sexta-feira, 30 de julho de 2010

SIMÃO: PEDRA OU ROCHA

Quanta tinta, como se costuma dizer, esta personagem bíblica já fez correr para justificação de tão diferentes interesses! Esta confissão religiosa afirma ter nela as suas raízes, nomeadamente, o sistema papal. A Igreja Ortodoxa crê que o seu patrono é o apóstolo S. João! Jesus morreu, Simão Barjonas também. Então não será lógico que S. João, sendo o último a morrer dos doze, ele possa ser, de pleno direito, o sucessor de Cristo? Até porque, quando Jesus se isolava, com Ele estava sempre – Simão Barjonas, Tiago e João – cf. Mateus 26:37; II Pedro 1:17,18; I João 1:1-5.
O problema do primado de Simão Barjonas repousa sobre dois textos das Escrituras, a saber: 1- S. João 1:42; 2- Mateus 16:18. Iremos abordar, à luz da Bíblia e da história da Igreja estes dois textos e as suas implicações, tentando compreender sem qualquer partidarismo religioso, os textos em causa. De igual modo, tentar mostrar que, o sistema papal, a exemplo das demais doutrinas anteriormente analisadas, não tem qualquer fundamento bíblico!

Simão, o Homem
Este homem seria, provavelmente, mais velho que Jesus. Ele tinha um irmão que se chamava André – cf. S. João 1:40. Como profissão, tinha ofício de pescador – cf. S. Mateus 4:18 – e chamava-se Simão Barjonas (Simão, filho de Jonas) – cf. S. Mateus 16:17. Simão era casado – cf. S. Mateus 8:14; morava em Betsaida – cf. S. João 1:44. Eis aqui o perfil de um homem do povo, de natureza rude e sem nenhuma instrução escolar.
Quando analisamos a sua personalidade tal qual está descrita nos evangelhos encontramos alguns traços de carácter que definem admiravelmente este homem:

1- Impulsivo
2- Pronto a crer como a duvidar
3- Temerário e, ao mesmo tempo, tímido
4- Fervoroso e, em simultâneo, cobarde

Enfim, qualidades e defeitos que existem em qualquer um de nós - humanos como ele - nem mais nem menos, não é verdade?!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

SIMÃO, NO EVANGELHO DE S. JOÃO

Recordemos o texto em lide: “E levou-o a Jesus. Fitando-o, Jesus disse-lhe: «Tu és Simão, filho de Jonas; chamar-te-ás Cefas» (que quer dizer Pedra)” – S. João 1:42. Portanto desde agora, este homem, crismado por Jesus, chamar-se-á – Cefas (o Pedra). Invariavelmente será chamado de: 1- Simão Barjonas; 2- Simão Cefas; 3- Simão, Petros (palavra grega, não traduzida, visto aparecer muitas vezes assim ao lado da palavra Simão).
O contexto indica-nos que foi o seu irmão André que o levou até à presença do Mestre. E é na Sua presença que o evangelista S. João nos dá a conhecer o que acabámos de transcrever. Quanto a nós, para já, passou-se algo de muito estranho logo ao primeiro encontro - Jesus muda-lhe o nome!
Vejamos um pouco o texto: Jesus recorda o seu nome de nascimento – Simão, filho de Jonas – e, de seguida, como vimos, dá-lhe um outro nome – Cefas, que traduzido é: Pedra! Quanto a nós, ficamos sem saber o porquê de tal mudança, e questionamo-nos, claro está, acerca do aparentemente estranho procedimento de Jesus em relação a este homem! Como acabámos de ver acima, quando descrevemos o - homem Simão – pudemos ver algumas das suas características que englobavam defeitos e virtudes! Seria por causa desta variedade de características que Jesus achou por bem mudar-lhe o nome?
Que significado tem o nome para um israelita? Segundo somos informados “a essência de uma pessoa concentra-se no seu nome. Um homem sem nome é desprovido não só de significado, como também de existência. O nome contém uma dinâmica, um poder que exerce uma acção constrangedora sobre aquele que o usa”. Como acabámos de ver, o nome tem uma relação directa com o carácter da pessoa. Por outro lado, subjacente a esta noção de nome, está, não só, esta primeira ideia de – carácter, personalidade – como também, a de um novo nascimento!
Na realidade, o texto e contexto que nos ocupa vão exactamente nesta direcção! O que aqui está a acontecer é exactamente o mesmo que sucedeu no diálogo de Jesus com o doutor da Lei – Nicodemos – cf. S. João 3:1-10. O processo não é novo, pois nas Escrituras, um rei guerreiro ao declarar guerra a um outro e, caso o vencesse, o que é que acontecia ao vencido? Nada mais do que: 1- Morto; 2- Escravo e levado pelo seu senhor; 3- Na melhor das hipóteses, ficava a governar, como antes! Só que o vencedor, imediatamente, lhe mudava o nome.
A este propósito, vejamos alguns exemplos bíblicos:

• Faraó – O rei do Egipto destronou-o em Jerusalém e impôs ao país uma contribuição (tributo) de cem talentos de prata e um talento de ouro. Em seu lugar, pôs no trono de Jerusalém a Eliaquim, irmão de Joacaz, a quem mudou o nome para Joaquim (…) – II Crónicas 36:3,4.

• Nabucodonosor – “(…) o rei de Babilónia levou-os cativos para Babilónia. Em lugar de Joiaquim, o rei de Babilónia proclamou rei seu tio Matatias cujo nome mudou para Sedecias” – II Reis 24:16,17

Estes relatos falam-nos de monarcas vencidos e tornados vassalos dos vencedores. Mas não acontecia somente a este nível! Aconteceu também com certos nobres da corte. E para ficarmos entre nomes conhecidos, lembremo-nos do profeta Daniel e dos seus amigos!
Recordemos o texto que relata a sua deportação para Babilónia: “O rei deu ordem a Aspenaz, chefe dos criados, que lhe trouxesse jovens israelitas, descendentes de raça real ou família nobre (…). Entre estes Daniel, Hananias, Misael e Azarias (…). O chefe dos criados impôs-lhes novos nomes: a Daniel, o de Baltasar, a Ananias, o de Sidrac, a Misael, o de Misac e a Azarias, o de Abed-Nego” – Daniel 1:3-7.
Portanto, dentro deste preciso contexto, é como se se operasse um novo nascimento! Aliás, comparemos esta forma de proceder com o que nos é relatado no livro do Génesis, quando ali é dito que Deus fez passar perante Adão todos os animais. E para quê? Para que este lhes desse um nome! Vejamos o texto em questão: “Então, o Senhor Deus (…) conduziu-os até junto do homem, afim de verificar como ele os chamaria (…)” – Génesis 2:19. Assim, em termos teológicos, de certa maneira, este também participou na Criação, visto que “os animais e as plantas começam a existir realmente a partir do momento em que se lhes dá o nome”.
Ainda para realçar a importância do nome, recordemos um outro episódio do Antigo Testamento: O futuro rei de Israel, David, foge da presença do rei Saúl para os montes. Certo dia, cheio de fome, tal como os que o acompanhavam, desce ao povoado e solicita víveres a um fazendeiro abastado, cujo nome era – Nabal. Este recusa ajudar David. Este, furioso, reúne os seus homens e prepara-se para arrasar com tudo o que pertença ao fazendeiro. Só que, entretanto, a mulher deste ao saber da intenção de David e dos seus, apressa-se a vir interceder pelo marido – I Samuel 25:1-24.
Como é que ela o irá fazer, quais foram os seus argumentos? O texto claramente nos dá a conhecer a forma como esta se dirige a David: “Que o meu senhor não faça caso desse perverso Nabal, porque é um néscio e um insensato como o seu nome o indica (…)” – I Samuel 25:25. (sublinhado nosso). Portanto, a palavra Nabal, cujo significado é – loucura – estava a condizer com o carácter daquele que o possuía. Possuir era, simultaneamente, ser possuído por este!
Assim, era necessário qualificar a personalidade de Simão Barjonas – tal nome, tal carácter! Só que, no caso de Simão Barjonas, passava-se exactamente o contrário! Neste caso, o nome não correspondia, de modo algum, à personalidade da pessoa em causa! O seu nome era Simão! Qual o seu significado? Este quer dizer: Deus ouviu! Será, prezado leitor, que este Simão era, na realidade, um homem que sabia ouvir, tendo em conta o que dissemos, tal qual os evangelhos nos relatam? Que dizer, por exemplo, da sua inconstância? Vejamos, por exemplo, como certa vez, Simão Barjonas se confessou a favor do Mestre: “Mesmo que tenha de morrer Contigo, não Te negarei (…)” – S. Mateus 26:35. Um pouco mais tarde, acerca deste mesmo Mestre, ao qual tinha prometido fidelidade, dirá: “(…) não conheço este homem” – S. Mateus 26:72!
Saber ouvir é, por inerência, saber escutar e, saber escutar, significa obedecer! A este propósito, recordemos o que nos diz a carta aos Romanos quando caracteriza a entrada do pecado no mundo: “Porque como pela desobediência de um só, muitos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, muitos se tornaram justos” – Romanos 5:19. Aqui encontramos duas acções expressas por um mesmo verbo: OBEDECER.
No grego, o verbo – peitharcheô – significa: obedecer, seguir o conselho de. Este verbo encontramo-lo nalguns textos, nomeadamente em: 1- Actos 5:29,31,32 - “Pedro e os demais apóstolos responderam: «Importa mais obedecer a Deus do que aos homens» (…) A fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados (…) que Deus tem concedido àqueles que Lhe obedecem”; 2- Tito 3:1 - “Aconselha-os a que se sujeitem aos magistrados e às autoridades, que lhes obedeçam (…)”.
Ou em formas verbais a esta ligadas – peithô - com a mesma significação: 1- Gálatas 5:7 – “(…) Quem vos impediu de obedecer à verdade?”; 2- Hebreus 13:17 – “Sede submissos e obedecei aos que vos guiam (…)”; 3- Tiago 3:3 – “Quando pomos o freio na boca do cavalo, para que nos obedeça, dirigimos todo o seu corpo”.
O curioso em tudo isto, é que, por exemplo, no texto de Romanos, apesar de encontrarmos este verbo, na tradução em português, não o encontramos no original grego! A expressão que S. Paulo usou e que foi traduzida por – Obediência - é: UPAKOUÔ (a favor da voz de, ceder); para – Desobediência – é a palavra: PARAKOUÔ (ao lado da voz).
Até aqui, tudo bem. Mas que relação tem o que acabámos de ver com o nome de Simão Barjonas? Sabia que a palavra que S. Paulo usou, traduzida por – obediência - tem como base o verbo - Ouvir? Pois é, prezado leitor, esta palavra – UPAKOUÔ (obediência) - compõe-se do prefixo – UPER (a favor de) + o radical – AKOUÔ (ouvir). A palavra – PARAKOUÔ (desobedecer) - compõe-se do prefixo – PARA (ao lado de) + o mesmo radical. Assim, todo aquele que é favorável a ouvir, logo, esse é obediente; por outro lado, todo aquele que permanece ao lado de ouvir, então torna-se, devido à sua atitude, desobediente!
Então, se tivermos isto em consideração como contexto de avaliação, o homem Simão, cujo nome significa – Deus ouviu – tinha um nome que não se ajustava, de modo algum, à sua personalidade! Devido à sua inconstância, Simão demonstrou, muitas vezes, que - permanecia ao lado do ouvir !
Vejamos a segunda parte do versículo: “chamar-te-ás Cefas” – S. João 1:42. A palavra Cefas vem do aramaico – Kephas – e que é traduzido para a língua grega por: PETROS (Pedra, dureza, insensibilidade). Sob esta panorâmica das coisas, pensamos estar em condições para interpretar o pensamento de Jesus e compreender o novo nome que dá a Simão Barjonas. Assim, parafraseando o texto de S. João 1:42, é como se Jesus tivesse dito: “O teu nome é, com efeito, Simão, isto é, aquele que sabe ouvir! Mas como a tua personalidade nada tem que ver com tal nome, então dar-te-ei um que esteja mais em consonância com a tua personalidade, ou seja – Cefas (Pedra, seixo rolante)” - indício de inconstância!
Experimente, prezado leitor! Tente colocar um seixo em pé e veja se o consegue! Devido ao seu equilíbrio instável, em breves segundos, se o largamos, estará totalmente deitado no chão! Assim era Simão: ora em pé, ora caído! Eis a característica da sua personalidade! Eis o nome, segundo Jesus, que mais condizia com a personalidade daquele que se passaria a chamar: Cefas (Pedra, seixo rolante)!
Autores, ao comentarem esta vertente, dizem: “Kephas não era um nome próprio, mas a designação de uma realidade (…)” (sublinhado nosso). Isto quer dizer que, no contexto em que foi aplicado, a palavra – Pedro – não existe e, muito menos, aplicada ao irmão de André, até porque a palavra Pedro não é, de modo algum, a tradução de: Kephas!
Assim, para este evangelho, o verdadeiro nome deste homem, segundo Jesus, é – Simão, Cefas (o Pedra), ou Simão Petros (o Pedra) – nada mais!

