quarta-feira, 29 de agosto de 2012

A MISSÃO PROFÉTICA DAS TESTEMUNHAS DE DEUS - Apocalipse 11

Apocalipse 11 pode entender-se como a extensão adicional do capítulo 10 e não como uma visão desconexa, já que nesta visão das duas testemunhas se revela o que João experimentou simbolicamente ao comer o livrinho. Muitos comentadores bíblicos consideram a visão a respeito das duas testemunhas de Deus em Apocalipse 11:1-13 como o desenvolvimento adicional da visão do livrinho aberto de Apocalipse 10. Mounce conclui dizendo que "[Apoc. 11:1-13] forma o conteúdo do 'livrinho' do capítulo que foi doce ao paladar e amargo ao ventre (Apoc. 10:9, 10)".1

Esta opinião apoia-se no fato de que ambas as visões são parte do mesmo interlúdio do tempo do fim entre a sexta e a sétima trombeta. Mas também existe o mesmo desenvolvimento temático entre Apocalipse 10 e 11. A proclamação do livrinho aberto é denominada "profetizar" (Apoc. 10:11), o que se descreve como a mesma missão das duas testemunhas em Apocalipse 11:3, 6 e 10. Além disso, a mensagem do livrinho e o das duas testemunhas dirige-se aos mesmos ouvintes no mundo (Apoc. 10:11; 11:9). Apocalipse 10 está ampliado na visão seguinte do capítulo 11, e separar o capítulo 11 da sua introdução no capítulo 10 é separar o que Deus uniu. O nosso primeiro assunto é ver de que maneira Apocalipse 11 desenvolve o tema de Apocalipse 10.

A Natureza Simbólica da Visão de Apocalipse 11

Assim como a visão preliminar de Apocalipse 10 é simbólica nas suas apresentações, também o é a visão do capítulo 11. Este capítulo aponta diretamente a sua descrição simbólica quando declara que a grande cidade é "simbolicamente" (CI, BJ [pneumatikós, "espiritualmente", RA]; "alegoricamente", JS; "linguagem figurada", DHH) "Sodoma e Egito" (Apoc. 11:8). A descrição do capítulo 11 é distintivamente hebraica em caráter. Toma a linguagem e imagens de Daniel, Ezequiel, Zacarias, e também das vidas de Moisés e Elias. Entretanto, a descrição da morte das duas testemunhas, a sua ressurreição e ascensão visível está obviamente tirada da vida de Jesus narrada nos Evangelhos.

Os apóstolos usaram de forma consistente termos e imagens hebraicas como linguagem simbólica para descrever a missão de Jesus e da sua igreja. Um exemplo revelador está em Hebreus 12:22-24, onde se menciona o "monte Sião" para representar a igreja, porque o mediador do novo pacto de Deus agora é Cristo Jesus. A visão de João dos 144.000 israelitas em Apocalipse 7 deve ser interpretada igualmente de acordo com a hermenêutica do evangelho. Uma aplicação literal dos símbolos hebraicos em Apocalipse 11 nega o evangelho e ignora que o Apocalipse está centrado em Cristo.

A Natureza Proléptica de Apocalipse 11:1-13

João usa com frequência o estilo literário da prolepse, quer dizer, antecipar um acontecimento futuro introduzindo um símbolo novo que se explica mais tarde. Em Apocalipse 1 antecipa o evento culminante de todo o livro: "Eis que vem com as nuvens..." (Apoc. 1:7), tema que João desenvolverá em Apocalipse 6:12-17, 14:14-20 e 19:11-21. Todas as promessas divinas nos capítulos 2 e 3 são descrições prolépticas breves do que se desenvolve extensamente nos capítulos 21 e 22.

Outro exemplo está em Apocalipse 14:8, onde apresenta pela primeira vez a "Babilónia" por meio de uma prolepse e desenvolve o seu significado completo nos capítulos 16 a 18. As 7 últimas pragas mencionam-se brevemente primeiro em Apocalipse 15, e depois detidamente em Apocalipse 16.

Todo o Apocalipse é uma revelação coerente, indivisível e progressiva, e nele estão intimamente relacionadas todas as visões. Sempre que seccionamos um capítulo da unidade total e tratamos de aplicá-lo ao mundo ou à história da igreja, estamos destinados a interpretar mal o seu significado. Portanto, uma exegese responsável pelo Apocalipse respeitará a conexão estrutural de todas as suas visões. Com respeito ao capítulo 11, muitos consideram que é um dos capítulos mais difíceis de interpretar do livro; outros o vêem como um resumo proléptico dos capítulos 12 a 22.

Joseph S. Considine concluiu em seu estudo instrutivo sobre Apocalipse 11, que os capítulos 10 e 11 "narram um relato contínuo, no qual o capítulo 10 forma uma introdução solene para o capítulo 11", de maneira que o 11 antecipa prolepticamente os acontecimentos de Apocalipse 12 e 13. Também se deu conta dos interlúdios paralelos dentro dos selos (cap. 7) e das trombetas (caps. 10 e 11), e por isso declarou:

"Mas é mais que um paralelo; completa o que nos disse no episódio entre o sexto e o sétimo selo, já que o que não se diz em um, diz-se no outro. Estas visões interpostas nos dão um quadro da vida interior da igreja de Cristo durante a luta... as visões interpostas apontam à obra e à fé dos verdadeiros filhos de Deus... Os acontecimentos preditos nos capítulos 7 e 10-11:1-13 são necessários como prelúdios do fim".2

Se reconhecermos estas relações estruturais, não podemos tratar mais estas seções como digressões desnecessárias, mas sim antes como partes essenciais que encaixam exatamente na estrutura total do livro. Nenhuma perícope pode separar-se ou dividir-se do que a rodeia. Toda a linguagem figurada de Apocalipse 11 fica esclarecida pela própria Bíblia, o que significa que Apocalipse 11 deve interpretar-se por seu contexto imediato (quer dizer, dos capítulos circundantes que tratam com o tempo do fim) e por seu contexto mais amplo no Antigo Testamento, antes que se possa empreender a tarefa de fazer qualquer aplicação à história.

Apocalipse 11 oferece uma antecipação da última crise de fé para os crentes verdadeiros que vivem no mundo; será uma crise universal (menciona-se 4 vezes a palavra "terra" ) causada pelo testemunho corajoso das testemunhas de Deus entre uma população hostil descrita pela frase estereotipada "os moradores da terra" (v. 10).

Para João, "os moradores da terra" definem-se teologicamente como os que são enganados pela adoração idolátrica da besta (ver Apoc. 13:8, 12, 14; 17:2) e cujos nomes não estão escritos no livro da vida (17:8). São inimigos do povo de Deus e culpados do sangue dos santos (6:10). Entretanto, a aparente derrota dos que adoram no templo de Deus será finalmente mudada pelo ato de Deus. Serão vindicados por sua ressurreição dos mortos e por sua ascensão visível ao céu "em uma nuvem" (11:11, 12), o mesmo que seu Senhor experimentou durante sua vida na terra. Nesse momento, a recompensa dos justos está acompanhada por um grande terremoto que obriga muitos a darem "glória ao Deus do céu" (v. 13).

É evidente que Apocalipse 11:1-13 não é uma profecia isolada sobre o povo judeu ou de acontecimentos seculares da história do mundo, mas sim está inextricavelmente tecida na malha do Apocalipse de João, estabelecendo uma relação clara com Apocalipse 12 e 13 ao introduzir em forma proléptica as unidades de tempo proféticas de "42 meses" e "1.260 dias" em Apocalipse 11:2 e 3 (ver Apoc. 12:6, 14; 13:5). Apocalipse 11:7 introduz em forma abrupta "a besta que sobe do abismo" sem nenhuma explicação adicional de sua identidade até que Apocalipse 13 desenvolve suas conexões históricas e teológicas com Daniel 7.

A recompensa dos mártires que aparece em Apocalipse 11:11 e 12 se volta a mencionar sob a sétima trombeta (11:16-18) e se amplia em Apocalipse 14:1-5, 20:4-6 e 22:1-5. Em resumo, a visão simbólica de Apocalipse 11:1-13 é uma sinopse breve e uma antecipação da revelação progressiva dos capítulos 12 aos 22.

Símbolos da Igreja Verdadeira

"E foi-me dada uma cana semelhante a uma vara; e chegou o anjo e disse: Levanta-te e mede o templo de Deus, e o altar, e os que nele adoram. E deixa o átrio que está fora do templo e não o meças; porque foi dado às nações, e pisarão a Cidade Santa por quarenta e dois meses. E darei poder às minhas duas testemunhas, e profetizarão por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de saco" (Apoc. 11:1-3).

