sábado, 20 de novembro de 2010

A IGREJA DE ROMA

Como definir esta confissão religiosa, esta instituição, este colosso? Não iremos estudá-la de uma forma exaustiva, pois não é o nosso propósito. Iremos, isso sim, realçar de uma forma sintética e simples a génese deste complexo sistema religioso que criou raízes profundas, em particular, no ocidente. Segundo o nosso entendimento, esta confissão religiosa está, à luz da Bíblia, ao mesmo nível das outras suas congéneres! Enfim, só com uma única vantagem, se assim se poderá dizer! É, em termos de registo, a mais velha, pois quanto ao resto, nem mais nem menos! Apreciaremos como ela é para que nos possamos aperceber se esta tem assim tanta autoridade, a ponto de, teimosamente, continuar a catalogar tudo e todos! E, o que é mais curioso, poucos são os que ousam catalogá-la! Será por receio?! Ou porque esta não tem quaisquer elementos que a possam identificar como uma Seita, visto ser detentora da Verdade?! Tecnicamente, a confissão religiosa que não tiver, como base, as Escrituras – o Cânone – será tida, como facilmente se compreenderá, por falso e espúria!
Cabe ao leitor, à medida que formos avançando, tirar as ilações que se impõem! Esta confissão religiosa, como veremos mais abaixo, é uma verdadeira caixa de surpresas. Mas, para já permaneçamos na identificação desta confissão religiosa à qual, uma grande franja da população portuguesa, diz pertencer!

1- O Arranque
Na década de 60, mais precisamente no ano 63 a.C., o general romano Pompeu afogou, em sangue, as revoltas da Judeia e “milhares de judeus foram trazidos a Roma integrados no seu cortejo triunfal”. Como já vimos, quanto aos seguidores de Cristo, estes retiraram-se, antes da destruição do Templo e de Jerusalém, para a pequena cidade de Pella.
Daqui, depois, para o resto do mundo conhecido de então. Assim o encontramos relatado, após a morte de Jesus, por Plínio, em 112, numa epístola ao imperador Trajano. Este escreveu: “Os templos estão quase desertos (…) e a superstição não só contaminou as cidades, como se propagou às aldeias e aos campos do Ponto e da Bitínia”.
O império, à medida que o tempo ia passando, estava a ser minado por toda a espécie de males. Um destes, internamente, era sem sombra de dúvida, a religião! A implantação desta é bastante vigorosa ao ponto de inquietar o imperador Nero; este considerava-a uma traição aos deuses e, consequentemente, ao Estado, visto que “só é perseguido aquilo que ameaça”. A História da Igreja passará por algumas fases. Destas, destaquemos algumas:

1- A sua abertura aos pagãos;
2- Evangelização dentro do império romano;
3- Consolidação – lutas contra os judaisantes e as heresias.

Os cristãos eram catalogados como uma verdadeira praga, pois eram acusados de todo o tipo de crimes! Estes, em sua defesa, replicavam: “Acusais-nos de falsos incestos, enquanto vós cometeis os verdadeiros”; ou ainda, por toda e qualquer leve suspeita eram “aprisionados como cristãos, sem outro motivo de acusação”.
Por outro lado também poderiam ser culpados de ateísmo, porque se recusavam a homenagear os deuses e o império. Deles se dizia: “rebaixam os templos como se eles fossem casas de morte; rejeitam os deuses; gozam com as coisas santas. Por que se esforçam por manter escondido e secreto o seu culto? O que é honrado não teme a luz do dia e só o que é mau permanece em segredo. Por que é que não têm altares, templos ou imagens conhecidas? Mas, de onde vem esse Deus único, solitário e abandonado que não conhece nenhuma nação livre, nenhum reino? Só a miserável e insignificante raça dos judeus honra esse Deus. Um Deus fraco, aliás, visto que tanto Ele como o Seu povo estão subjugados aos deuses de Roma”. (sublinhado nosso). (Estas imagens, curiosamente, como veremos mais abaixo, só irão aparecer mais tarde), o que não deixa de ser expressivo)!
Ora, mediante este contexto que acabámos de descrever, por se estar sob uma constante suspeita, era imperioso, não só resguardar-se de todos os ataques exteriores à sua fé, como a necessidade premente de viver e partilhar esta mesma fé, através de símbolos que fossem, unicamente, conhecidos pelos aderentes, todos aqueles que tinham e partilhavam a mesma esperança - os cristãos!