BIBLIOGRAFIA:
Edmond Jacob, op. cit., p. 33; cf. Gerhard Von Rad, Théologie de l’Ancien Testament, 3ª ed., Genève, Ed. Labor & Fides, 1971, Vol. I, p. 161
O peso de um talento sofre pequenas oscilações entre os diferentes autores. Aqui apresentamos um destes que nos informa que um talento pesa cerca de 34,272 kg. Cf. André Chouraqui, op. cit., p. 155
Mircea Eliade, op. cit., p. 177, nota 5
A.. Van Den Born, “Simeão”, in Diccionário Enciclopédico da Biblia, col. 1439
Isidro Pereira, S.J., op. cit., p. 458
Oscar Cullmann, “Pedro” in Gerhard Kittel, A Igreja no Novo Testamento, S. Paulo, Ed. ASTE, 1965, p. 298
Oscar Cullmann, Saint Pierre, Disciple-Apôtre-Martyr, p. 16
Isidro Pereira, S.J., op. cit., p. 443
F. Wilbur Gingrich e Frederick W. Danker, Léxico do Novo Testamento Grego / Português, S. Paulo, Edições Vida Nova, 1984, p. 162
Isidro Pereira, S.J., op. cit, p. 588; 2ª parte, p. 205
Introdução ao Estudo do Novo Testamento Grego, 8ª ed., Brail, Ed. Juerp, 1986, p.192, nota 529
Idem, p. 232

quarta-feira, 21 de julho de 2010

SIMÃO, NO EVANGELHO DE S. MATEUS

Neste evangelho, encontramos o seguinte texto: “Também Eu te digo: Tu és PETROS (Pedra) e sobre esta PETRA (Rocha) edificarei a Minha Igreja (…)” – S. Mateus 16:18 (sublinhado nosso). No evangelho de S. João, como vimos, este propõe-nos o termo aramaico Kephas e a sua respectiva tradução. Neste, foi conservada a matriz grega de duas palavras: PETROS e PETRA, só que, sem tradução proposta pelo próprio evangelho!
Que significarão estas duas palavras tão parecidas – PETROS e PETRA? Acompanhemos a leitura do seguinte comentário explicativo: “O substantivo feminino Petra designa no grego profano preferentemente uma “rocha” grande e firme (…). O substantivo masculino Petros é aplicado geralmente a blocos rochosos e isolados, bem como a pedras pequenas, tais como a pederneira e a pedra de arremessar”. Portanto, para já, parecem claros os respectivos significados das palavras propostas pelo evangelho:
 PETROS = Pedra pequena de arremessar;
 PETRA = Rocha grande e firme.
À luz desta preciosa informação, façamos uma pequena pesquisa bíblica. Esta palavra: PETRA (Rocha) – aparece apenas cinco vezes no Novo Testamento: 1- Mateus 16:18; 2- Romanos 9:33; 3- I Coríntios 10:4; 4- I Pedro 2:8; 5- Apocalipse 6:15. A nível da tradução encontramos algumas variantes sobre a mesma palavra, o que não deixa de ser bastante significativo e, ao que parece, demonstra certa intenção dos tradutores da versão por nós seguida! Vejamos o quadro comparativo:
Aqui encontramos a palavra – PETRA – ora traduzida por: “Rocha, rochedo”, ora por “Pedra”! No texto de S. Mateus 16:18, a mesma palavra foi traduzida por “Pedra” , para estar em maior consonância com a palavra aramaica – Kephas (pedra de arremessar) dada no evangelho de S. João, aplicada a Simão Barjonas!
Ora, se no texto de S. Mateus, se trata da mesma pessoa, então será mais do que natural que a tradução assim seja, para que a acção recaia sobre a mesma pessoa – Simão Barjonas!
Pelo quanto pudemos ver até aqui, traduziríamos o texto de S. Mateus da seguinte maneira: “(…) Tu és PETROS (pedra, seixo de arremessar), e sobre esta PETRA (Rocha grande e firme) edificarei a minha Igreja (…)”.
Quão bom é que nos abeiremos dos textos, respeitando o que eles dizem, e não fazendo dizer o que queremos que digam! É devido a exemplos destes, traduções tendenciosas e afins que, infelizmente, assistimos ao nascimento de todo o tipo de Movimentos religiosos.
Assim, repetimos, o que o Senhor disse a Simão Barjonas: que este se chamaria Simão PETROS (pedra, seixo de arremessar), um nome que correspondesse com a sua conhecida instabilidade emocional, e nunca Simão PEDRO, tal como vulgarmente o conhecemos, visto que este nome – PEDRO - e nunca é demais repetir, não significa coisa alguma!
E depois, prezado leitor, por um instante, imaginemos que Jesus quisesse chamá-lo pelo nome próprio de Pedro! O que quereria Jesus dizer com este novo nome, repetimos, caso fosse, como querem fazer crer, um nome próprio? Jesus estava a caracterizar quem e o quê? Confessemos que não compreenderíamos esta atitude de Jesus – dar um nome por dar, sem que este tivesse qualquer significado! A palavra Pedro, tal como a conhecemos, significa o quê? Caso cheguemos a alguma conclusão, define o quê? E se o compararmos com o contexto até aqui desenvolvido, que sentido terá este nome próprio – Pedro - para que este substituísse o de Simão?
Para colocarmos ainda mais em destaque este raciocínio façamos uma simples comparação com outro caso paradigmático, embora em contexto diferente:

Ora, por que é que estes foram assim chamados?
1- Quanto a Simão – tal como já o vimos, este sobrenome tinha a única finalidade de fazer jus aquilo que Simão era - “(…) um homem inconstante”;
2- Quanto a Tiago e a João – somos, de novo esclarecidos sempre no mesmo propósito, pois este sobrenome era para “(…) qualificar o seu ímpeto”. (sublinhado nosso). Nada mais!
Para que não tenhamos qualquer dúvida acerca do seu carácter e impulsividade, leiamos um episódio, passado com estes dois irmãos, para nos apercebermos a que ponto estes tinham os nervos à flor da pele, como se costuma dizer. As Escrituras assim o revelam: “Vendo isto, os discípulos Tiago e João disseram: «Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma?» Mas Ele, voltando-Se repreendeu-os” – S. Lucas 9:54,55.
Portanto, caríssimo leitor, uma vez mais reiteramos que: as palavras – PEDRO e BOANERGES; estas não são - NOMES PRÓPRIOS - mas qualificativos de uma personalidade - uma qualidade de carácter! Se fossem nomes próprios, como vulgarmente se aplica a Simão, então porquê só à pessoa deste e não a estes dois irmãos – Tiago e João? No mínimo é INJUSTO! E depois, se Jesus não quisesse dizer isto mesmo, isto é, qualificá-los, para que lhes iria acrescentar um nome próprio ao anterior? Só para mudar por mudar? Só, para que, tal como vimos acima, acerca da problemática do nome, isto é, quando alguém dá o nome a outrém tem, de imediato, direitos acrescidos sobre eles? Claro que não!
Não creia o prezado leitor que estamos sozinhos nesta conclusão! Ora veja: “(…) o propósito não era mudar-lhes o nome, em sinal de domínio sobre eles”. Será possível ainda continuar a chamar-lhe – Pedro - quando o seu verdadeiro nome é SIMÃO BARJONAS?! Geralmente, é com esta designação que é referenciado nas Escrituras: Simão PETROS (o pedra), - para melhor definir o seu carácter inconstante! E assim ficará conhecido na história bíblica!
Por outro lado, perguntamos: Se, ao nos referirmos a Simão, chamamos-lhe sempre – PETROS (traduzido erroneamente por PEDRO, como vimos); então por que é que, ao citarmos estes dois irmãos – Tiago e João – nunca os chamamos e conhecemos pelos seus respectivos apelidos (alcunhas) de: BOANERGES (Filhos do trovão)? Quando queremos citar S. João e S. Tiago nas Escrituras – citamos os seus nomes, não a sua alcunha, característica que apontava para os seus defeitos de carácter - Boanerges (Filhos do trovão). Mas, quando queremos citar Simão Barjonas, as suas epístolas, não o citamos pelo seu verdadeiro nome, mas pela alcunha - CEFAS (PETROS = Pedra) – PORQUÊ? Não só o tratamento é desigual, como também se Simão Barjonas ressuscitasse ficaria triste por lhe chamarem por um nome que nunca conheceu! Porquê? Pela simples razão que nunca o teve! E ninguém gosta de ser chamado pelo nome de outro não é verdade?!
Não deixa de ser curioso quando comparamos alguns textos, para vermos realçado o recurso aos diferentes nomes desta personagem. Vejamos:

O que é que salta aos nossos olhos deste quadro comparativo? Ora veja:
1- Coluna do Apelido: - Agindo assim, cremos que o Senhor coloca em destaque a personalidade inconstante desta personagem! Em todas as promessas; em tudo o que se relaciona com o seu comportamento dúbio, está sempre associado o seu apelido.