É conveniente recordar que João tinha representado a igreja cristã como um "reino de sacerdotes" para servir a Deus (Apoc. 1:6) e como "sete castiçais" (vs. 12, 20) que se mantêm acesos pelo Cristo ressuscitado (2:1, 5). Apocalipse 1 nos dá a chave para a aplicação dos símbolos do santuário de Israel ao novo pacto, hermenêutica evangélica que está fundamentada em Jesus como o Cordeiro expiatório e o Sacerdote de Deus (1:5).

Representa-se a igreja apostólica como o novo Israel de Deus, como o povo do novo pacto, enquanto a comunidade judia perseguidora é caracterizada como a "sinagoga de Satanás" (Apoc. 2:9; 3:9). Cristo permanece como o sustentador de sua igreja e não tolera sua corrupção. Desmascara os ensinos enganosos dessa "mulher Jezabel" na igreja de Tiatira (2:20), e anuncia seu juízo quando diz: "Matarei os seus filhos, e todas as igrejas conhecerão que eu sou aquele que sonda mentes e corações, e vos darei a cada um segundo as vossas obras" (2:23). Por outro lado, Cristo faz esta promessa à igreja da Filadélfia:

"Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais sairá; gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu Deus, e o meu novo nome" (Apoc. 3:12).
O Cristo ressuscitado considera seus seguidores como "colunas" espirituais no templo de Deus, os que levam o nome "nova Jerusalém". Além disso aparecem representados como os 144.000 israelitas espirituais que servem a Deus "dia e noite em seu templo" (Apoc. 7:15). Com esta valorização da igreja de Cristo, estamos preparados para compreender a descrição simbólica da igreja e os gentios em Apocalipse 11.

Do céu é dado a João um caniço que serve como "uma vara de medir", com a qual deve "medir" o templo [naós] de Deus e o altar [thusiastérion] e os que adoram nele [NVI interpreta, "e conte os adoradores que lá estiverem"] (Apoc. 11:1).
A questão fundamental é: O que significa a ordem para "medir" o templo de Deus, o altar e seus adoradores? Há alguma descrição similar no Antigo Testamento? Tanto Ezequiel como Zacarias descrevem visões nas que se medem o novo templo prometido e a cidade de Deus. Zacarias esclarece o ato de medir por meio da promessa que diz que Deus escolheu a Jerusalém e que voltará para Sião depois do cativeiro babilónico para proteger o seu povo (ver Zac. 1:16; 2:1-5). Para ele, "o ato de medir" significou a promessa de restauração e amparo do fiel remanescente do Israel.

Ezequiel vê um mensageiro divino que mede com um caniço de medir o templo prometido e a santa cidade (caps. 40-48). Esta visão também comunica uma promessa de restauração da adoração pura de Deus para Israel que volta do cativeiro (44:15, 16, 24) e tem o propósito de motivar os israelitas no cativeiro a arrepender-se de seus pecados e a que sejam outra vez fiéis (43:10, 11 ). Ezequiel destaca a pureza ritual e a santidade espiritual da adoração no novo templo (44:9), e dessa forma separar "o sacro do profano" (42:20; 44:23, NBE). O nome da cidade capital, com suas doze portas, chamar-se-á: "O Senhor está ali" (48:35, NBE). Debaixo do templo correrá um rio de águas vivificantes com árvores frutíferas em ambas as margens (cap. 47). Reconhece-se geralmente que a visão que Ezequiel teve do templo e de suas medidas está exposta como a Nova Jerusalém por João em Apocalipse 21 e 22.

Em Apocalipse 11 é dito a João para medir "o templo de Deus, e o altar, e aos que nele adoram" (v. 1). Na perspectiva de seus protótipos do Antigo Testamento, este "medir" indica a responsabilidade de João de separar a comunidade santa da contaminação da adoração falsa e de restaurar sua verdadeira adoração no "templo de Deus". Dentro do Apocalipse, o "templo de Deus" é fundamentalmente o templo celestial onde Cristo ministra ante o trono de Deus (5:6-10; 7:14-17; 11:19).
Os santos na terra entram agora pela fé e a oração neste santuário celestial, e portanto são parte do templo de Deus no céu (ver Apoc. 8:3, 4; Heb. 10:19). Como seus nomes estão escritos no livro da vida do Cordeiro, já não são mais parte dos (idólatras) "moradores da terra", e embora fisicamente vivem sobre a terra, seu "cidadania está nos céus" (Filip. 3:20). Estão "em Cristo" e, portanto, já estão sentados com ele "nos lugares celestiais" (Ef. 2:6).

A igreja do tempo do fim deve restaurar esta adoração dos santos dentro do templo celestial, e esta adoração restaurada deve incluir "o altar" que estava dentro "do pátio dos sacerdotes" (um dos pátios interiores do templo do Herodes) e que representa o sacrifício expiatório de Cristo e sua intercessão por nós. A diferença fundamental entre a adoração no santuário de Israel e a dos pagãos, era o conhecimento de que Deus lhes tinha dado o "sangue" do sacrifício "para fazer expiação sobre o altar por vossas almas" (Lev. 17:11 ).

O evangelho do Novo Testamento ensina que Deus "enviou a seu Filho como propiciação por nossos pecados" (1 João 4:10; ver 2:2). A obra expiatória de Cristo foi o propósito máximo da encarnação e do amor de Deus, e só os verdadeiros crentes em Cristo podem participar deste "altar" que representa a cruz da expiação (Heb. 13:10).

João também deve "medir" os adoradores. Isto significa separar os verdadeiros adoradores da apostasia universal no tempo do fim, e esta interpretação se confirma pela ordem de "deixar à parte" [literalmente, "jogar fora"] o pátio que está fora, "e não o meças, porque foi entregue aos gentios" (Apoc. 11:2). Este "pátio que está fora" representa o território dos moradores da terra, onde os gentios estabeleceram seu culto idolátrico. O mesmo que se instruiu a Ezequiel para que se proibisse a qualquer estrangeiro que fora "incircunciso de coração e incircunciso de carne" a entrar no templo (Ezeq. 44:9), assim agora João deve excluir ou expulsar (ver João 9:34) a todos os adoradores que estão no "pátio que está fora", quer dizer, os que não estão em Cristo, que não entram no pátio interior mas sim antes adoram a besta.

Jesus fazia frente aos judeus com a afirmação absoluta de seu messianismo: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. ... Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo [literalmente, ebléthe êxo, 'é jogado fora']" (João 15:1, 6). O Apocalipse amplia esta separação de todas as pessoas em uma escala universal (Apoc. 22:14, 15).
João tinha indicado que ainda nas igrejas locais havia alguns que eram meramente cristãos nominais ou que tinham sido enganados pelos falsos profetas (Apoc. 2:14-16, 20-25; 3:1-5, 16). Se persistissem em sua mornidão ou incredulidade, seriam rechaçados por Deus (2:23; 3:16). Evidentemente, Deus tinha o propósito de restaurar e pôr à parte a adoração verdadeira no tempo do fim da era cristã.

Para uma elucidação adicional de Apocalipse 11, precisamos considerar o contexto do Apocalipse. É proveitoso comparar as visões do tempo do fim dos selos e das trombetas. O selamento dos 144.000 israelitas espirituais em Apocalipse 7 deve colocar-se lado a lado com a medição dos adoradores do templo da cidade santa, comparação que provoca a surpresa da unidade essencial de ambas as visões do tempo do fim. A respeito, uma erudita assinala que "medir os santos e excluir os profanos precede à sétima trombeta assim como o selamento dos escolhidos precede o sétimo selo".3

Praticamente todos os comentadores bíblicos relacionam a "medição" dos santos em Apocalipse 11 com o "selamento" de um número determinado de santos em Apocalipse 7, e interpretam ambos os fatos como a promessa especial de Deus de proteger e preservar a seus filhos durante a crise de fé do tempo do fim. Roy Naden conclui dizendo: "Dessa forma, a medição do templo pode entender-se como uma forma simbólica de dizer que Deus preserva ou 'sela' a sua igreja durante os juízos finais derramados sobre os ímpios antes que Jesus retorne".4 Deus deseja, obviamente, assinalar os verdadeiros adoradores como seu povo especial e os põe à parte para que levem a cabo um serviço especial no mundo. A ordem de Deus a João para medir o templo (Apoc. 11:1, 2) é o resultado de comer e digerir o livrinho aberto de Apocalipse 10. Terá que ter em conta que o possuir novo conhecimento produz uma prova de fé e compromisso.

O Pisar da Cidade Santa

"E eles [os gentios] pisarão a cidade santa por quarenta e dois meses" (Apoc. 11:2).
Esta predição da opressão une duas visões no livro de Daniel: as que aparecem nos capítulos 7 e 8. Daniel tinha esboçado todo o desenvolvimento da história da salvação desde seus dias até o juízo final (Dan. 7). Desde os dias de Babilónia tinha previsto os grandes impérios mundiais, o último dos quais seria o duradouro império romano que "pisaria" a todas as suas vítimas (Dan. 7:7, 19, 23).