a) O Peixe
Os cristãos, por terem uma religião diferente da estatal e maioritária e, por esta simples razão eram considerados como - “seita” e “praga” – indesejável! Estes tinham que encontrar qualquer escape para poderem contornar este clima de suspeição tão desfavorável à sua fé. Para manter e fortalecer aquilo em que criam, era necessário o contacto e a ligação entre eles, o cimento que os unia.
Como fazer? Como se poderiam encontrar para a partilha da fé e prestar culto a Deus sem que tal pudesse levantar quaisquer suspeitas, quer dos restantes concidadãos, quer das autoridades civis e religiosas? Era necessário encontrar um símbolo que revelasse, que contivesse tudo, mas que, ao mesmo tempo, tivesse a grande particularidade de permanecer anónimo para o exterior! Finalmente, foi encontrado um símbolo – um criptograma – que representava o Filho de Deus, um - Peixe!
A língua circulante era o grego. Ora, esta palavra, nesta língua escreve-se assim: Ichthus. Se retivermos as iniciais desta palavra, então encontraremos não somente o nome de Jesus, como também, por feliz coincidência, os títulos que, enquanto esteve no seio dos homens, foi conhecido, a saber:
• (I)êsous = Jesus
• (Ch)ristòs = Cristo
• (Th)eou = Deus
• (Y)iòs = Filho
• (S)ôter = Salvador
Neste nome, portanto, está contido tudo o quanto, nesta época, era necessário para recordar Jesus, na Sua globalidade. Assim, como podemos ver, ao juntarmos as diferentes iniciais, como dissemos, não somente formam a palavra peixe, como também se torna numa frase perfeitamente compreensível para os cristãos: Jesus Cristo Filho de Deus Salvador.

Em cima dos peixes pode ler-se:

“O Peixe dos Viventes”
1- Jesus – Salvador: Este título foi proclamado quando os anjos anunciaram o Seu nascimento, naquela noite, aos pastores que guardavam os seus rebanhos nos campos: “ Hoje na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias, Senhor” – S. Lucas 2:11. De igual modo, o título de Messias iremos encontrá-lo no teor do libelo acusatório contra Si, quando foi apresentado a Pilatos, ao dizerem: “Encontrámos este homem (…) a dizer-Se, Ele próprio, o Messias” – Lucas 23:2. (sublinhado nosso). Jesus, Filho de Deus, “este título não era somente reservado aos monarcas. Também era aplicado a todos aqueles a quem se atribuíam forças divinas” .

2- Jesus – o Senhor: Que dizer da referência a este título? Para abreviar, recordaremos somente que, nesta época, era muito perigoso chamar alguém de “Senhor”! E porquê? Porque “o título religioso de - Senhor - era aplicado às divindades dos cultos mistérios. Este culto reflectiu-se no dos imperadores e dos reis orientais. Na altura das perseguições, a simetria tornara-se antagonismo, os cristãos deveriam escolher entre o Kurios Christos (Senhor Cristo) e o Kyrios Caesar ( Senhor César).”
E o desafio era tal, que encontramos o reflexo desta escolha, que deveria ser feita publicamente, por todos aqueles que se encontravam confrontados com ela. Veja-se o que diz o apóstolo S. Paulo a este respeito: (…) esta é a palavra da fé que nós pregamos. Porque, se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e creres no teu coração que Deus O ressuscitou dos mortos, serás salvo” – Romanos 10:9. A aclamação - Jesus é o Senhor - concorria com a pretensão política-religiosa dos imperadores de serem reconhecidos como - Senhores - visto que César é Senhor (Kurios Caesar)!
Para enfrentar tal decisão, para reconhecer e dizer publicamente que: - o Senhor - não era o imperador - mas Cristo Jesus! Só algo de superior fazia com que se fizesse tal opção! S. Paulo irá admoestar e encorajar os crentes, ao dizer: “(…)… ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor, senão por influência do Espírito Santo”- I Coríntios 12:3
Jesus, ainda no seio dos Seus discípulos pode afirmá-lo sem quaisquer ambiguidades “ Vós chamais-Me Mestre e Senhor, e dizeis bem, visto que o sou” – S. João 13:13. Só que este direito “senhorial” de Jesus sobre cada um de nós deverá ser real e não faz de conta! Contra isto Jesus se insurgiu, ao dizer: “Porque me chamais de Senhor, Senhor, e não fazeis o que Eu digo?” – S. Lucas 6:46. Portanto, implica militância! Não ser cristão aparente, de fachada, mas viver à altura do que se diz ser!