2- Coluna do Nome de nascimento: - Vemos que no texto que antecede a famosa declaração – S. Mateus 16:18, Jesus elogia a mesma personagem! E como a trata? Simplesmente pelo seu nome de nascimento: “Simão Barjonas” – S. Mateus 16:16.
Depois, a maneira como Jesus fala com ele, para o reabilitar, visto que O negou três vezes! Como é que Jesus faz? Uma vez mais, recorre ao seu nome de nascimento e não ao apelido! Porque aqui Jesus chama-o, reabilita-o, igualmente, por três vezes! Era necessário passar de PETROS (pedra, seixo instável) para, Simão (o que obedece, o que sabe ouvir)!
Certa vez andaram à procura deste discípulo de Jesus e, como é que perguntaram por ele? Vejamos: “Envia, pois, emissários a Jope e manda chamar Simão, cujo sobrenome é… (Petros – o pedra) ” – Actos 10:32. Como sempre, o seu verdadeiro nome, em primeiro lugar, depois, o apelido, a alcunha, pela qual também era conhecido!
Estaremos a ser radicais, prezado leitor? Pensamos que os textos nos revelam exactamente esta vertente – basta querer vê-la! No entanto, caso estejamos enganados, seremos os primeiros a reconhecer, após análise das respectivas provas documentais!
Um caso parecido com este é o do filho de Abraão – Isaac! Este sim, é um nome próprio! Mas, qual a sua origem? A Palavra de Deus nos esclarece. Uma promessa tinha sido feita a Abraão e Sara, sua mulher; estes iriam ter um filho! Só que, pela sua avançada idade, após este anúncio, ambos se riram!
Vejamos: “(…) Sara, tua mulher, terá um filho (…)” – Génesis 18:10; “Sara riu-se (…)” – v. 12; “(…) a quem chamarás Isaac (…)” – 17:19; “Ao filho que lhe nascera, deu Abraão o nome de Isaac” – 21:3. Porquê este nome e não outro qualquer? A razão é muito simples! Só porque riram da promessa, pois bem, esta falha estaria para sempre diante de si, na pessoa do seu filho! Este nome “Isaac (Yishak’el) tem como raiz o verbo (Sahak = rir)”.
Assim, prezado leitor, “o filho da promessa está, pelo seu nome, associado ao rir de Abraão e de Sara (…)”. Portanto, cada vez que pronunciassem aquele nome recordar-se-iam da sua falha de carácter. Cada vez que o chamassem, na nossa língua diziam: “Ó risota, vem cá”; ou ainda “Ó risota, vai ali comprar ou fazer isto ou aquilo”, etc, etc. Neste caso, é um NOME PRÓPRIO. Não uma “alcunha” ou apelido como o termo “PETROS”!
Se ainda restassem quaisquer dúvidas, bastaria perguntar: Como é possível, à luz do texto de S. Mateus, a mesma personagem – Simão – ser, em simultâneo PETROS (pedra pequena, tal como a pederneira e a pedra de arremessar) e PETRA (rocha grande e firme)? Só mesmo querendo fazer dizer aquilo que o texto não diz! Ou a Jesus, o que nunca pensou ou disse! A nós, de tirarmos as ilações que se impõem!
b) A opinião dos Pais da Igreja
Os Pais da Igreja afirmam que a Pedra de fundação da Igreja é a confissão que Simão tinha acabado de fazer, isto é, que Jesus era o Cristo, o Filho do Deus vivo. Antes de mais, bastaria recordar o texto citado acima, de S. Paulo ao afirmar peremptoriamente que “(…) todos bebiam de um (PETRA) rochedo espiritual que era Cristo” – I Coríntios 10:4; e também o próprio Simão que, ao citar o Antigo Testamento – Isaías 28:16 - declara, no texto supra, que Cristo, ele e só ele, é a “(…) (PETRA) pedra, de escândalo” – I Pedro 2:8. (Aqui traduziríamos, para estar em consonância com as restantes traduções e também com o original, a palavra PETRA, por rocha, rochedo). Dúvidas, quem as terá? Só com muito má vontade em não querer aceitar a evidência da clareza textual! Vejamos alguns testemunhos dos Pais da Igreja:
 S. Hilário de Poitiers (316-367) – “Ele, a nossa única e inamovível fundação, a nossa bendita e única rocha da fé, é a confissão feita pela boca de Pedro”.
 S. João Crisóstomo (354-407) – a) “Ele é que construiu a Sua Igreja sobre a confissão de Pedro (…)”. b) “Sobre esta confissão (de Pedro) Eu edificarei a Igreja (…)”.
 S. Agostinho (354-430) – Sobre esta rocha, disse Ele, que tu confessaste, Eu edificarei a minha Igreja. Com efeito, Cristo era a rocha”.
 S. Gregório Magno, (590-604), Papa – “(…) mas persiste na fé verdadeira e a tua vida sobre a rocha da Igreja; isto é, sobre a confissão do bem-aventurado Pedro”. 
Bibliografia:

Manuel de Tuya, O. P., op. cit., p. 508
Ibidem
Alcunha” - Nome dado a alguém e geralmente derivado de certa particularidade física ou moral – cf. J. Almeida Costa e A. Sampaio e Melo, op. cit., p. 59
Gerhard Von Rad, La Genèse, p. 234
Frank Michaeli, Le Livre de La Genèse, Chap. 12 à 50, Genève, Ed. Delachaux et Niestlé, 1960, p. 57
Jacques Le Goff “História” in Enciclopédia Einaudi - Memória-História, p. 219
A. Van Der Born “Cláudio” in  A. Van Den Born, Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Col. 277
Gunther Bornkamm, Paul, Apôtre de Jésus-Christ, Genève, Ed. Labor et Fides, 1971, p. 139
Introdução ao Tratado sobre a Trindade, Livro 2.23
Homilias do Evangelho S. Mateus, Homilia 82.3 (S. Mateus 26:26-28)
Homilias do Evangelho S. João, Homilia 21.1 (S. João 1:49,50)
Comentário ao Evangelho de S. João, Tratado 124.5 (S. João 21:19-25)
Epístolas, Livro IV, Epístola 38
Vidas de Homens Ilustres, cap. 1
B. Hemelsoet “Pedro”  in  A. Van Den Born, Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Col. 1172
J. A. Thompson, op. cit., p. 276

domingo, 18 de julho de 2010

SIMÃO EM ROMA

Não somente a época da chegada de Pedro a Roma é controversa, como também se põe em dúvida a sua presença na capital do Império. Será que poderemos saber em que altura é que o apóstolo foi para Roma? Vejamos:

a) S. Jerónimo (374-420)
Este, fazendo eco de uma tradição que circulava, declarou que Simão Barjonas foi para Roma “(…) no segundo ano do imperador Cláudio e que ali esteve vinte e cinco anos até ao seu martírio no reinado de Nero”.
Ora se se aceita que a morte de Simão Petros ocorreu no ano 67 e se subtrairmos a esta data os tais 25 anos de pontificado, então quer dizer que encontramos a data da chegada do apóstolo a Roma, isto é, por volta do ano 42!

b) Tumultos em Roma
Recordaremos os acontecimentos graves e dolorosos passados em Roma. Sob o reinado de Cláudio os judeus foram alvo de uma violenta perseguição por causa de uns motins “instigados por um tal Crestus (…)”. As consequências destes acontecimentos são relatadas no livro dos Actos dos Apóstolos, desta maneira: “Paulo foi para Corinto e ali encontrou um judeu chamado Áquila (…) recentemente chegado de Itália com Priscila, sua mulher, porque um édito de Cláudio ordenara que todos os judeus se afastassem de Roma” – Actos 18:1,2.
O apóstolo S. Paulo ao escrever a epístola aos Romanos, estava bastante bem informado acerca dos crentes de Roma e, certamente, que este casal foi a sua grande fonte de informação. Este édito imperial foi “promulgado, provavelmente, no ano 49”; portanto, segundo os Pais da Igreja, Simão Petros já lá se encontrava no exercício do seu dito pontificado, desde o ano 42!
Uma vez mais, prezado leitor, o nome dos crentes Áquila e Priscila, são mencionados, mas… e o do Simão Petros? Qual o motivo desta lacuna em não se mencionar o seu nome, e logo de um pontífice!? Aconteceu, das duas uma. 1- Ou Simão Petros nunca lá esteve, pelo menos nesta altura; 2- Ou fugiu, cobardemente – o que nos recusamos a acreditar! Assim, sendo, como facilmente se compreenderá, nos enclinamos para a 1ª hipótese. Portanto, neste ano de 42 não existe qualquer vestígio de um pontificado em Roma exercido por Simão Petros!