Mas Daniel foi além da Roma imperial quando viu como se esmiuçaria em pequenos reinos (os "dez chifres"). Seu interesse principal foi o conseguinte "chifre pequeno" (Dan. 7:24) que se impunha com exigências políticas e religiosas e com uma "boca que falava grandes coisas" (v. 8). O anjo interpretador assinala as características específicas desse poder que exerceria um reino de terror sobre os santos.

"Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do Altíssimo e cuidará em mudar os tempos e a lei; e os santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade de um tempo" (Dan. 7:25).

Este poder antiDeus (o "chifre pequeno") lutaria com os santos durante 3 ½ tempos proféticos (ou "anos"), o que faz 42 meses proféticos e dessa forma estabelece um elo específico entre Daniel 7 e Apocalipse 11. Em Daniel 8 o próprio "chifre pequeno" é descrito como o arquiinimigo de Israel, que invade a "terra gloriosa" e depois pisoteia o lugar santo e os seus adoradores (8:9-13).

Aqui temos um vínculo patente entre o Daniel 8 e Apocalipse 11. Enquanto que os santos adoram a Deus e a Cristo ao entrar no templo celestial por meio da fé, ainda permanecem em forma física na terra. Com respeito a sua existência terrestre, descreve-se aos santos como "a cidade santa" que não pode ser pisoteada pelos poderes hostis dos "gentios". O desgaste dos santos só é permitido ["serão entregues"] por um período de tempo limitado, por "42 meses". Esta unidade de tempo também é usada para o tempo que concedido à besta do mar em Apocalipse 13 que blasfema o nome de Deus, "de seu tabernáculo, e dos que moram no céu" (Apoc. 13:5, 6). Por isso o pisar da cidade santa em Apocalipse 11 se explica em Apocalipse 13:1-8 como o tempo de perseguição dos adoradores por parte do anticristo, conexão que confirma a interpretação de que Apocalipse 11 descreve os santos de Deus como a "cidade santa" (cf. 20:9).

Tudo isto indica que Apocalipse 11 é uma prolepse ou antecipação dos capítulos que seguem, enquanto o livro do Daniel constitui a principal raiz primária de Apocalipse 11-13. O Apocalipse transforma por meio do evangelho a linguagem profética de Daniel, quer dizer, desenvolve as predições de Daniel em termos de Cristo e seus seguidores como os santos e adoradores verdadeiros de Deus.

As unidades de tempo de Daniel 7:25 e Apocalipse 11:2 e 3 se caracterizam pela opressão e a perseguição espirituais. Com respeito a isso, há uma correspondência com os 3 ½ anos do testemunho de Elias durante a perseguição do rei apóstata de Israel, Acabe e sua esposa pagã, Jezabel (ver Luc. 4:25; Sant. 5:17).

Aplica-se Apocalipse 11 ao Povo Judeu?

André Feuillet representa os que afirmam que os capítulos 5 a 11 tratam especificamente sobre "os judeus incrédulos" (incluindo as duas séries dos selos e das trombetas) e em forma específica do juízo divino manifestado na destruição de Jerusalém no ano 70. Portanto conclui que as palavras de Apocalipse 11:8: "...onde também nosso Senhor foi crucificado", não se referem a Roma e sim à "Jerusalém incrédula".5 Esta hipótese determina também sua interpretação de Apocalipse 11:2 e 3 e sua aplicação histórica ao povo judeu.

Feuillet escolhe o anúncio de Lucas 21, que "Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se cumpram" (v. 24), como sua norma guiadora para interpretar Apocalipse 11, e sua conclusão é a seguinte: "Assim como Jesus deseja indicar por estas palavras [em Luc. 21:24] o castigo futuro dos judeus culpados, assim também a parte do templo que seria 'pisada' deve representar os judeus apontados para o castigo".6

A princípio este raciocínio de uma analogia ou correspondência entre Apocalipse 11:2 e Lucas 21:24 parece lógico, mas contém um defeito oculto da exegese do Apocalipse. De acordo com o Feuillet, o Apocalipse é uma "releitura cristã maciça do Antigo Testamento". Entretanto, falha em relacionar Apocalipse 11:2 com as visões do templo em Daniel 7 e 8. A correspondência requer que devamos situar o "pisoteio do lugar santo" (e dos adoradores em Apoc. 11) dentro do curso do esboço profético de Daniel. Esta correlação com Daniel 7 e 8 é indispensável para uma compreensão adequada de Apocalipse 11, porque Daniel 7 é a raiz principal do Apocalipse de João.

Daniel apresenta os poderes mundiais sucessivos que perseguirão o povo do pacto de Deus. Esta ordem, em sequência, é de suprema importância para identificar o anticristo no Apocalipse e para se localizar sua unidade de tempo característica de "42 meses" ou "1.260 dias" dentro da era da igreja, e só da perspectiva da cronologia sagrada de Daniel podemos evitar a armadilha de tomar as unidades de tempo profético em Apocalipse 11 a 13 como totalmente alegóricas e significando algum tempo indefinido de perseguição. Os "42 meses" ou "1.260 dias" não são elásticos ou atemporais, já que se originam na visão de Daniel 7, onde determinam o período de tempo para o reino despótico do "chifre pequeno" depois do desmoronamento do Império Romano no ano 476 de nossa era (ver Dan. 7:8, 23-25).

Isolar o Apocalipse do livro de Daniel é igual a cortar a raiz (Daniel) de seu fruto (o Apocalipse). Só Daniel atribui cada símbolo apocalíptico a acontecimentos concretos da história. Por conseguinte, ignorar o modelo cronológico da profecia de Daniel na interpretação do Apocalipse pode considerar-se como um engano fundamental.

Como resultado desta falha em apreciar a relação entre Daniel e o Apocalipse, Feuillet escolhe Lucas 21:24 como seu modelo para explicar que Apocalipse 11:2 descreve os culpados "judeus assinalados para o castigo". A consequência da equivalência de Apocalipse 11:2 e Lucas 21:24 é que os adoradores "no templo de Deus" (do Apoc. 11) são judeus que crêem em Cristo, e que a "cidade santa" e o "pátio que está fora" representa os judeus que rechaçam a Cristo, o "judaísmo incrédulo". Feuillet apoia esta conclusão referindo-se a Lucas 13:25-28 como "a passagem paralela legítima".7

Entretanto, o Apocalipse não se concentra sobre os cristãos de origem judaica em nenhuma de suas visões

terça-feira, 14 de agosto de 2012

COMPREENDENDO OS "1.260 DIAS" EM APOCALIPSE 11-13

João usa 3 símbolos de tempo ("dias", "meses", "tempos" ) em Apocalipse 11-13 para designar o período quando seria pisada a cidade santa, o tempo das duas testemunhas, da mulher no deserto, e do domínio da besta. Usa a frase "42 meses", "1.260 dias" e "um tempo, e tempos e metade de um tempo", como termos sinónimos que servem como elos vitais entre Apocalipse 11, 12 e 13. É útil fazer uma comparação de dois versículos paralelos de Apocalipse 12:
Apocalipse 12:6 e 14 descrevem ao que parece a mesma mulher e o mesmo tempo de perseguição, com símbolos ligeiramente diferentes. Estas diferenças estilísticas são significativas, porque proporcionam a oportunidade de combinar uma gama mais ampla de modelos do Antigo Testamento, o que não só enriquece o significado teológico da igreja cristã, mas também proclama a continuidade da fidelidade de Deus a seu povo do novo pacto. Da mesma maneira que Jeová tinha "levado" a Israel sobre "asas de águia" do Egito e os trouxe a ele (Êxo. 19:4), assim Deus dá à sua igreja "as duas asas da grande águia" para voar a um lugar seguro (Apoc. 12:14). O fato de que o símbolo de tempo de "1.260 dias" e seus equivalentes nos são dados 7 vezes (2 em Dan. e 5 no Apoc.) indica que é um período de importância crucial.

A pergunta é a seguinte: De onde vem este símbolo apocalíptico? A frase "um tempo, e tempos e metade de um tempo" em Apocalipse 12:14 é tomada diretamente de Daniel 7:25 e 12:7, como geralmente se reconhece. Mas poucos comentadores conectam Apocalipse 12 à sua raiz principal em Daniel 7. Porém, aqui jaz a chave secreta para descobrir os 3 ½ tempos proféticos em sua relação com o "chifre pequeno" da quarta besta de Daniel.