3- Jesus – Salvador: Ele comportava, no tempo, uma dupla vertente: 1- Médica; 2- Social. Quanto à primeira, estava ligada ao deus da Medicina, Asclépios, que “era o «Salvador», aquele que traz a cura da doença”. Em relação à segunda, ela tem que ver com a alforria, libertação dos escravos.
Se aplicarmos estas noções à vertente espiritual, então Cristo Jesus não somente nos cura da doença do pecado que nos conduz, irremediavelmente à morte (cf. Romanos 3:23;6:23), como também nos liberta da escravatura que este mesmo pecado impõe a todos os que a ele se entregam (cf. João 8:34; Romanos 6:17,18; Tito 3:3)

Este símbolo fez o seu percurso e ainda subsiste nos nossos dias gravado na capa de algumas edições bíblicas! Acerca deste símbolo, são bastante significativas as palavras de Tertuliano (220 d.C.)! Este quando fala acerca do baptismo, associa este acto, símbolo de fé, à imagem do peixe. A este respeito diz: “Víboras, cobras, serpentes procuram, em geral, os lugares áridos, sem água; ao passo que nós, pequenos peixes, assim denominados a partir do nosso ICHTYS, Jesus Cristo, na água nascemos e nos salvamos permanecendo nela”.

b) Rotas-Sator
Vejamos um outro criptograma descoberto em Pompeia. Este é conhecido pelo – Quadro de Rotas-Sator . Muitas interpretações têm sido dadas na tentativa de se conhecer o seu real significado. Este quadro apresenta-se sob duas formas:
Estas cinco linhas estão dispostas de tal forma que podem ser lidas em todos os sentidos. À primeira vista, a significação do quadrado é obscura; talvez queira dizer: “Arepo, o semeador, velando pela sua charrua, mantém com cuidado as suas rodas”. Uma outra tradução possível: “O Deus que semeia (o evangelho) segue as esferas (o universo) com cuidado”. Arepo, talvez alusão camuflada a Deus, o que não é impossível de todo! Ora veja-se: (A)lfa – Princípio; (R)ex – Rei; (E)t; (P)ater – Pai; (O)mega - Fim. O que daria, a junção das palavras uma frase tipo: Deus Pai, Alfa e Ómega. Recordando assim quanto o próprio Deus diz a Seu respeito (cf. Isaías 41:4; 44:6;48:12).
Por outro lado, o motivo Alfa e Ómega era muito acarinhado pelos primeiros cristãos. As letras do quadrado podem ser agrupadas e formar um anagrama que nos dá um duplo Pater Noster (Pai nosso) em forma de cruz; assim como a repetição do A (Alfa) e do O (Ómega), reforçando a ideia de que Cristo crucificado é o Alfa e o Ómega da História da humanidade (Apocalipse 1:8;21:6;22:13).
Note-se ainda que o anagrama contém um T (Tau) (símbolo da cruz), entre o (A)lfa e o (Ó)mega nos lados do quadrado:
Em 1926, o alemão Felix Grosser fez este esquema por transposição anagramática e cruciforme. Verifica-se aqui, recordamos, a oração do Senhor Jesus – Pater Noster (Pai nosso) – e os símbolos do Alfa e do Ómega que são, respectivamente, a primeira e a última letra do alfabeto grego e que significam no Apocalipse “o Princípio e o Fim”, isto é a grandeza de Deus – Apocalipse 22:13.
Portanto, tal como já o dissemos, facilmente se poderá imaginar que os cristãos se tenham servido igualmente deste puzzle para testemunharem da sua fé em períodos de maior aperto e perseguição religiosa.