c) A Epístola aos Romanos
Esta epístola foi escrita no ano 55/56. Assim, se tivermos em conta a data proposta pela Tradição, então Simão Petros, há cerca de 14 anos que já se encontrava em Roma, visto que, ali se encontraria desde o ano 42 na capital do Império a exercer o seu ministério à frente da Igreja existente ali!
Perguntamos: que se diria de um bispo ou arcebispo, que escrevesse directamente uma carta aos fiéis de uma Igreja de outra diocese e que, nesta, ignorasse a existência do seu condutor espiritual local? Se isto acontecesse com o prezado leitor, certamente que ficaria sentido e triste, não é verdade? Até porque… quem gosta de ser ignorado? No entanto, a ser verdade a data de 42, parece ter sido isto mesmo o que aconteceu a Simão Petros, caso ele ali tivesse estado a exercer o seu ministério, em Roma!
Este cenário, prezado leitor, é o que podemos imaginar quando lemos a dedicatória do primeiro capítulo da carta de S. Paulo aos crentes de Roma! Vejamos o texto: “Na verdade, desejo-vos ver, para vos comunicar alguma graça espiritual, a fim de vos fortalecer (…). Daí o empenho que há em mim de vos anunciar também o Evangelho, a vós que estais em Roma” – Romanos 1:11-15.
Perante esta dedicatória, a resposta que esta deveria merecer da parte dos crentes da Igreja de Roma, só deveria de ser UMA! Numa possível troca de correspondência, S. Paulo deveria ser recordado que, no mínimo foi INDELICADO! Esquecer-se de um princípio básico de ética, ou seja, ter negligenciado mencionar o nome do colega de ministério, ali residente! Ou ainda, hipoteticamente, esta surpresa dos crentes de Roma poderia ser expressa assim: - Mas Paulo, esqueces que o evangelho já nos foi anunciado no passado recente e, ainda por cima, pelo não menos famoso Simão Petros?
E quanto aos dons “espirituais capazes de nos fortalecer”, como tu dizes Paulo, quem está melhor colocado para o fazer do que o representante de Jesus na terra? Ignoras, porventura, este alto privilégio de o termos connosco desde há cerca de 14 anos a esta parte à frente da nossa Igreja, assim como, daqui liderando as demais à volta do mundo? Claro que estamos a imaginar esta resposta dos crentes de Roma à carta de S. Paulo! Mas, a ser verdade como quem a todo o custo quer que o seja, poderia, porventura, tudo acontecer muito diferente do quanto dissemos até aqui? Continuamos a pensar que não!
Mas, recordando o texto acima citado, nos apercebemos que, aqueles a quem Paulo se dirige têm necessidade urgente, não somente em adquirir um conhecimento espiritual mais aprofundado, como também em ser esclarecidos nas verdades, as mais elementares da fé cristã. O conteúdo desta epístola o prova, visto que nela o apóstolo Paulo envia avisos, conselhos, exortações de ordem prática. Todas estas coisas demonstram a evidência de que a Igreja de Roma ainda estava privada de certas directivas, que lhe faltava luz e instrução que só um apóstolo a poderia dar!
Como se isto ainda não fosse suficiente para demonstrar que Simão Petros ali não se encontrava ali, tal como é dito, desde o ano 42, vejamos ainda algo de mais estranho! Esta epístola contém, caso único no género, quase um capítulo inteiro só de saudações! Um após outro, todos os missionários vindos a Roma plantar em pleno coração do paganismo a bandeira do evangelho e, até, alguns dos convertidos, ali são mencionados. Ao todo são vinte e quatro mais ou menos conhecidos. Com palavras de extrema cortesia e de afecto, o apóstolo admiravelmente informado, talvez, como dissemos, por Áquila e Priscila; embora não conhecesse a maior parte, mesmo assim dirige a cada um uma homenagem fraternal.
Já viu, prezado leitor, o capítulo 16 desta epístola, contém 27 versículos e, entre tantos nomes só um nome não é mencionado… o do apóstolo Simão Petros! Que falta de consideração pela coluna da Igreja de Deus, que falta de respeito! Será, amigo leitor, que estamos a ser parciais ou tratar com certa leviandade e ligeireza os textos apresentados? Será que estamos a ser duros ao dizer que Simão Petros não esteve em Roma em 49 – data do édito de Cláudio - e que, à data da epístola, em 55/56, também não estava lá, tendo em conta a omissão do seu nome nas respectivas saudações, como vimos!
Não dizemos que Simão Petros nunca esteve em Roma, em termos de pontificado, mas afirmamos que, pelo menos, nas datas propostas esteve ausente de Roma! Choca-o, prezado leitor, a realidade e a dureza dos factos históricos? Sabe, isto acontece sempre, cada vez que confrontamos teorias humanas que queremos que colem com a realidade histórica, neste caso, bíblica!
Queremos recordar aqui, uma vez mais, que é na qualidade de historiadores que estamos a escrever este livro. Assim, para o historiador “A sua única habilidade consiste em tirar dos documentos tudo o que eles contêm e nada acrescentar ao que neles não esteja contido. O melhor historiador é o que se mantém mais perto dos textos, que os interpreta com mais correcção, que só escreve e pensa segundo eles”. Por esta razão é que queremos ser o mais fiéis possível ao texto, ao documento, às provas. Não podemos inventar!
Reconhecemos que, por vezes, para que tudo aconteça como desejávamos que tivesse acontecido, alguns dão uma certa “mãozinha” aos factos ou aos escritos do passado! Só que este procedimento não é correcto nem académico! É para estes que a Palavra admoesta “(…) não procedemos com astúcia, nem adulteramos a palavra de Deus” – II Coríntios 4:2 Quanto a nós, prezado e amigo leitor, queremos permanecer ao lado da pura verdade e não das meras suposições, enfim, “numa palavra, as causas, em história como de resto em qualquer outro domínio, não se postulam. Investigam-se”! Que solene verdade, que tremenda e pesada responsabilidade!
Bibliografia:
Introdução ao Tratado sobre a Trindade, Livro 2.23
Homilias do Evangelho S. Mateus, Homilia 82.3 (S. Mateus 26:26-28)
Homilias do Evangelho S. João, Homilia 21.1 (S. João 1:49,50)
Comentário ao Evangelho de S. João, Tratado 124.5 (S. João 21:19-25)
Epístolas, Livro IV, Epístola 38
Vidas de Homens Ilustres, cap. 1
B. Hemelsoet “Pedro” in A. Van Den Born, Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Col. 1172
J. A. Thompson, op. cit., p. 276
A. Van Der Born “Cláudio” in A. Van Den Born, Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Col. 277
Gunther Bornkamm, Paul, Apôtre de Jésus-Christ, Genève, Ed. Labor et Fides, 1971, p. 139
Jacques Le Goff “História” in Enciclopédia Einaudi - Memória-História, p. 219

quarta-feira, 14 de julho de 2010

ROMA OU BABILÓNIA

No final da primeira carta de Simão Petros, encontramos a seguinte saudação “A Igreja que está em Babilónia, eleita como vós, saúda-vos (…)” – I Pedro 5:13. Segundo esta informação, alguns comentadores dizem que Simão Petros residiu em Roma porque “na apocalíptica judaica do século I a Babilónia é uma figura de Roma, e Babilónia tem provavelmente este significado. Assim, o local de redacção da epístola é, presumivelmente, Roma, já que a ideia de que Pedro residiu em Roma durante algum tempo é confirmada a partir do século I”. Ou ainda, “Babilónia era o nome que os Judeus daquela época e os primeiros cristãos utilizavam quando queriam referir-se veladamente a Roma (…). Pedro, na sua primeira carta, faz uso deste pseudónimo”.
Esta saudação revela-nos, dizem, que o apóstolo habitou na cidade de Babilónia e que aí exerceu a sua actividade, mais que não fosse, de uma forma temporária. Mas, é preciso nos entendermos! Vejamos: no tempo de Simão Petros, a antiga Babilónia, no Eufrates, não tinha o mesmo brilho de outrora, mas existia. No entanto, para a Igreja de Roma, assim como para o nosso autor esta Babilónia significa: Roma. Babilónia é o nome místico de Roma, segundo as Escrituras - nada temos contra!
Mas atenção! Esta afirmação é perigosa! Vejamos: se se identificar Babilónia, neste caso, com Roma pontifical para ali justificar a presença de Simão Petros, então, tudo o que as Escrituras revelam acerca de Babilónia mística, se deverá aplicar, por uma questão de método e coerência, a esta mesma Roma pontifical, visto que o tal pontífice a habita! Assim, cremos estar a agir com elementar justeza! Eis como o Apocalipse se expressa: “A mulher, na sua fronte, tinha escrito um nome misterioso: Babilónia, a grande, a mãe das prostitutas e das abominações da Terra (…). As sete cabeças são sete colinas, sobre as quais a mulher está sentada” – Apocalipse 17:4,5,9.
Anteriormente já abordámos esta problemática quando falámos nas - duas mulheres do Apocalipse – as quais personificam duas Igrejas e, consequentemente, dois tipos de crentes. Continuemos: “Vi que a mulher estava embriagada com o sangue dos mártires de Jesus; e esta visão encheu-me de espanto” – Apocalipse 17:6. Este quadro sobre Babilónia, acrescentemos a seguinte exclamação apocalíptica: “Ai! Ai! Ó grande cidade, Babilónia, cidade poderosa! Uma só hora bastou para a tua condenação! (…). Então um anjo vigoroso levantou uma pedra, semelhante a uma grande mó, e lançou-a ao mar, dizendo: “«Assim, de uma só vez, será precipitada Babilónia a grande cidade, e não mais voltará a ser vista” – Apocalipse 18:10,21.
Ora, perante o exposto teremos que fazer a nossa opção: 1- Ou a Babilónia da epístola é a Babilónia que desapareceu, na Mesopotâmia, o que não faz qualquer sentido! 2- Ou esta Babilónia é Roma, com um retrato pouco animador e com uma promessa ainda não realizada! Logo, nada tendo a ver com Roma Imperial! Com qual ficar?
Claro que, se o nosso autor, porventura, chegar a ler estas linhas que acabámos de escrever, irá proclamar com todas as forças do seu ser que nós estamos a ressuscitar o cadáver do Concordismo!
Aqui, prezado leitor, Babilónia, ou é ela mesma ou é Roma! Se é esta última, então Simão Petros escreveu a sua carta de Roma, como facilmente se compreenderá! Mas se assim é, então que fazer quanto à Babilónia descrita nos textos do Apocalipse acima mencionados? Já não será a mesma Roma? Ou só é quando convém? Poderemos, teremos o direito de aplicar esta dualidade de critérios de interpretação? Se não é, como corolário do que vimos até aqui - Roma imperial - pois pertence ao passado longínquo, então será, obviamente - a Roma pós Império - a papal!
E se o é, então estamos em muito maus lençóis! Se o não é, então como se lerá ou interpretará a Bíblia? Quantos artifícios o ser humano, ou uma confissão religiosa, seja ela qual for, tem que engendrar para contornar, caso o consiga, o que é, francamente, incómodo!? Uma vez mais, nós preferimos ficar ao lado do texto, da coerência das Escrituras, isto é, no contexto do Apocalipse 17, ou seja, aqui, neste texto, Babilónia representa o que ela sempre foi o símbolo, biblicamente falando – confusão!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A BESTA DO APOCALIPSE: IRONIAS

a) Actos 8:14
Como conciliar a ideia de um pontificado, ou de uma autoridade soberana na Igreja de Jesus Cristo, na pessoa de Simão Petros? Por exemplo, quando o evangelho começou a espalhar-se e o cristianismo a crescer, o livro dos Actos diz: ” quando os apóstolos que estavam em Jerusalém tiveram conhecimento de que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João” – Actos 8:14.
À luz deste texto perguntamos: Desde quando é que um Papa ou alguém detentor de uma autoridade e carisma outorgados pelo Senhor, receber ordens dos seus – inferiores hierárquicos? E, ainda por cima, ser mandado pelos de Jerusalém para lá em missão!?
Convenhamos que é um bocadinho forte e… um abuso de confiança, caso esta autoridade, como se quer fazer crer, alguma vez tivesse existido!