O Erro de Separar o Símbolo de Tempo de seu Contexto
Alguns expositores apelam à tradição judia que usa o termo "3 anos e meio" como um modismo para um "longo tempo" indefinido ou para "muitos dias".1 O termo aparece ali para expressar "a metade de um septénio" ou, como dizem outros, "a metade de uma década" sem nenhuma outra precisão. As passagens do Lucas 4:25 e Tiago 5:17 são interessantes, porque neles a frase "três anos e meio" usa-se para o tempo da seca nos dias de Elias, enquanto em 1 Reis 18:1 só declara que durou "muitos dias" e que a seca terminaria "no terceiro ano".

Esta designação de tempo pode significar um mínimo de 14 ou 18 meses, segundo a tradição rabínica,2 ou possivelmente 3 anos. O fato de que tanto Jesus (Luc. 4:25) como Tiago (5:17) falam deste período como "três anos e meio" poderia ser uma adaptação do modismo popular em seu tempo. Entretanto, um documento rabínico dá a leitura de "três anos e meio".3 Enquanto se pode reconhecer a tensão dentro do conteúdo do Antigo Testamento e do Novo Testamento com respeito ao tempo de prova real da seca profetizada por Elias, tudo isto se distingue da designação do tempo nas profecias de Daniel e Apocalipse. Aqui o princípio guiador não é o modismo, a não ser o contexto imediato e o contexto remoto da profecia.

O livro de Daniel proporciona a fonte e a localização dos "3 ½ tempos" dentro da história da salvação. O falhar em situar os 3 ½ tempos proféticos adequadamente dentro do tempo contínuo de Daniel 7, ignora a convocação ordenada deste período de tempo na história. Como Daniel 7 aplica a quarta besta simbólica ao quarto império mundial, ou Roma Imperial, o "chifre pequeno" que cresceu desta besta não pode representar ao rei selêucida Antíoco IV que perseguiu os judeus e profanou o templo desde dezembro do ano 167 a.C. até dezembro do 164 a.C. (1 Macabeus 1:41-61; 2 Mac. 10:5). Induz a engano afirmar que o tempo simbólico de Daniel de 3 ½ tempos "levantou-se durante a abominação do Antíoco Epifanes" conforme afirma Ezell,4 já que a profanação do templo durou exatamente 3 anos (2 Mac. 10:5) e não "quase exatamente 3 ½ anos". Semelhantes conjeturas com respeito à frase de tempo que Daniel emprega falham porque separam o símbolo do tempo de seu marco original dentro de Daniel 7.

Aplicações Futuristas dos 1.260 dias
G. Ch. Aalders, um erudito holandês do Antigo Testamento, estava convencido de que os 3 ½ tempos de Daniel 7 devem conectar-se com o reinado do anticristo, que ele viu levantar-se da quarta besta como o Império Romano. Rechaçou os "esforços" de alguns que aplicavam a designação de anticristo ao papado ou à lei romana (como formas de continuação do Império Romano) como "cerâmica sem valor".5 Aalders também considerou intranscendente esperar algum "reaparecimento reavivado" do Império Romano no tempo do fim. O anticristo, afirmou Aalders, obterá um desdobramento espantoso de poder político no mundo cultural do futuro. Tratará de assumir a soberania do mundo da própria mão de Deus ao mudar os "tempos e a lei" (Dan. 7:25; cf. 2:21). Isto significa que o anticristo tem o propósito de proscrever todos os fundamentos cristãos e "tirar todo elemento religioso" do mundo cultural, "no espírito que motivou a Revolução Francesa" ou os governos comunistas ateus.6 Dessa maneira Aalders identificou o anticristo com algum governante político ateu do futuro.

Com respeito ao "tempo, e tempos e meio tempo" de Daniel 7:25, Aalders interpretou esta frase para dizer que a opressão dos crentes cristãos ocorrerá em 3 etapas: (1) Primeiro um período de perseguição em aumento; (2) depois, um período de opressão mais longo e intensificado; e (3) finalmente, um breve período de perseguição que será abreviado abruptamente por Deus por causa de seus escolhidos (referindo-se ao Mat. 24:22). Projetou esses "tempos" do anticristo, que não são exatos, ao futuro distante, atribuindo um intervalo surpreendente de tempo de mais de 1.500 anos (da queda de Roma até nossos dias) na era da igreja. Por outro lado, reconheceu que o futuro reino do anticristo está ampliado adicionalmente por Paulo em 2 Tessalonicenses 2:4 e também em Apocalipse 13:5 e 6.7

O erudito norte-americano do Antigo Testamento, Edward J. Young, explicou Daniel 7 numa forma similar a de Aalders. Resumiu dizendo: "Dessa forma, em um quadro notável, dá-se todo o curso da história da aparição do Império Romano histórico até o fim do governo humano".8 Interpretou os "10 chifres" da quarta besta de Daniel 7 como os reinos (10 é "o número da totalidade") que "surgem historicamente do antigo Império Romano... A Europa moderna pode, em um sentido muito legítimo, ter surgido de Roma".9 Mas Young projeta o anticristo (o décimo primeiro chifre) ao futuro indefinido, quando "tratará de desgastar (consumir, afligir, humilhar) os santos do Altíssimo". "Essa tirania durará um período definido, um tempo e tempos e a metade de um tempo".10

Young rechaça a crença dispensacionalista de que os 3 ½ anos ou 1.260 dias devem equiparar-se com a última meia semana das 70 semanas de Daniel, o período da grande tribulação. Declara que a frase de tempo do Daniel "é em si mesmo uma expressão cronológica indefinida".11 Conclui dizendo: "Este período, 'um tempo, e tempos, e a metade de um tempo', aparentemente representa um período de prova e juízo que será abreviado por causa dos escolhidos de Deus (cf. Mat. 24:22)".12 Tanto Young como Aalders projetam o anticristo exclusivamente na fase final do futuro da era da igreja.

É curioso observar que o reformador João Calvino em suas populares Conferencias sobre Daniel de 1561,13 sugeriu que essa frase de tempo do Daniel 7:25 indicava 3 fases: Primeiro, um período de um tempo "algo assim como 10 anos"; depois tempos, "algo semelhante a 50 ou 100 anos", e finalmente "meio tempo", como uma indicação de que Deus coloca um limite repentino à grande aflição. Refere-se a Jesus, que havia predito um encurtamento da tribulação em Mateus 24:22. Entretanto, Calvino aplicou todos os chifres da besta do Daniel 7 a vários imperadores do Império Romano (como Júlio César, Nero e Trajano).

Em seu Commentary on Daniel, o dispensacionalista Leão J. Wood declara que "o fato de que esta besta tinha 10 chifres significa que antes desta indicação deve reconhecer-se a existência de um grande intervalo de tempo".14 Wood apoia este intervalo de tempo tão tremendo sobre a hipótese errónea de que os 10 chifres ("10 reis contemporâneos") devem ser parte de um Império Romano reavivado do futuro, "pode ser uma confederação de estados europeus", com Roma como sua cidade principal.15 Só então, diz Wood, o décimo primeiro chifre, como "a falsificação de Satanás do soberano mundial", começará a perseguir os judeus (que são os santos de Deus) por 3 ½ anos literais,16 período de tribulação que é idêntico à metade do período de 7 anos da tribulação final de Daniel 9:26 e 27. Esta opinião apenas repete a que aparece na New Scofield Reference Bible [A Nova Bíblia de referência Scofield], páginas 909 e 1362. O ponto de vista dispensacionalista está determinado por um literalismo estrito de todos os símbolos de tempo proféticos apesar do fato de que estes símbolos estão unidos a imagens simbólicas (Dan. 7; Apoc. 11-13). Também, a teoria do intervalo do futurismo está em conflito com o contínuo-histórico descrito em Daniel 2 e 7.

Abrangem os 1.260 dias Toda a Era Cristã?
Nas últimas décadas, ganhou apoio uma nova interpretação dos "1.260 dias". Afirma que por meio desta frase de tempo, João pretendeu "representar a 'experiência do deserto espiritual' da igreja durante o período entre a ressurreição e a volta de Cristo".17 Este erudito batista sustenta que João escolheu dar uma forma nova à designação do tempo de Daniel como 42 meses e 1.260 dias para simbolizar o tempo que os filhos de Israel estiveram no deserto durante 42 anos. "Os novos filhos de Israel experimentarão sua peregrinação como peregrinos por um período pitorescamente simbolizado como 42 meses".18 Ele se refere a Apocalipse 12:6 e 14.