c) O Escândalo
Este título faz-nos recordar as palavras do apóstolo S. Paulo endereçadas aos crentes de Corinto: “nós pregamos a Cristo crucificado escândalo para os judeus e loucura para os gentios” – I Coríntios 1:23.
Por que é que os gentios não podiam crer no Cristo crucificado, sendo para eles, portanto uma loucura? A resposta, tendo em conta a mentalidade da época, é fácil de dar e, acima de tudo, de compreender. Um Deus ignominiosamente condenado e executado, seria possível crer n’Ele ou na Sua doutrina? O reflexo do peso deste acontecimento, nas mentalidades, já o vimos acima, quando contemporâneos dos cristãos dos primeiros séculos disseram: “(…) Mas, de onde vem esse Deus único, solitário e abandonado que não conhece nenhuma nação livre, nenhum reino? Só a miserável e insignificante raça dos judeus honra esse Deus. Um Deus fraco, aliás, visto que tanto Ele como o Seu povo estão subjugados aos deuses de Roma”.
Sejamos sérios! Como aceitar um Deus desta espécie e respectiva doutrina? Sejamos razoáveis e inteligentes! Mas era esta, repetimos, a mentalidade da época, a qual compreendemos perfeitamente inserida no seu preciso contexto histórico.
De igual modo, para um judeu, por seu lado, ver um dito “Messias” crucificado era, antes de mais, um insulto às suas esperanças messiânicas, de cariz meramente político. Depois, um Messias sofredor era, na época, - uma noção totalmente estranha. Nenhum judeu, no tempo de S. Paulo, teria a ideia de associar o Messias com o - Messias de dores - descrito pelo profeta Isaías no capítulo 53!
Os cristãos, apesar de sofrerem os maiores vexames públicos devido à sua fé, permaneciam inabaláveis. A História dá-nos a conhecer um caso interessante que ilustra perfeitamente bem esta determinação.
O desenho que segue foi descoberto no Monte Palatino, em Roma, na escola dos pajens imperiais. É um desenho do século III. Representa um garoto com o braço levantado ao céu numa atitude de adoração. E o que é o objecto da adoração? Um ser crucificado, tendo um corpo de homem com uma cabeça de burro! Pode-se ler o que está escrito por baixo do desenho, que diz: “Alexamenos adora o seu Deus”.
Gozam com este jovem! Mas não parece que tivesse tido grande efeito, pois outra inscrição contendo uma escritura diferente diz: “Alexamenos fiel”. Talvez, quem sabe, ou foi o próprio que o escreveu ou alguém dos colegas impressionado pela fé deste pajem.
Esta era a vivência dos primeiros cristãos; arriscavam as vidas na defesa da sua fé! Vivia-se aqui ainda o período do primeiro amor por Cristo Jesus.

d) Giuseppe Verdi (1813-1901)
Todas estas variantes para louvar Deus, de uma forma velada, fazem-nos recordar alguns acontecimentos de meados do século XIX, relacionados com as óperas deste grande compositor italiano. Certa vez, uma noite, um amigo entrega-lhe um libreto para que o musique. Este, versava o tema do cativeiro do povo de Israel em Babilónia sob o reinado de Nabucodonosor. Verdi leu-o. À medida que o ia lendo, deixava transparecer, através da música, a expressão deste povo em cativeiro.
Nesta época, curiosamente, a Itália, a exemplo de Israel, no passado, estava a ser oprimida pela Áustria! Ardia-lhe no coração a ânsia da libertação da sua própria pátria! A música, como um clarim, dava o toque do ânimo e força a um povo agrilhoado pela opressão do estrangeiro.
Assim, a ópera Nabuco, obra deste formidável compositor, triunfa no Scala e “os sentimentos nacionais que haviam explodido no Nabuco, com ardor expontâneo, eram explicitamente lisonjeados na escolha do tema. O coro do Nabuco obtinha aqui uma réplica pontual no caso dos Cruzados Lombardos, que, torturados pela sede do deserto palestiniano, sonham com os verdes prados e as doces colinas da sua terra natal”.
Ora, o que é que acontecia com os que iam à ópera para aplaudirem a ópera Nabuco? O que ali acontecia era muito simples! No fim da ópera, esta era aplaudida de pé, assim como eram dadas grandes vivas ao seu autor – VERDI. Mas quem é que estes, na realidade aplaudia? O Compositor? Claro, em certa medida!