b) Lista papal
Segundo esta lista cronológica papal, o sucessor de Simão Petros, diz a Tradição, foi S. Lino (67-76); depois S. Anacleto (76-88), e depois sucedeu-lhe S. Clemente (88-97). Ora, perante todas estas sucessões gostaríamos de lembrar que, entre o ano 90-95 ainda vivia o apóstolo S. João. Sendo assim gostaríamos de perguntar: Não seria mais normal, pelo menos, que o último dos apóstolos, logo após a morte de Simão Petros, tendo em conta que o seu exílio é posterior, devesse tomar essa tal primazia sobre todos os outros bispos, ao ser colocado na posição do seu colega, visto que ambos, foram os mais íntimos junto do Mestre? Caso o lugar existisse, quem, melhor e com mais direito do que ele, deveria ocupar, a existir, o tal lugar, deixado vago?
Não será esta uma prova, muito simples, mas bastante eloquente, a acrescentar às demais, para nos mostrar que o pontificado de Simão Petros nunca existiu! Pelo menos no tempo da Igreja primitiva e, certamente, até à morte do último dos sobreviventes dos apóstolos de Jesus. Só posteriormente, como assinalámos, é que a história - o documento - atesta os movimentos do bispo de Roma para ser o Bispo dos bispos, não antes!

c) As cartas do Apocalipse
Tanto quanto sabemos, existem sete Igrejas mencionadas no livro do Apocalipse – as Igrejas da Ásia: capítulos 2 e 3. Que encíclicas sagradas e solenes foram escritas como as dirigidas às sete Igrejas? Não são elas emanadas do Senhor? Não fazem elas parte integrante das últimas revelações feitas à Sua Igreja, após a Sua ressurreição? A quem, por intermédio de S. João, são endereçadas as cartas? O texto bíblico não nos deixa na ignorância. Ele esclarece-nos sem quaisquer rodeios desta forma directa: “Ao anjo que está em…” – Apocalipse 2:1,8,12,18;3:1,7,14.
Este anjo, como facilmente se compreenderá – se é que não estamos a ser “literalistas e psicologizantes” – é um termo para designar o condutor espiritual das Igrejas às quais estas foram endereçadas. Assim, estamos de novo colocados perante um dilema, a saber: 1- Ou o Espírito Santo ignora a existência da suprema autoridade terrestre da Igreja, (pois seria inconcebível proceder assim caso esta autoridade tivesse sido real, como se quer fazer crer)! 2- Ou então, o Senhor, anula, por uma palavra, o que Ele instituiu através de Pedro - ao transmitir, directamente aos líderes locais das sete Igrejas, as revelações divinas? Curiosamente, o mesmo procedimento fê-lo S. Paulo, como vimos, quando escreveu aos crentes de Roma! Questionamos: Deus e S. Paulo – omitiram, esqueceram – tal outorga de autoridade e poderes! Ou será porque esta transmissão de poderes NUNCA EXISTIU?! Sendo assim, o relato bíblico é, por conseguinte, um todo harmónico, neste preciso contexto.
Cada carta termina com estas palavras de advertência: “Quem tem ouvidos oiça o que o espírito diz às Igrejas” – Apocalipse 2:7,11,17,29;3:6,13,22. Convenhamos que, a ser verdade o que a Tradição refere, tudo é muito confuso e nada condiz com nada, convenhamos! Pensamos ter abordado neste périplo o quanto esta confissão religiosa não consegue provar, quer pelas Escrituras, quer pela história, por exemplo:

1- Que a rocha é Simão Petros.
2- Que pela Sua palavra, Cristo assegurou-lhe a primazia espiritual na Sua Igreja.
3- Que esta primazia era transmissível.
4- Que Simão Petros veio para Roma.
5- Que Simão Petros ali tenha sido bispo.
6- Que este tenha transmitido o seu pontificado aos seus sucessores.

A este propósito, tendo em conta a personagem de Simão Barjonas – Petros (pedra, seixo rolante, de arremesso), recordaremos aqui a resposta de João Paulo II ao ter sido interrogado sobre a figura do papa, quando disse: “(…) Pedro é aquele que não apenas não voltou a renegar Cristo, como não repetiu o seu infausto: Não conheço esse homem, mas perseverou na fé até ao fim: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. Deste modo tornou-se a rocha, mesmo se, talvez, como homem não fosse mais que areia movediça. O próprio Cristo é a rocha e Cristo edifica a Sua Igreja sobre Pedro. Sobre Pedro, Paulo e os apóstolos. A Igreja é apostólica em virtude de Cristo”.
Que melhores palavras para terminar este livro que o prezado leitor teve a paciência de ler até aqui! Para o dito sucessor de Simão Barjonas, o Petros “não é mais do que areia movediça”! E é verdade, tal como o pudemos ver, pois assim era a sua personalidade e, como tal, a justificação do seu sobrenome sob o qual ficou conhecido na história bíblica!
Como compreender, prezado leitor, as palavras de João Paulo II? Quem, sensato, faria tal coisa? Como é que sendo Jesus “a rocha (…) edifica a Sua Igreja sobre Pedro, areia movediça”?! Quem construiria assim a sua casa – sobre areia movediça? Quem trocaria, mesmo nos nossos dias, a rocha como alicerce, por seixos rolantes ou, pior ainda, areia movediça? Até o próprio Jesus se contradizia a si mesmo? Seria isto possível?
Vejamos as suas clarividentes palavras: “Quem escuta as Minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos mas não caiu, porque estava fundada na rocha. Aquele, porém, que ouve as Minhas palavras e não as põe em prática, é semelhante ao néscio que edificou a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, engrossaram os rios, sopraram os ventos contra aquela casa, e ela desmoronou-se; grande foi a sua ruína” – S. Mateus 7:24-27. (sublinhado nosso)
Ora, de igual modo, se qualquer confissão religiosa tenta alicerçar as suas doutrinas em mandamentos e teorias humanas – areia movediça – certamente que estará sempre em contradição com os claros ensinos das Escrituras, estes firmados sobre a rocha – Cristo Jesus! Que diferença! Cremos ter sido coerentes conseguindo demonstrar, ao longo destas páginas, demonstrado que esta, como outras confissões religiosas têm, no seu seio, doutrinas fundadas sobre a areia, não sobre a rocha – as Escrituras!
Portanto, repetimos uma vez mais, se realmente for traduzida com seriedade a palavra grega Petros, pelo seu real sentido: pedra, seixo rolante, não só o nome próprio, dos nossos dias, desaparece, porque não existe no original com tal significação, como também fica anulada toda a confusão a que deu lugar esta confissão religiosa com sede em Roma!
Quanto a nós, damos graças a Deus que, a única ordem que Jesus deu a Simão Barjonas, a S. Paulo e a todos os outros foi: que espalhassem a Verdade, que dessem a conhecer aos outros o que conheciam e tinham recebido. Fiel a este mandato, Simão Barjonas, mais conhecido por “Petros”, diz: “Quanto a nós, não podemos deixar de afirmar publicamente o que vimos e ouvimos” – Actos 4:20.
Esta, prezado leitor amigo e amante da Verdade, foi a comissão que Jesus deixou à Sua Igreja – a missionação! Quanto ao resto, são meras suposições, teorias e doutrinas humanas fundadas unicamente pelos seres humanos – areias movediças – nada mais! Que ao Seu eterno e excelso nome seja dada toda a honra, glória e louvor para todo o sempre, Amén.