Mas o Antigo Testamento nunca menciona 42 anos para a experiência de Israel no deserto; só fala de 40 anos. Lemos que desde o segundo mês de sua partida do Egito, "comeram os filhos de Israel maná quarenta anos, até que chegaram a terra habitada; maná comeram até que chegaram aos limites da terra de Canaã" (Êxo. 16:35; cf. Deut. 2:7; 8:2-4; 29:5; Nee. 9:21; Sal. 95:10; At. 7:36). Em nenhum lugar da Bíblia se estiram estes 40 anos a 42. Além disso, Daniel e Apocalipse não conectam os 3 ½ tempos proféticos com a idade messiânica ou com a era da igreja como tal, e sim somente com o reinado de terror do anticristo (Dan. 7:24, 25; Apoc. 13:5-8), conexão exegética que foi reconhecida pelo expositor batista George R. Beasley-Murray. Raciocina que as frases de tempo em Apocalipse 12 não devem ser separadas de seu contexto em

domingo, 12 de agosto de 2012

Apocalipse e Daniel

Entramos no livro de Apocalipse como desafiados pela curiosidade que provoca a nossa inteligência. Desde a primeira palavra “apocalypse”, surge o aviso que se agita como um segredo que vai ser revelado. É o sentido da mesma palavra “apocalypse” que vem da palavra grega apocalupto (revelar segredos). Ora este verbo é uma palavras-chave do livro de Daniel, aqui também aprece à frente da revelação profética. E este eco do livro de Daniel ecoa no Apocalipse com a intenção de reenviar o eco para o livro de Daniel. Daniel para Apocalipse e deste para Daniel.
Ou seja, o Apocalipse permanece como uma bem-aventurança que faz eco na bem-aventurança de Daniel: “Bem-aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo.” (Apocalipse 1:3)
A ligação entre o Apocalipse e Daniel é o evento da esperança:” Bem-aventurado o que espera e chega até mil trezentos e trinta e cinco dias. Tu, porém, vai até ao fim; porque descansarás, e te levantarás na tua herança, no fim dos dias.” (Daniel 12:12-13) a esperança “no fim dos dias”.
Sem hesitação o autor do livro do Apocalipse situa-se na linha de prolongamento direto da profecia de Daniel, não somente pelo titulo do livro que apresenta a primeira palavra, “apocalypse”, mas também pela primeira bem-aventurança que confirma e orienta a leitura. O livro de Daniel é sem dúvida o livro do Antigo Testamento mais utilizado no Apocalipse. Ele fala a mesma linguagem. Encontramos as mesmas visões, os mesmos temas e as mesmas lições tipológicas que progridem segundo o mesmo itinerário, os mesmos dados cronológicos expressos por vezes nos mesmos termos, a mesma perspectiva profética que cobre o mesmo período de tempo, as mesmas lições éticas, e enfim a mesma estrutura quiástica.
Torna-se importante reconhecer o mesmo ponto de partida entre os dois livros. Porque compreendemos então o sentido e como se ler o livro Apocalipse. A referencia ao livro de Daniel constitui o primeiro dado de base a partir do qual a interpretação do Apocalipse deve ser dirigida.
É importante e significativo que a bem-aventurança que introduz o Apocalipse, como a bem-aventurança com que Daniel conclui o seu livro, transporta o mesmo suspiro, a mesma respiração de esperança na espera da vinda de Deus. João não se contenta de qualificar a esperança de “feliz”. Ele descreve a sua natureza e conteúdo com os verbos: “ler”, “ouvir” e “guardar”.
O que constitui um apelo à leitura. “Feliz aquele que lê.” Porque poderíamos passar ao lado e cozinhar a felicidade com outros ingredientes. A descoberta da felicidade implica uma revelação, “um segredo revelado”, um Apocalipse. É necessário por isso esta fé, senão não se prosseguira e o livro seria reduzido a uma amálgama de sons inúteis. A natureza desta leitura traduz, forçosamente, o carácter religioso. A atenção chamado ao “ler” conjuga-se no singular: “aquele que lê”; enquanto os dois outros verbos estão no plural: “os que ouvem”, “os que guardam”. A leitura não é pois pessoal ou privada; a leitura de uma pessoa, deve ser ouvida e recebida por vários, segundo a prática litúrgica da sinagoga. É o mergulhar imediatamente na atmosfera sagrada da assembleia que transporta ao exercício da adoração.
Este carácter litúrgico não nos deve distanciar mas unir. Estas palavras são claramente definidas como uma “profecia”. O material, por mais litúrgico seja ele, não visa a emoção religiosa. A verdade que aqui é tratada é essencialmente de ordem histórica. É um acontecimento futuro. O Apocalipse não fala somente aos místicos e aos sentimentais da religião. O propósito transborda as paredes do templo. A profecia não se lê unicamente; ela deve ser ouvida. O exercício não é unicamente cultuar. A palavra profética deve ter como objectivo o estudo e a interrogação da parte daquele que a recebe. Por detrás da palavra “ouvir” subentende-se o conceito hebraico do esforço e da responsabilidade de inteligência do esforço por compreender, ao mesmo tempo que o dever de passar ao acto de viver o que se compreendeu. O Shema Israel (Escuta Israel) não se compreende como uma doce melodia que adormece, antes, desperta as emoções (ver Deuteronómio 6:4-9). Em hebraico, a palavra “ouvir” (escutar, compreender) significa igualmente “guardar” e “obedecer”.
É extamente o que diz o seguimento do verso: “e guardam as coisas que nela estão escritas;”. O horizonte da leitura é a exigência de Deus à inteligência que Ele deseja controla. Porque o que determina a escolha e a orientação, não é a opinião ou a verdade subjectiva, mas são as “coisas que estão escritas”.
O Apocalipse define-se como portador de uma verdade absoluta, de uma verdade que existe e que, nos coloca de sobreaviso contra as interpretações pessoais ou fantasiosas e a tentação pluralista, para nos obrigar à pesquisa da vontade do Soberano.

Pr. José Carlos Costa

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A MENSAGEM DO TEMPO DO FIM NA PERSPECTIVA HISTÓRICA - Apocalipse 12-14

Há gozo no descobrimento do desenho estrutural do Apocalipse de João. Este desenho oculto não pode discernir-se através do enfoque usual que disseca virtualmente o livro e o divide em partes separadas ou capítulos. O Apocalipse é uma unidade orgânica e indivisível e uma engenhosa e equilibrada composição. A beleza de suas partes e contrapartes chega a ser visível só à luz de sua estrutura total.

As primeiras seções do Apocalipse, em geral, desenvolvem-se mais completamente nas últimas. Um exemplo básico disto é a sétima trombeta de Apocalipse 11, que se reconhece amplamente como uma antecipação ou sinopse de subsequentes visões dos capítulos 12 a 20. Não se pode entender a profecia da sétima trombeta (11:15-19) adequadamente, excepto à luz das visões mais abarcantes que seguem (caps. 12-20). Portanto, nenhum capítulo do Apocalipse deve isolar-se de seu contexto como se fora uma revelação independente.

Análise Literária
A unidade central de Apocalipse 12 a 14 deve compreender-se à luz dos capítulos seguintes que esclarecem as descrições simbólicas anteriores. Por exemplo, o termo "Babilónia" ocorre pela primeira vez em Apocalipse 14:8 [na "mensagem do segundo anjo"), sem nenhuma explicação ou referência explicativa. Entretanto, os capítulos que seguem, do 16 ao 19, elaboram um pouco mais o significado de "Babilónia".

Outros exemplos são as visões do dragão vermelho com 7 cabeças e 10 chifres em Apocalipse 12 e o da besta que sobe do mar com 7 cabeças e 10 chifres em Apocalipse 13. Uma interpretação bem fundada destes símbolos requer o concurso da visão da besta escarlate com 7 cabeças e 10 chifres do capítulo 17.

Em síntese, o enfoque adequado para compreender Apocalipse 12 a 14 exige uma interpretação contextual. Para captar seu significado se necessita o contexto maior no qual se descrevem os mesmos símbolos. Este panorama mais amplo nos leva à conclusão que Apocalipse 12 a 20 constitui uma unidade estrutural que se caracteriza por uma revelação progressiva do próprio conflito entre o bem e o mal.

De uma maneira similar, o juízo de Deus sobre os perseguidores de seu povo se desenvolve gradualmente nas descrições da ira de Deus em Apocalipse 14-19. Enquanto que a mensagem do terceiro anjo nos adverte contra o derramamento vindouro da ira de Deus "sem mistura" (Apoc. 14:10, ákraton: "sem mistura, sem diluir", CI), os capítulos seguintes revelam que este derramamento final da ira de Deus consistirá nas 7 últimas pragas, "porque nelas é consumada a ira de Deus" (Apoc. 15:1; ver também 16:1-21).
Este enfoque contextual e estrutural de Apocalipse 12 a 14 é crucial para o descobrimento do significado bíblico do conceito "Armagedom" como a culminação das últimas pragas. Este método se constitui no corretor das interpretações populares, mas erróneas.

