ed. Labor et Fides, 1966, p. 202
Catecismo, p. 219, nº 966