A BESTA DO APOCALIPSE: CONCLUSÃO

Como concluir um tema tão vasto? Reconhecendo as nossas limitações, mas também o dever de não calar a Verdade, não tínhamos outra opção. No entanto, tendo em conta o quanto pudemos analisar, apercebemo-nos das raízes desta problemática.
Tal como o dissemos, este trabalho está articulado em diversas vertentes para que pudéssemos demonstrar e, esperamos tê-lo conseguido, que a única autoridade para definir quem é quem, é, sem sombra de dúvida, o conjunto de Livros Sagrados e Inspirados que compõem o Cânone, a Regra, a Norma.
Este conjunto de escritos – o Cânone - ao longo do tempo se foi impondo, ele próprio. E tanto assim foi que, devido aos inúmeros desafios feitos à Igreja de Roma por aqueles que, com toda a sinceridade, só desejavam seguir o que realmente se encontrava escrito, esta confissão religiosa viu-se obrigada a silenciar todas as vozes incómodas!
Estas vozes não queriam fundar, de modo algum, uma nova Igreja, mas reconduzir a existente ao verdadeiro caminho de onde se tinha afastado. O que é que a Igreja fez para silenciar estas ditas vozes incómodas? Usou os meios que sempre utilizou e que nada têm de Cristo – a convocação do Concílio de Trento, em 1546! O que é estranho é que, esta confissão religiosa arroga-se no direito de dizer que ela é que definiu o Cânone! Se assim foi, então por que é que só, quinze séculos depois, o sancionou juntando-lhe uma série de literatura espúria, portanto, não inspirada, que até ali fora posta de lado?!
Quem gosta de vozes incómodas? Ninguém! Esta confissão religiosa que respeitamos, tornou-se numa força opressora quando no passado se aliou ao Estado; aliás, o que fez quando se afastou da conduta e vivência doutrinárias expressas nesse conjunto de Livros Inspirados por Deus para orientação da Sua Igreja e continuidade genuína – aqueles que vivem à luz dos seus ensinos.
Na imagem das duas mulheres, como vimos, havia uma que, tendo tudo de Igreja nunca agiu nessa conformidade; antes pelo contrário, pois estava “embriagada com o sangue dos santos”! Vimos que este símbolo nada tinha que ver com um poder imperial mas sim com um espiritual.
Depois, as diferentes doutrinas que engendrou ao longo da sua triste existência; doutrinas e preceitos meramente humanos que fizeram com que os seus fiéis, ou seja, todos os que desejavam viver sob o lema “está escrito”, fossem forçados a abandonar o seio desta Grande Confissão Religiosa – única, na época.
O que é que este êxodo originou? Exactamente aquilo que, infelizmente, ainda assistimos nos nossos dias – o cristianismo tornou-se uma verdadeira manta de retalhos - e alguns destes apresentam, efectivamente, grandes rasgões! Retalhos de retalhos, visões deformadas da realidade bíblica e, às quais, a confissão religiosa maior chama e caracteriza, pomposa e desdenhosamente de – SEITAS!
É verdade que, tal como vimos, se não vivem conforme o Cânone, então são partes deste todo – a Norma - e, por isso, são sectores desta Verdade estabelecida e exarada neste mesmo Cânone – as Escrituras. Infelizmente, esta é a realidade no campo espiritual ocidental, nos nossos dias. Mas atenção! Quem originou toda esta situação? A história revela-o com pinceladas bem dramáticas, praticadas por esta confissão religiosa que se diz detentora da Verdade e ao serviço de Deus! Em quem se tem inspirado, ao longo dos séculos da sua conturbada e atribulada existência, para justificar a sua actuação neste e naquele domínio? Talvez em tudo, menos n’Aquele que instituiu o evangelho, o movimento de Salvação que comporta o Seu nome – Cristo.
Horrores e mais horrores para se fazer obedecer e impor a sua vontade! Como é possível compreender um sistema religioso que, de repente, é Estado!? Onde se inspirou? Não o sabemos! Mas de uma coisa temos a certeza – em Jesus e nas Escrituras – não foi! Mesmo antes de Lutero, em 1517, que diferença abismal entre o Escrito e o Vivido! Com este surge a famosa fórmula – Sola Scriptura - a Palavra de Deus, a única regra de fé, a única que está assente, alicerçada na rocha, não na areia movediça do pensamento humanista. Ela é a única bitola para reger a conduta e o ensino de toda e qualquer confissão religiosa que se disser ser seguidora de Cristo.
Alguém, porventura, enviado por Roma conseguiu contradizer Martinho Lutero? Claro que não! Não, certamente, devido à sua eloquência e arte retórica ou destreza de espírito, mas unicamente porque tudo em que cria, dizia, ensinava e escrevia estava alicerçado num claro: “Assim diz o Senhor” ou num veemente “Está escrito”, a exemplo do seu e nosso Salvador – Jesus Cristo.
De início, a Igreja era um movimento pobre, depois tornou-se opressivo recorrendo à violência e à ostentação palaciana, como se de uma monarquia se tratasse! Esta considera, cataloga e classifica de – Seita - tudo o que lhe seja diferente. Ninguém tem o direito à diferença!
Só esta tem, curiosamente, o monopólio da Verdade, quando desta, tal como pudemos ver, afinal, – nada tem! Se desta confissão religiosa todas as demais derivam, não será esta primeira a Causa (a origem), de todas as causas (confissões religiosas) dela resultantes? E que, para nossa estupefacção, afinal, estas também pouco diferem - em vivência e ensino - da Causa primeira, ou seja, - a mãe de todas as confissões religiosas ocidentais!
Tanto a Causa como as derivadas, na sua esmagadora maioria, não estão conforme ao Cânone! E, à luz do quanto pudemos ver até aqui, se não estão em harmonia com a Verdade, não são mais do que Seitas – maioritárias ou minoritárias!
Jesus disse que: “(…) haveria um só pastor, um só rebanho” – S. João 10:16. Com efeito, não existem duas Verdades, duas Fés, dois Deus – mas unicamente a UNIDADE em todas as vertentes. Se a Verdade é a Palavra de Deus e ela só, o que é que nos impede de a examinar?
Se realmente, conseguimos realçar a Verdade, sem quaisquer partidarismos ou ideias pré-concebidas, então o livro está justificado. A história não é mais do que a soma das vivências dos homens, por isso, estes passam mas os seus actos ficam. Compete-nos, a nós, prezado leitor, examinar os factos e fazer as melhores opções. Gostaríamos de terminar citando as Escrituras. Fazemo-lo porque este livro encontrará vários tipos de leitores; todavia a nossa preocupação é uma só.
Eis o conselho e ordem do Senhor: “Tu lhes dirigirás as minhas palavras, quer as atendam, quer não (…)” – Ezequiel 2:7. Este foi o nosso propósito; compete-lhe, prezado leitor, repetimos, fazer a melhor opção – examinar a Palavra do Senhor – as Escrituras Sagradas.

sábado, 3 de julho de 2010

ESTUDO DO LIVRO DE DANIEL

Nota Introdutória
Para todos aqueles que se interessam e amam a Palavra de Deus, o livro do profeta Daniel é, sem sombra de dúvida, um verdadeiro tesouro.
Este livro das Escrituras dá-nos a conhecer que a luta secular das trevas contra a Luz, da criatura contra o Criador, do erro contra a Verdade, não se passa unicamente ao nível do indivíduo e mais directamente visando a igreja de Deus, mas também ao nível das nações e dos seus líderes. Nenhum outro livro das escrituras põe a claro a história do povo judeu.
Acima dos grandes e poderosos deste mundo, a palavra profética revela a cada leitor o Soberano do universo que por ter nas Suas mãos a história deste mundo e de todos aqueles que o habitam, a orienta para o seu desfecho final para um grandioso acontecimento – a segunda vinda - em poder e glória do Senhor Jesus Cristo.
Se o livro inspirado do profeta Daniel nos permite ver a mão de Deus actuando na sucessão dos reinos terrestres, de igual modo chama a nossa atenção para um aspecto de capital importância inerente à responsabilidade humana individual, ou seja, Deus julgará toda a humanidade pelos seus actos e por todas as suas palavras proferidas. Na verdade, a história dos monarcas de Babilónia - Nabucodonozor e Belsazar – o demonstram na sua plenitude como veremos mais adiante.
De igual modo, as experiências dos amigos de Daniel condenados à fornalha ardente (cf. Daniel 3.23) ou na difícil prova na “cova dos leões” (cf. Daniel 6.16) mostram-nos com bastante clareza que Lúcifer, (Satanás, Diabo) tem sempre à sua inteira disposição servos prontos para cumprirem as suas ordens, as quais visam a perseguição dos filhos de Deus sob todas as formas, para que estes, de alguma maneira, venham a negar a sua fé.
Estes, tal como Daniel noutras provas, sempre se mantiveram fiéis a Deus e aos princípios que norteavam a sua fé em Deus; estes foram os dignos representantes de Deus no seio de um povo totalmente corrompido e idólatra. Este exemplo ainda poderemos encontra algum eco no livro, igualmente profético - o Apocalipse – onde poderemos encontrar a menção desta mesma coragem demonstrada por alguns que constituirão um povo especial – o que recusará de se inclinar perante a besta e adorar a sua imagem (cf. Apocalipse 13.14,15).
Assim, este livro é da mais alta importância para todo aquele que deseje conhecer o quanto Deus para revelar inerentemente a estes últimos dias da história desta terra. Acerca de Daniel e de Apocalipse, estes dois livros que são o eco um do outro, a serva do Senhor pôde dizer, entre outras afirmações: - “(…). Há necessidade de mais íntimo estudo da Palavra de Deus; especialmente devem Daniel e Apocalipse merecer a atenção como nunca antes na história de nossa obra. (…) mas devemos chamar atenção para o que os profetas e apóstolos têm escrito sob a inspiração do Santo Espírito de Deus; de tal modo tem o Espírito Santo moldado as questões tanto no dar a profecia como nos acontecimentos descritos, que ensina que o agente humano deve ser conservado fora de vista, escondido em Cristo, e que o Senhor Deus dos Céus e a Sua lei devem ser exaltados. Lede o livro de Daniel. Recapitulai ponto por ponto a história dos reinos ali representados. Contemplai os estadistas, concílios, poderosos exércitos e vede como Deus actuou para abater o orgulho dos homens e lançar por terra a glória humana.
(…). Quando os livros de Daniel e Apocalipse forem bem compreendidos, terão os crentes uma experiência religiosa inteiramente diferente. Ser-lhes-ão dados tais vislumbres das portas abertas do Céu que o coração e a mente se impressionarão com o carácter que todos devem desenvolver a fim de alcançar a bem-aventurança que deve ser a recompensa dos puros de coração.
(…). Lede Apocalipse em conexão com Daniel. Ensinai essas coisas”. Na verdade, subscrevemos totalmente estas palavras ao referirem que “(…). Só os que entendem as profecias de Daniel e do Apocalipse podem compreender as questões que enfrentamos na nossa geração. Daniel é a destacada revelação do Velho Testamento, assim como o Apocalipse o é do Novo Testamento”.
Tendo em conta todos estes pressupostos pensámos elaborar um estudo, mais de âmbito pastoral, acerca do livro do profeta Daniel, para que através do mesmo possamos compreender onde a humanidade se encontra relativamente aos derradeiros momentos da sua longa e penosa história.
Ao finalizarmos estas breves palavras de exortação, recordaremos o grande conselho dado na Palavra de Deus acerca das profecias: - “E temos mui firme a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia esclareça, e a estrela da alva apareça nos vossos corações” – II Pedro 1.19
Que elas nos sirvam, efectivamente de “luz que alumia em lugar escuro” para que possamos estar preparados para o grande encontro com o Senhor.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

O PROFETA, A SUA ÉPOCA, OS SEUS ESCRITOS

Para que possamos compreender de uma forma satisfatória o livro do profeta Daniel cremos ser necessário abordar um pouco da época em que este homem de Deus viveu.

1- O profeta

Como veremos a seguir e tal como o livro do mesmo nome o relata, Daniel foi deportado para Babilónio quando o rei Nabucodonozor invadiu e exerceu soberania sobre a Judeia.
Tendo em conta o relato bíblico, como veremos e o cuidado dispensado pelo soberano vencedor a Daniel e aos seus companheiros, facilmente poderemos compreender e aceitar que o profeta poderá ter nascido no seio de uma família bem posicionada, socialmente falando, descendendo da alta nobreza de Judá, na Palestina. Quando lemos o historiador judeu Flávio Josefo ao relator acontecimentos desta época, corrobora claramente esta suposição.
Daniel nasceu num tempo que pronunciava grandes mudanças na cena política, a muitos níveis, como veremos, de uma forma breve mais abaixo.