A Perspectiva Teológica
Além desta análise literária, uma compreensão da mensagem de Apocalipse 12 a 14 requer também uma perspectiva teológica. Esta investigação indaga para encontrar a conexão de cada termo e nome apocalíptico com o Antigo Testamento e com suas promessas e maldições incluídas no pacto. Mais que qualquer outro escritor do Novo Testamento, João adopta palavras e conceitos hebraicos para descrever o significado teológico da igreja de Cristo. Hoje se reconhece universalmente o estilo hebraico do Apocalipse de João. R. H. Charles demonstrou que João não usou a versão grega do Antigo Testamento (a Septuaginta ou LXX), mas sim usou o texto hebraico do Antigo Testamento para centenas de alusões que faz a Moisés e os profetas.1

O fato de que João use também passagens do Antigo Testamento em Apocalipse 12 aos 14 é essencial para a interpretação adequada desta seção chave. A frase apocalíptica: "Caiu, caiu a grande Babilónia" (Apoc. 14:8), está tirada de duas passagens proféticas fundidas que predisseram a queda do Império Neobabilónico (Isa. 21 e Jer. 51).

Tal correspondência literária demonstra que é um indicador de uma conexão tipológica entre a história de Israel e a história da igreja. Com frequência se passam por alto as consequências da tipologia bíblica, e no entanto são de uma importância decisiva. Tal relação teológica prediz não só o elevado chamado mas também o fracasso da igreja cristã. Os princípios que devem guiar o intérprete cristão estão determinados pelo evangelho de Cristo.2

Uma característica teológica adicional do Apocalipse é seu fenómeno repetido dos contrastes. João esclarece características da verdade ao contrastá-las com a falsidade. Situa o remanescente fiel do povo de Deus acima e contra seus opositores babilónicos. Babilónia aparece em completo contraste com a Nova Jerusalém, o Cordeiro está em oposição à besta, e a mulher gloriosa que aparece no céu (Apoc. 12) é contrastada com a meretriz que se senta sobre muitas águas (Apoc. 17). Nesta linguagem figurada de contraste muitos discerniram uma paródia irónica ou imitação burlesca da obra de Cristo. Este estilo serve ao propósito de criar uma antítese teológica, um método útil para definir a verdade e o engano.

Revelação Progressiva em Apocalipse 12-14
Apocalipse 12 a 14 é considerado com razão por muitos como a pedra angular ou a visão fundamental do Apocalipse. Leão Morris percebe "sete sinais significativos" em Apocalipse 12 a 14 que denomina "outra série de visões" no Apocalipse.3 Outros encontraram diferentes subdivisões ou cenas, enquanto sustentam a unidade destes capítulos, e a ideia de uma unidade fundamental nestes capítulos se fortalece se se considera nesta narração a infra-estrutura e a progressão gradual do Apocalipse para o tempo do fim.

Apocalipse 12 abrange a história total do pacto da igreja cristã. O propósito de Apocalipse 12 vai advertir os crentes cristãos contra a perseguição, encorajando-os a perseverar até ao fim. Este capítulo apresenta como sua visão primitiva a aclamação celestial de vitória sobre Satanás, combinada com a celebração da tomada de posse de Cristo como o rei legítimo do céu e da terra (vs. 7-12). Só à luz da morte vitoriosa de Cristo na cruz declaram os céus que a guerra foi ganha e que o acusador do povo de Cristo "foi expulso" (v. 10). A este respeito, Naden enfatiza corretamente o seguinte:

"Os versículos 10 e 11... constituem as palavras fundamentais do Apocalipse. No quiasmo que João apresenta, tudo o que precede vai se ampliando para esta certeza primordial, e tudo o que segue enfatiza sua veracidade e detalha como terminarão as últimas cenas do drama. Foi ganha a guerra!"4

A digressão de Apocalipse 12:7-12 contempla além da história terrestre: à origem de todo o ódio e crueldade contra a mulher que representa o povo de Deus. Revela a dimensão profunda de todas as perseguições contra os filhos de Deus, assinalando ao inimigo verdadeiro da igreja e de Cristo.

Na narração vemos como uma guerra que começou no céu instiga as guerras na terra contra o povo de Deus (Apoc. 12:7-9). Satanás iniciou uma guerra em termos judiciais no tribunal celestial contra Deus e contra seu arcanjo Miguel, o anjo guardião de Israel (Dan. 10:13, 21; 12:1; Zac. 3:1; Jud. 9). A guerra no céu contra Miguel era um tema familiar nos escritos apocalípticos judeus do tempo de João.5 Esperava-se que Miguel venceria o Belial no futuro, na batalha final pelo mundo (assim aparece na Regra de Guerra [QM 17] de Qumran).

Deste ponto de vista chega a ser muito significativo que João vê a vitória de Miguel no céu já no tempo presente, de maneira que Satanás "foi atirado para a terra, e, com ele, os seus anjos" (Apoc. 12:9). A vitória de Miguel é celebrada e atribuída agora a Cristo no hino celestial de louvor e júbilo (vs. 10-12), o que dá por sentado a identidade de Cristo e Miguel.6 Desta maneira, Apocalipse 12 prepara o cenário para o resto do livro, que em forma progressiva amplia o conflito entre Satanás e os seguidores de Cristo sobre a terra (Apoc, 13-19) até que se restaure a paz eterna do paraíso (Apoc. 20-22).

Apocalipse 13 descreve em forma gráfica os triunfos temporários do antigo dragão por meio das atividades de seus dois aliados ou agentes terrestres: a besta que sobe do mar com 10 chifres e a besta que sobe da terra, com dois chifres, o que suscita a urgente pergunta: Como se relaciona Apocalipse 13 com Apocalipse 12? A resposta é de crucial importância para entender os acontecimentos finais no livro do Apocalipse. Um autor recente sustenta que "os eventos no capítulo 13 seguem aos do capítulo 12 em ordem cronológica".7 Por conseguinte, projeta as visões de Apocalipse 13 ao futuro, conceito inovador que requer um preciso e cuidadoso exame.

A afirmação de que Apocalipse 13 segue cronologicamente depois de Apocalipse 12 se apoia sobre a hipótese de que "a história que começou no capítulo 12 continua sem interrupção no capítulo 13".8 Mas esta hipótese não está justificada. Tanto em Daniel como no Apocalipse, a sequência das visões não tenta apresentar uma ordem cronológica. A estrutura literária de ambos os livros apocalípticos revela uma pauta persistente de panoramas paralelos na história do povo do pacto. As visões de Daniel 2, 7, 8 e 11 devem entender-se como visões paralelas e progressivas, o que se confirma ao comparar as explicações de cada visão que dá o anjo interpretador.

O estilo paralelo das visões de Daniel é igualmente aparente no Apocalipse de João. A série dos selos (Apoc. 6) termina com o juízo final de Deus. A seguinte série de trombetas (Apoc. 8, 9, 11 ) abrange a era da igreja com uma ênfase progressiva sobre o tempo do fim (ver o cap. IX desta obra). A visão de Apocalipse 12, onde Cristo recebe toda a autoridade em virtude de seu sacrifício abnegado (vs. 10, 11) não pode seguir cronologicamente depois da visão da sétima trombeta em Apocalipse 11:15-18, onde se afirma que Cristo já começou a reinar. O que faz Apocalipse 12 é apresentar uma sinopse de toda a era da igreja, começando com o primeiro advento de Cristo.

As três visões dentro de Apocalipse 14 não ensinam, ao que parece, uma ordem cronológica de cumprimento. É evidente que a tríplice mensagem de Apocalipse 14:6-12 deve proclamar-se com antecedência à visão do Cordeiro com seus 144.000 seguidores vitoriosos (Apoc. 14:1-5). Por conseguinte, a visão dos 144.000 vencedores foi chamada um interlúdio, uma "cena de obrigações e certezas do tempo do fim".9 As visões de castigo em Apocalipse 15 e 16 só ampliam a visão da ceifa do mundo em Apocalipse 14:14-20, onde os justos são redimidos e os ímpios destruídos. Do mesmo modo, Apocalipse 17, que explica com mais detalhe o castigo de Babilónia (ver o v. 1), não segue cronologicamente depois de Apocalipse 16, onde Babilónia já foi destruída.
Estes exemplos devem nos alertar contra a hipótese de que Apocalipse 13 segue a Apocalipse 12 "sem interrupção". Acima de tudo, há dois indicadores de uma interrupção entre estes dois capítulos. Apocalipse 12 conclui com a declaração de João: "E se pôs em pé sobre a areia do mar" (RA; BLH: "E o dragão ficou de pé na praia" [12:18]). A NBE traduz: "E o dragão se deteve sobre a areia do mar" (12:18). A declaração de João a respeito desta nova colocação sobre a borda do mar (cf. Apoc. 12:4) explica por que o dragão podia jogar de sua boca "água como um rio" para arrastar a mulher (12:15).

A visão seguinte (Apoc. 13:1-10) revela os meios dramáticos pelos quais o dragão perseguirá os santos e blasfemará o nome de Deus. A declaração final de Apocalipse 12 também olha ao futuro a Apocalipse 13, capítulo que começa com uma nova visão: "E vi", o que revela algumas conexões importantes com a vista panorâmica que apresenta Apocalipse 12. O primeiro elo é a frase de tempo para o período de perseguição: quarenta e dois meses (Apoc. 13:5; cf. 12:6, 14). O mesmo símbolo de tempo que já se usou em Apocalipse 11 para referir-se aos períodos predeterminados de "pisar a cidade santa" (Apoc. 11:2; cf. o v. 3). Não existe nenhuma razão legítima para assumir que os símbolos de tempo equivalentes são diferentes períodos de tempo. Uma nova visão não sugere em forma automática uma sequência cronológica com a visão prévia. O contexto imediato indica se uma nova visão amplia a anterior ou continua a narração histórica. Portanto, devemos rechaçar a hipótese de que a visão de Apocalipse 13 continua a narrativa do capítulo 12 "sem interrupção".

A Guerra Contra os Santos
Um segundo indicador de que Apocalipse 12 se amplia em forma adicional em Apocalipse 13 é a correspondente guerra contra os santos que aparece em ambos os capítulos. Apocalipse 12 prediz duas guerras consecutivas contra o povo de Deus: a primeira nos versículos 6 e 14-16, e a segunda no versículo 17. A primeira guerra se caracteriza pelo período simbólico de 1.260 dias e 3 ½ tempos (vs. 6, 14), o qual estabelece uma conexão definida com Daniel 7:25. Esta conexão daniélica requer a tela de fundo da visão de longo alcance de Daniel 7. Revela que os 3 ½ tempos ou 1.260 dias de Apocalipse 12 devem reconhecer-se como um período de supremacia do chifre pequeno de Daniel 7 e não da Roma pagã. Portanto, esses 1.260 dias se referem aos séculos de escuridão da Idade Média, quando muitos milhares de pessoas foram perseguidas e martirizados pelo suposto crime de "heresia".
Apocalipse 13 começa com a visão da besta que sobe do mar, com 10 chifres, que conecta esta visão sem lugar a dúvidas com a descrição de Daniel 7. A besta do mar incorpora as 4 bestas de Daniel (Apoc. 13:1, 2), indicando com isso o progresso do tempo até as visões de João. A besta do mar exerce sua autoridade contra os santos durante "42 meses" (vs. 5-7). Estes dois característicos distintivos (a guerra contra os santos e o período de tempo) correspondem exatamente com os que aparecem em Daniel 7 e em Apocalipse 12. Portanto, devem identificar-se mutuamente.

Em Apocalipse 12, a guerra final contra os santos é denominada a guerra do dragão contra "os restantes da sua descendência, os que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus" (Apoc. 12:17). O significado desta breve declaração de guerra se amplia adicionalmente na última visão de Apocalipse 13, visão que mostra como uma besta de dois chifres subiu da terra como o segundo aliado do dragão. Esta besta terrestre exercerá sua autoridade para impor pela força a adoração da besta rediviva em todo o mundo (13:12-14). Esta visão amplia assim a guerra final contra o fiel povo remanescente de Deus (12:17). Prediz a imposição universal de uma marca especial, que é "o nome da besta ou o número de seu nome" (13:17).

A guerra final contra a igreja remanescente que apresenta Apocalipse 13:11-17 não é outra coisa senão a amplificação de Apocalipse 12:17. Esta perseguição dos seguidores de Cristo é, no momento, uma profecia não cumprida, mas sua extensão universal e seu lugar culminante na história humana coloca esta guerra religiosa como o centro da mensagem de Deus para os últimos dias tal como se acha em Apocalipse 14.

O Último Convite de Deus
A tríplice mensagem de Apocalipse 14:6-12 representa o chamado final de Deus a um mundo que se rebelou contra seu Criador, mensagem que constitui a carga central de todo o livro do Apocalipse e transmite um sinal de alerta à geração que vive no tempo do fim. Ao mesmo tempo, Apocalipse 14 contém a maldição mais espantosa que jamais se pronunciou contra os seres mortais: a ira de Deus sem mistura alguma de misericórdia (14:9-11), e a tranquilizadora segurança da presença de Cristo para os vencedores (vs. 1-5). É importante notar que a mensagem de Apocalipse 14:9-12 corresponde precisamente com a perseguição que levará a cabo a besta do mar em Apocalipse 13:15-17. Uma comparação de ambas as passagens mostra o paralelismo histórico:
Estas passagens paralelas demonstram que a tríplice mensagem de Apocalipse 14:6-12 não segue cronologicamente depois de Apocalipse 13, mas sim se refere ao mesmo período. Deus responde imediatamente para fazer frente ao desafio final de Satanás. De fato, adverte a igreja da prova final de sua fé. A visão da colheita e a colheita de uvas da terra em Apocalipse 14:14-20 segue em ordem cronológica depois do tempo da tríplice mensagem de Apocalipse 14:6-12.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O CONFLITO FINAL DE LEALDADE DO TEMPO DO FIM - Apocalipse 13

A visão das duas bestas simbólicas em Apocalipse 13 deve relacionar-se em primeiro lugar com o fluxo da história da igreja em Apocalipse 12, união que determina o lugar e a situação que cada besta ocupa na história. Como estudamos no capítulo anterior, Apocalipse 13 esboça em detalhe dois períodos de tempo que aparecem em Apocalipse 12 por meio de um paralelismo progressivo. Esta classe de recapitulação se assemelha ao estilo do livro do Daniel. Apocalipse 13 amplia em grande detalhe a guerra do dragão contra a mulher de Apocalipse 12. Vários elos entre os dois capítulos mostram sua estrutura paralela.

Apocalipse 13 mostra como o dragão trava guerra contra os santos. Empregará dois poderes mundiais religiosos como agentes a seu serviço: uma besta marítima e uma besta terrestre. Dessa forma, o dragão forma sua própria trindade, ou trindade satânica.
Existe uma união especial entre o dragão e a besta do mar, porque ambos possuem as mesmas sete cabeças e dez chifres (Apoc. 12:3; 13:1). O fato de que o dragão delegue seu poder e trono à besta do mar é uma imitação deliberada de como Deus delegou seu poder e seu trono a seu Filho, Jesus Cristo (ver 5:12, 13; 13:2). Este paralelo extraordinário caracteriza a besta marítima como o anticristo. Portanto, algumas vezes se denominou a Apocalipse 13 "o capítulo do anticristo". A fórmula de autorização que declara que a besta recebe autoridade "sobre toda tribo, povo, língua e nação" (13:4, 7, 8), pode ver-se como uma cópia irónica da autorização do Filho do Homem que recebe autoridade sobre "todos os povos, nações e línguas" em Daniel 7:14. O objetivo de ambas as investiduras de poder é receber a adoração e a lealdade de toda a humanidade (Dan. 7:14, 27; Apoc. 13:4, 8).

Descreve-se a imitação dramática da morte e ressurreição do Messias pela própria morte da besta por causa de uma "ferida mortal" e sua ressurreição e ascensão milagrosa a um domínio universal e totalitário (Apoc. 13:2, 12, 14; cf. 5:6, 9, 12; 13:8). Esta imitação de Cristo sugere a ideia de que a besta opera como uma falsificação do Cordeiro, como um falso Cristo. Sugeriu-se que os 1.260 dias de blasfémia e perseguição por parte da besta são uma paródia irónica do ministério de bênção e salvação de Cristo que também durou 3 ½ anos* ou 1.260 dias.1

A nova revelação surpreendente no capítulo 13 é a predição de um terceiro agente na conspiração satânica contra a Santa Trindade: "Vi subir da terra outra besta, e tinha dois chifres semelhantes aos de um cordeiro; e falava como o dragão" (v. 11). Depois, esta besta terrestre é denominada apenas "o falso profeta" (16:13; 19:20; 20:4). Sua tarefa consiste em servir à besta do mar enganando os moradores da terra com seus sinais e milagres (13:14, 15). Portanto, W. G. Johnsson deduz que "o terceiro membro desta trilogia satânica arremeda a obra do Espírito Santo".2 Em resumo, Apocalipse 13 faz soar o sino de alarme para a igreja de Cristo. Será enganada cada vez mais por uma conspiração genial de uma religião cristã falsificada, respaldada por milagres sobrenaturais.

Podem distinguir-se duas cenas das ameaças. A primeira fase do domínio do anticristo se caracteriza pela supremacia política e pela intolerância religiosa. A segunda fase segue depois que foi "curada" a "ferida mortal" da besta. Só então pode o "falso profeta" começar suas atividades para ajudar a recuperar para a besta sua supremacia anterior e a união da Igreja com o Estado, desta vez em uma escala universal.