2- O contexto histórico

a) - A sua época

O império Assírio que tinha dominado militarmente falando e imposto a sua autoridade e política de então, aproximava-se do seu declínio. O poder que gradualmente começa a emergir com grandes pretensões à hegemonia mundial era, quem diria, a simples província da Assíria – Babilónia.
O homem que esteve na base desta pretensão foi Nabopolassar (625-605) que irá aniquilar o que restava do império Assírio, tornando-se, por isso, o fundador do império neo-babilónico. Coube ao seu filho, a personagem marcante do livro de Daniel, o grande Nabucodonozor (605-562) , a condução de Babilónia à sua grandiosidade, tal como a História e a Arqueologia o demonstram.
Nesta época, o Egipto ainda tinha alguma força militar e política. Já desde o rei Salomão (cf. I Reis 3.3) que Israel mantinha relações diplomáticas com este país e, este último, cada vez que se sentia ameaçado por potências vizinhas e para poder fazer face às mesmas, Judá, ao abrigo das alianças anteriormente firmadas, solicitava a sua ajuda militar para assim debelar tais ameaças. O Egipto era famoso e temido pelos seus cavalos, pois era uma nação que podia dispor de carros de combate frente à Assíria.
Podemos constatar, no passado, a existência destas alianças – Israel/Egipto (II Reis 18.19-24); na ocorrência, o inimigo de Judá era a potente Assíria. Assim, para fazer face às investidas desta última, Israel não fez mais do que reatar os antigos tratados e alianças. Referindo a estas, o profeta Isaías as contesta com firmeza, ao recordar que a melhor aliança que Israel podia e pode fazer, como nação e como povo, deveria de ser com Deus e não com os homens (cf. Isaías 30.1,2; 31.1,3).
No tempo do jovem Daniel, as mesmas alianças foram reiteradas para tentar fazer face às investidas do rei de Babilónia – Nabucodonozor. No ano 605 a.C. este consegue, pela primeira vez, obter o controlo sobre o rei judaico Jeoiaquim, levando consigo, como despojo de guerra uma quantidade enorme de prisioneiros, entre os quais, o jovem Daniel - acontecimentos que abrem a narrativa do livro que contém o seu nome (Daniel 1.1).
Outras referências bíblicas dão-nos a conhecer as posteriores invasões de Nabucodonozor a Jerusalém e, como corolário destas, as respectivas deposições e substituições dos monarcas subjugados.
Assim, para uma percepção do que aconteceu, recordaremos alguns factos históricos lavrados na narrativa bíblica: - não muitos anos depois, o rei de Babilónia veio a Jerusalém para depor o seu vassalo, o sucessor do monarca Jeoiaquim, que a Bíblia conhece pelo nome de Joaquim. Esta deposição foi acompanhada de uma deportação de gentes de Judá para Babilónia, a qual aconteceu no 8º ano do reinado de Nabucodonozor, ou seja, no ano 598/7 a.C. (cf. II Reis 24.8-16). O rei de Judá é deposto e é colocado no trono, em sua substituição, o seu tio - Matanias - ao qual será mudado o nome para Zedequias (II Reis 24.17) .
Finalmente, passados alguns anos, a exemplo dos seus antecessores, este rei também se revolta e, como resultado desta desobediência, o monarca de Babilónia vem repor a ordem e cerca a cidade de Jerusalém. Passado algum tempo, a cidade é conquistada, sendo o rei capturado e morto; como consequência deste cerco final, não só o templo de Jerusalém é destruído pelo fogo, como se acontece a última deportação para Babilónia (II Reis 25.1-22). Estes últimos acontecimentos reportam-nos ao ano 588/7 a. C..

3) - Os seus escritos

A palavra Daniel, que constitui o nome do profeta, etimologicamente significa “Deus é juiz” ou “Deus é meu juiz”. Daniel irá escrever em Babilónia, durante o cativeiro. O tema fundamental do quanto escreveu é mostrar vincadamente, através de diferentes formas: 1- O único e verdadeiro Deus que destruirá toda e qualquer potência terrestre que tiver a veleidade de se entregar sem quaisquer reservas ao Seu cuidado e protecção.
O livro do profeta Daniel revela-se como um livro multifacetado. O leitor poderá ver nele, segundo a sua sensibilidade, por exemplo, um livro religioso na medida em que mostra, a cada momento da sua desenvoltura, qual a vontade soberana de Deus através das diferentes visões que o profeta vai recebendo de Deus. O profeta aborda os diferentes impérios, a sua sucessão e fim (cap. 2 e 7); a sua maneira de estar e respectivos governos (cap. 3 a 6); as suas guerras (cap. 8 e 11); as suas relações com o povo de Deus e o seu julgamento final.
Antes de passarmos às grandes questões de fundo sobre o livro profético de Daniel, as quais levaram muitos a defendê-las e outros, ao contrário, a criticá-las vejamos, ainda que de uma forma breve, as duas secções nas quais podemos inserir o livro de Daniel:

Secção histórica:

1- Cap. I (deportação de Daniel e educação em Babilónia)
2- Cap. II (sonho de Nabucodonozor)
1- Cap. III (os 3 jovens hebreus na fornalha ardente)
2- Cap. IV (loucura de Nobucodonosor)
3- Cap. V (banquete de Belsazar)
4- Cap. VI (Daniel na cova dos leões)

Secção profética:

1- Cap. VII (visão dos 4 animais)
2- Cap. VIII (visão do carneiro e do bode)
3- Cap. IX (as 70 semanas)
4- Cap. X – XII (profecias gerais)

Estas duas secções estão, de certa maneira interligadas para “(…) sublinharem a relação estreita entre o acontecimento que sobressai da história e a profecia que projecta a visão do futuro”.
Tendo em conta estes elementos que tornam particular o livro de Daniel, muito poucos livros do Antigo Testamento exerceram ao longo dos séculos uma influência tão considerável como o de Daniel, não só na vertente histórica como também na profética. Sob esta última apresenta, não só um quadro abreviado da história mundial desde Nabucodonozor até ao estabelecimento final do Reino de Deus, como também mostra, mas do que qualquer outro escrito canónico, que esta história se desenrola segundo o plano divino, o qual fixou com antecedência os períodos e os respectivos acontecimentos neles inseridos.
Assim, durante séculos Daniel formou nas escolas a base do ensino histórico em relação à antiguidade, na medida em que se viu habitualmente nos seus escritos, nos quatro reinos preconizados pela estátua do sonho do rei dos Caldeus os impérios: Babilónico, Medo-Persa; Grego e Romano.
Também devido à sua teologia este livro teve uma repercussão bastante grande, tanto na sinagoga como na igreja. Por exemplo, realçaremos a descrição do “Filho do Homem” vindo nas nuvens diante do trono de Deus e recebendo o governo do mundo (cap. 7.13, 14). O anúncio da ressurreição dos mortos (cap. 12. 2, 3) é o ponto culminante da doutrina escatológica dos livros hebreus do Antigo Testamento
Finalmente, o livro do profeta Daniel provavelmente exerceu, a diversos níveis, uma influência tanto pelo seu conteúdo como pela sua forma. Este livro é verdadeiramente o Apocalipse do Antigo Testamento, tornando-se, portanto, no protótipo deste género literário que, tal como dissemos, irá influenciar a literatura apócrifa (livro de Henoque ou o IV livro de Esdras).

4)- Daniel e os críticos

Tudo o quanto se disser para demolir o livro do profeta Daniel, assenta essencialmente em duas grandes questões – o autor e a datação do livro! Ela, para estarmos de acordo com o seu conteúdo, este deverá ser datado do séc. VI a. C. e não como os críticos, por todos os meios o pretendem fazer crer – no séc. II a. C. - eis o âmago da questão!
Dito isto, por palavras mais simples: - se Daniel escreve, fá-lo não na qualidade de profeta, ou seja falar do futuro no presente, mas fala, segundo estes críticos, do passado no presente. Desta forma, qualquer um o pode fazer, por exemplo, qualquer historiador! Portanto, segundo estes detractores do elemento profético, a profecia nunca existiu no livro de Daniel!
Quais as origens de toda esta problemática postulada pela crítica moderna? Tudo teve a sua origem, de uma forma marcante, no filósofo neo-platónico Porfírio na sua obra - acerrimus Christianorum inimicus – antagonismo literário bastante violento contra o cristianismo. No livro XII ele questiona a autenticidade de Daniel, desenvolvendo alguns argumentos que a crítica actual ainda usa. Na base da sua polémica encontramos as seguintes proposições:

a)- O autor do Livro de Daniel é um desconhecido do período Macabeu, isto é, do séc. II a. C.

b) Que o livro não relata nenhuma profecia verdadeira em relação ao futuro, mas unicamente “vaticinia post eventum”, ou seja, falando unicamente de – profecia após os acontecimentos (mencionar factos passados no tempo presente) - para ele, o autor compõe o livro de Daniel no tempo de Antíoco Epifânio!

Este é um livro de capital importância e, por esta mesma razão convém demolir a sua importância e até, se possível, descaracterizá-lo, tornando-o ineficaz, pois as verdades nele contidas não convém que sejam expostas, pois outros mais altos valores supra humanos agem na sombra; assim, ao longo do tempo, também tem sido alvo de diferentes correntes de opinião, inspiradas no passado, colocando em causa vários aspectos do livro, sob as mais variadas objecções, tentando denegrir não só a data da sua composição e o seu autor, tal como já o referimos, como também aqui e ali, com meras suposições, e argumentos sem fundamento, colocar em causa certas afirmações que se encontram ao longo do livro, como por exemplo:

1- O nome do autor do livro é o de uma personagem mítica e não do verdadeiro Daniel;

2- O livro é uma obra de ficção datada do ano 165 a. C., destinada a encorajar o movimento de resistência contra a tirania de Antíoco Epifânio – portanto, não foi escrito no séc. VI a.C.;

3- O livro tem várias palavras persas e gregas que remetem a sua redacção para o séc. II a. C. e não para os tempos de Nabucodonozor;

4- No Cânone, o livro de Daniel encontra-se entre os “Escritos” e não entre os livros “Proféticos” – o que indicia, pensam os críticos, que o livro tenha ter sido escrito numa data posterior aos seus congéneres – os proféticos.

5- A menção do nome do rei Belsazar (cap. 5) é, segundo a crítica, uma inexactidão histórica, pois diz que a história não conhece nenhum rei com este nome;

7- O livro de Daniel está escrito em hebraico (cap. 1 – 2.4; 8 – 12) e em aramaico (cap. 2.4 a 7.28); estes elementos levam os críticos a concluir que a redacção do livro é posterior ao séc. VI a. C.

Como não poderia deixar de ser, para dar resposta a estes argumentos, repetimos, sem grande fundamento, pois muitos deles não passam de meras suposições, encontramos uma abundante bibliografia de contra argumentos ancorados nas mais anteriores pesquisas e fontes de conhecimento, que neutralizam, radicalmente, os pressupostos e as dúvidas acima referidas pelos detractores de Daniel.
Ainda dentro deste contexto iremos sublinhar uma ou outra observação que coloca em causa, uma vez mais, esta dita “erudição”, em que à luz da qual pretendem anular a autenticidade do livro profético de Daniel. Analisemos algumas das respostas a algumas das críticas acima ventiladas:

a)- O livro tem várias palavras persas e gregas que remetem a sua redacção para o séc. II a. C. e não para o séc. VI a. C.

Resposta: - As palavras empregues pelo profeta (cap.3.5,7,10,15) estão relacionadas com o nome de instrumentos musicais (cítara, harpa, flauta). Mas tais palavras circularam sempre para lá das fronteiras babilónicas porque “estes instrumentos aparecem nos mercados estrangeiros” . Por outro lado, sabe-se também que a cultura grega entrou no Próximo Oriente muito tempo antes do período neobabilónico .

b)- No Cânone o livro de Daniel encontra-se entre os “Escritos” (Kethubhim) e não entre os livros “Proféticos” (Nebhi’im), como seria de esperar – o que indicia, pensam os críticos, que o livro tenha ter sido escrito numa data posterior aos seus congéneres – os proféticos.

O historiador Judeu variadas vezes, como referenciaremos fala dos escritos do profeta Daniel, assim como do Cânone em que este estava inserido, o qual se compunha de 22 livros.
Vejamos as divisões deste Cânone e onde os diferentes livros foram inseridos:


I- A Lei (Torah): (5)

Génesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronómio

II- Profetas (Nebhi’im):

a) Os primeiros: (4)

Josué, Juízes/Rute, Samuel (I e II), Reis (I e II)

b) Os últimos: (4)

Isaías, Jeremias/Lamentações, Ezequiel, 12 profetas menores


III- Escritos ( Kethubhim): (9)

Salmos, Provérbios, Job, Cântico dos cânticos, Eclesiastes, Ester, Daniel, Esdras/Neemias, Crónicas (I e II).

Após esta breve mostragem o que se nos oferece dizer em relação à inserção deste livro entre os “Escritos” (Kethubhim) e não entre os livros “Proféticos” (Nebhi’im), como seria de esperar?

Resposta: - Convém não esquecer que Daniel não foi escolhido ou classificado na qualidade de profeta, pois sempre permaneceu na qualidade de funcionário do governo ao longo da sua carreira. Assim, devido a este contexto preciso, o lugar que ocupa os seus escritos, ou seja, depois de Ester e antes de Esdras e Neemias, se explica facilmente neste enquadramento. Além disto, uma forte percentagem do livro é mais histórica do que profética (do cap. 1 ao 6).
Por outro lado, Daniel não escreveu sob a forma de mensagem de Deus ao Seu povo, retransmitida pela boca do Seu porta-voz. O elemento dominante consiste é, antes de mais, visões proféticas dadas pessoalmente pelo autor e às quais os anjos lhe dão a respectiva interpretação. É por causa deste aspecto misto do livro, partilhado entre o relato histórico e a visão profética, que os escribas judeus acabaram por inseri-lo na terceira categoria do Cânone.

c)- O livro de Daniel está escrito em hebraico (cap. 1–2.4; 8–12) e em aramaico (cap. 2.4 a 7.28) e, nesta qualidade, os críticos concluem que o livro é posterior ao séc. VI a. C.

Resposta: - As diferentes fontes encontradas demonstram a não validade de tais argumentos: a partir do séc. VIII o aramaico torna-se a língua internacional do Próximo Oriente e, tendo em conta esta informação, os israelitas a aprenderam durante o exílio. Esta língua conheceu algumas modificações ao longo das épocas: O aramaico oficial, foi utilizado entre 700 e 300 a. C.; o aramaico médio, foi empregue de 300 a. C. até aos primeiros séculos da era cristã; o aramaico recente, foi empregue após estes períodos.
A razão da utilização destas duas línguas nos diferentes excertos do livro tem que ver com duas vertentes: lógica e literária. Em relação à primeira, o autor escreve em hebreu (cap. 1–2.4; 8–12) porque estes capítulos são os mais directamente relacionados com os Judeus. Quanto à segunda, em aramaico (cap. 2.4 a 7.28), quando o que o profeta tem a dizer, implica preferencialmente as nações; assim, cada um poderia ler, de uma forma particular, o que com cada um se relacionava.

d) - Se o livro de Daniel é uma falsificação, como é que penetrou no Cânone do Velho Testamento, visto que o livro apócrifo (não inspirado) de Macabeus fala dele – “Recordai-vos dos feitos dos vossos maiores (…) Daniel, na sua rectidão, foi preservado da boca dos leões” – I Macabeus 1.51-60, cf. Daniel 6.16,23?

e) - Quem foi o génio que redigiu este livro predizendo o futuro do nosso planeta e declarando o ano do início e do fim do ministério do Messias se, como dizem, o livro é uma obra de ficção datada do ano 165 a. C? Se não foi Daniel, o profeta, então quem poderá ter sido?

f) - O autor de Daniel manifesta um conhecimento preciso dos acontecimentos do séc. VI a. C., o qual não estaria ao alcance, certamente, de um escritor do séc. II a. C.! Por exemplo no cap. 8.2 declara que Susa ficava situada na província de Elão na época babilónica. Os historiadores – romanos e gregos - nos dão a conhecer que no período persa, Susa foi atribuída a uma nova província que tomou o seu nome – Susiana ; a maior província do antigo Elão ficou reduzida ao território a oeste do rio Ulai. Ora será normal que só um autor antigo possa saber que Susa, antigamente estava integrada na província do Elão.

g) - Depois, temos o testemunho indiscutível de Jesus Cristo no discurso acerca dos acontecimentos precursores do tempo do fim, pronunciado no Jardim das Oliveiras. Ali Jesus declara o seguinte: - “Quando pois virdes a abominação da desolação de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo; quem lê, entenda” – Mateus 24.15 (sublinhado nosso).
O livro de Daniel refere três vezes as expressões - “abominação da desolação” – Daniel 9.27; 11.31; 1.11. Se estas são as verdadeiras palavras de Cristo, quando cita o profeta, então o Senhor tinha a certeza de que, não só o Daniel histórico era, efectivamente, o seu autor incontestado, como também o conteúdo do seu escrito era profético – o que contraria os comentaristas humanos do texto bíblico! Assim sendo, Jesus ao se expressar desta maneira, considerou esta “abominação” como um texto profético, algo a acontecer ainda no futuro e não no passado, tal como os críticos pensam. E tanto é assim que, ao comentarem esta citação do profeta Daniel feita pelo Senhor, dizem que Jesus - “refere-se com toda a certeza à estátua do Zeus Olimpo que Antíoco Epifânio mandou colocar no Templo de Jerusalém – cf. II Macabeus 6.29” !

Na realidade, a quanto o ser humano recorre para denegrir a autenticidade da Palavra de Deus! Mas, para ajudar a superar qualquer resquício de cepticismo, iremos recordar o que foi escrito pelo historiador judeu Flávio Josefo, reforçando não só a autenticidade como também a antiguidade dos escritos do profeta Daniel:

a) – O profeta

Flávio Josefo assim se expressou acerca de Daniel: - “o mais admirável que eu encontro neste grande profeta é o facto extraordinário, particular e quase incrível que ele tem sobre os outros profetas, é de ter sido, ao longo da sua vida, honrado por reis e povos e ter deixado, depois da sua morte, uma memória imortal; porque os livros que escreveu e que ainda hoje são lidos, dão-nos a conhecer que o próprio Deus lhe falou e que não somente predisse, tal como os outros profetas as coisas que deveriam de acontecer, mas ele marcou os tempos em que essas mesmas coisas ocorreriam”.

b) A antiguidade dos seus escritos

- Anteriores a Artaxerxes: - “Não temos senão 22 livros que contêm os relatos do passado e que são considerados divinos (inspirados). (…) da morte de Moisés até Artaxerxes, rei dos Persa depois de Xerxes, os profetas que sucederam a Moisés, escreveram em 13 livros o que se passou no seu tempo (…)”

- Alexandre – o Grande: - “(…) Alexandre, ao chegar a Jerusalém, subiu ao Templo e ofereceu sacrifícios a Deus tal como o Sumo Sacerdote lhe dissera para fazer. Este, por sua vez, lhe mostrou o livro do profeta Daniel, no qual estava escrito que um príncipe grego destruiria o império dos Persas (…).

Portanto, todos os ataques ao profeta Daniel nada têm de novo. Já no séc. IV S. Jerónimo assim se referiu aos ataques ao livro de Daniel: - “o combate encetado contra o profeta Daniel é um testemunho da sua autenticidade”.
Para colocarmos um ponto final nesta parte do trabalho, façamo-lo da melhor forma, citando o grande conselho do apóstolo S. Paulo a Timóteo: - “Ó Timóteo, guarda o depósito que te foi confiado, tendo horror aos clamores vãos e profanos e às oposições da (falsamente chamada) pseudo ciência (conhecimento), a qual, professando-a alguns, se desviaram da fé” – I Timóteo 6.20,21.


Questionário
01- Quem era Daniel?
02- Em que século e em que circunstâncias foi escrito o livro?
03- Que provas, afirmações, se poderão apresentar para mostrar que
Daniel conhecia o que descrevia?
04- Qual o tema fundamental do livro de Daniel?
05- Que importantes divisões se podem encontrar no livro?
06- Que filósofo está na base da crítica moderna?
07- Quais as línguas em que o livro se encontra escrito? Quais as razões apontadas para o justificar?
08- Qual a divisão do Cânone em que se encontra o livro? Quais as razões que se poderão apontar para tal decisão?
09- Onde e em que contexto Jesus confirmou a veracidade dos escritos de Daniel?

Nota final:

Falar do tempo do fim e do fim do tempo, no passado, talvez fizesse sorrir. Hoje, faz tremer ou reflectir. A Palavra de Deus cumprir-se-á pois, quem poderá impedir o seu cumprimento? O livro de Daniel não é unicamente um relato do passado, mas também um livro que se projecta para o fim de um tempo bem específico. Sim, na realidade, o profeta Daniel, contrariamente ao que uma certa dita ciência afirma e ensina, o livro do profeta Daniel é, incontestavelmente, para o tempo do fim – o nosso tempo – quer os homens queiram ou não – cf. Ezequiel 2.5,7;3.11.
Dr. Ilídio Carvalho