A enigmática "marca da besta" chegará a ser no tempo final a prova decisiva de lealdade suprema ao anticristo, em oposição aparente ao "selo do Deus vivo" que assinala a submissão voluntária aos mandamentos de Deus (ver 13:15-17; 14:1, 12).
Dessa maneira, Apocalipse 13 forma o complemente necessário da mensagem final de admoestação de Apocalipse 14. Ambos os capítulos constituem uma unidade indestrutível, e cada capítulo só pode entender-se em conexão com seu complemento.

Laços Entre Apocalipse 13 e Daniel 7
Como Jesus fez em seu discurso profético (Mar. 13; Mat. 24), assim também João esboça o futuro da igreja com os símbolos de Daniel. João segue o estilo apocalíptico dos esboços proféticos de Daniel voltando para periodizar a história por meio de poderes mundiais sucessivos. Como nas visões de Daniel, assim também o Apocalipse avança na história dos dias de João até o próprio fim da era da igreja. Tanto Daniel como João descrevem o mesmo arqui-inimigo de Deus e de seu povo do pacto. Enquanto que Daniel representou o "chifre pequeno" como um anti Messias (Dan. 7, 8), João agora o define como o anticristo (Apoc. 13). Os eruditos bíblicos reconhecem hoje em dia "que Apocalipse 13 está modelado sobre o Daniel 7".3 No seguinte quadro podem ver-se dois exemplos disto:

APOCALIPSE 13
"Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse" (v. 7).
"Foi-lhe dada uma boca que proferia arrogâncias e blasfémias e autoridade para agir quarenta e dois meses" (v. 5).
DANIEL 7
"Eu olhava e eis que este chifre fazia guerra contra os santos e prevalecia contra eles" (v. 11).
"E os santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade de um tempo" (v. 25).

Contemplado do lugar de João na história, Apocalipse 13 ultrapassa Daniel 7 até a era da igreja por meio de uma aplicação cristocêntrica e eclesiocêntrica. O exemplo fundamental deste avanço contínuo-histórico é a constituição que forma a besta do mar em Apocalipse 13:2, a que combina característicos das quatro bestas ou impérios mundiais de Daniel 7. Este monstro composto de Apocalipse 13 indica sem lugar a equivocar-se que desde Daniel o tempo avançou.

O fato de que a besta do mar leva simultaneamente dez coroas reais sobre seus dez chifres, alude aos dez reis ou reinos que surgiriam do quarto império mundial (Roma) segundo Daniel 7:7 e 24. Esses dez diademas são o sinal deliberado que se apresenta em Apocalipse 13 para indicar que a besta do mar com os dez reis soberanos seguiu o seu curso na história além da divisão do Império Romano em 476 d.C.

Tanto a visão de Daniel 7 como a de Apocalipse 13 avançam além da Roma pagã, e o fazem para a Idade Média do cristianismo ocidental. O ponto característico da besta do mar de Apocalipse 13 é uma boca que fala "grandes coisas" [megála] e blasfémias (Apoc. 13:5, 6), e confirma assim a conclusão de que o que está em vista é o "chifre pequeno" de Daniel 7. Este chifre igualmente fala "grandes palavras" [megála] (Dan. 7:8, 11 ) contra Deus (Apoc. 13:6; Dan. 7:25). Uma comparação estreita entre Apocalipse 13 e Daniel 7 mostra que Apocalipse 13 avançou mais à frente do Império Romano antes de sua divisão. Esta progressão histórica se prediz na declaração profética: "O dragão deu- lhe [à besta] seu poder e seu trono e grande autoridade" (Apoc. 13:2).

Em Apocalipse 12 o dragão representa não só a Satanás mas também, em um sentido secundário, a Roma pagã que perseguiu o Messias e a seu povo (Apoc. 12:3-6). Em Apocalipse 13 o dragão transfere seu poder perseguidor ao sucessor da Roma pagã: Roma eclesiástica. Nesse momento na era da igreja, a besta do mar começa a desempenhar o papel do chifre pequeno de Daniel 7. Apocalipse 13 começa com a transferência do poder e de seu trono (a capital) e autoridade de Roma pagã a Roma papal (v. 2).
O outro vínculo entre o anticristo de Apocalipse 13 e o chifre jactancioso de Daniel 7 é o mesmo período de tempo profético atribuído ao domínio despótico de ambos: 3 ½ tempos são idênticos a 1.260 dias. Estes 1.260 dias equivalem a 42 meses (42 x 30 dias).

Em resumo, para identificar a besta-anticristo e seu lugar na história da igreja, é essencial colocar a profecia de tempo de longo alcance de Daniel 7 na base de Apocalipse 13.

Vínculos entre Apocalipse 13, Mateus 24 e 2 Tessalonicenses 2

Observemos alguns desenvolvimentos importantes entre Apocalipse 13 e as predições de Jesus e de Paulo. Jesus aplicou as profecias de Daniel à destruição de Jerusalém e seu templo pelos exércitos de Roma (Mat. 24:15, 16; Mar. 13:14; Luc. 21:20-24). Também alertou seus seguidores a respeito das perseguições vindouras, e a uma "grande aflição" que seria "abreviada" por meio de um ato da providência divina (Mat. 24:21, 22; Dan. 12:1). De uma maneira especial advertiu a seu povo contra os enganadores religiosos que afirmariam falsamente ser seus porta-vozes.

"Porque surgirão falsos cristos e falsos profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se possível, os próprios eleitos" (Mat. 24:24).

É obvio, a advertência profética de Cristo requer a interpretação correta de Daniel, interpretação que se especializa no tema da apostasia e da perseguição e do conhecimento das profecias messiânicas.

Paulo expõe sua compreensão do livro de Daniel com claridade suficiente em 2 Tessalonicenses 2. Afirmou que a apostasia futura do "homem da iniquidade" tinha que preceder a volta de Cristo em glória (ver 2 Tes. 2:3, CI [em gr., prótos]). Paulo caracterizou esta "apostasia" vindoura em termos de um culto religioso falso dentro do templo de Deus como tinha sido descrito em Daniel 8 e 11. Desta forma, Paulo preveniu especificamente contra a vinda do anticristo eclesiástico. Situou este enganador religioso depois do desaparecimento do Império Romano (2 Tes. 2:7, 8). E esta foi a interpretação historicista por muitos séculos.
Paulo ensinou ademais que o poder apóstata duraria até a segunda vinda de Cristo em juízo (2 Tes. 2:8). Recalcou de uma maneira especial que o anticristo enganaria as pessoas por meio de sinais sobrenaturais, que denominou adequadamente "sinais e prodígios mentirosos" (v. 9). É totalmente evidente que Apocalipse 13 é a expansão ulterior de 2 Tessalonicenses 2, já que estes capítulos apocalípticos são complementares. Quando são estudados juntos, pode identificar-se com clareza o surgimento histórico do anticristo e seu culto pseudocristão.

A Natureza Romana da Roma Eclesiástica
O sistema de Igreja-Estado medieval tratou de estabelecer o reino de Cristo por meio da imposição legal e da coerção física. Quanto a isto, a Igreja Católica Romana continuou claramente com o regime totalitário de Roma imperial. Jacques Ellul, um professor francês de Direito, expôs eficazmente a união funesta da Igreja e o Estado dos dias do imperador Constantino como a "subversão do cristianismo".4

Enquanto os dirigentes da igreja afirmavam atuar em lugar de Cristo, as "guerras santas" de sua Inquisição derramou mais sangre que a que derramou qualquer outra religião no mundo. W. E. H. Lecky, um erudito em História, fez esta denúncia: "Não pode ser absolutamente nenhum exagero dizer que a Igreja de Roma causou uma quantidade de sofrimento imerecido maior que qualquer outra religião que alguma vez tenha existido".5 Inclusive alguns teólogos católicos que chegaram a ser conscientes da natureza e extensão da perseguição por parte do Estado-Igreja medieval, estão escandalizados pela paródia das doutrinas de Cristo praticadas pelo cristianismo romano. Thomas e Gertrude Sartory passam este juízo: "Nenhuma religião no mundo (nenhuma só na história da humanidade) tem sobre sua consciência tantos milhões de pessoas que pensam de maneira diferente e acreditam em forma diferente. O cristianismo é a religião mais assassina que alguma vez tenha existido".6

O ex-jesuíta Karlheinz Deschner da Alemanha, sobre a base de material de primeira fonte, publicou vários tomos sobre a sangrenta história da igreja e o intitulou: Kriminalgeschichte des Christentums [A história criminal do cristianismo].7 Os quatro primeiros volumes demonstram a política espantosa dos governantes políticos cristãos que massacraram a seus oponentes.
Mais de mil anos de alianças e opressão ilícitas entre a Igreja e o Estado não se podem passar totalmente por alto nos prognósticos proféticos de Daniel e Apocalipse. O cumprimento contínuo-histórico das profecias de