Mas havia outra realidade escondida, camuflada entre os seus entusiastas VIVAS e aplausos! A polícia austríaca ali existente, fiscalizava todos os movimentos suspeitos! A assistência, ao se levantar, ao aplaudir o compositor e a respectiva obra, aplaudia, na realidade, outro Verdi! Um VERDI político! Ao aclamarem: - VIVA VERDI -, na realidade eles, com a mesma intensidade patriótica, saudavam o seu soberano no exílio! Vejamos como:

Assim, o povo italiano ao saudar a obra e o seu grande e talentoso compatriota, mesmo sob os olhares da polícia política, estavam a dar vivas, veladamente, ao seu soberano exilado: V (ittorio) E (manuele) R (e) d’ I (tália).

Bibliográfica:Michael Green, op. cit., p. 23
Citado por Edward Gibbon, Declínio e Queda do Império Romano, Lisboa, Ed. Círculo de Leitores, 1995, Vol. I, p. 208
A . Hamman, A Vida Quotidiana dos Primeiros Cristãos (95-197), Lisboa, Ed. Livros do Brasil, s.d., p. 13
Idem, p. 65
Cirilo Folch Gomes, OSB, Antologia dos Santos Padres, 3ª ed. Lisboa, Ed. Paulinas, 1985, p. 92
Michael Green, op. cit., p. 348, nota 53
Oscar Cullmann, Christologie du Nouveau Testament, 3ª ed., Neuchatel, Ed. Delachaux & Niestlé, 1968, p. 212
Georges Stéveny, A la Découverte du Christ, Paris, Ed.Vie et Santé, 1991, p. 195
Idem, p. 176
Oscar Cullmann, op. cit.., pp. 207,208
Cf. Visão de conjunto Michael Green, op. cit., p. 403,404, nota, 108
Cf. Oscar Cullmann, op. cit., pp. 52,55
Michael Green, op. cit., p. 209
Henri Thomas e Dana Lee Thomas, Vidas de Grandes Compositores, Lisboa, Ed. Livros do Brasil,, Colecção Vidas Célebres, nº 2, s.d., p. 225
Massimo Mila “VERDI, Giuseppe”, in Dicionário Biográfico Universal, Lisboa, Ed. Artis Bompiani, 1982, Vol. V, p. 3689

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

OS RUDIMENTOS DA IGREJA PAPAL

Imperador Trajano.
A Igreja conheceu a opressão da autoridade imperial e, como consequência, podemos, na sua História, diferenciar algumas das suas fases ao longo dos séculos II e III, a saber:
1- 90 a 140 d.C. – Período dos Pais Apostólicos. Perseguições sob o imperador Trajano (98-117).
2- 140 a 180 – Período dos primeiros Apologetas (Justino e os judeus gnósticos). Perseguição sob o imperador Marco Aurélio (161-180).
3- 180 a 220 – Período contra o gnosticismo. Reacção herética: Montanismo, Tertuliano. Reacção Ortodoxa: Ireneu. Escola catequética. Clemente de Alexandria. Perseguições sob o imperador Septímio Severo (193-211).
4- 220 a 270 – Período de reforço da autoridade clerical. Hipólito, Orígenes, Cipriano. Controvérsia antitrinitária. Perseguições sob o imperador Décio (249-251).
5- 270 a 300 – Período de paz
6- 300 a 313 – Perseguição sob Diocleciano (284-305).

A passagem do século I foi de capital importância para a história cristã. Todos os apóstolos tinham desaparecido. Aqui e ali começa a surgir uma organização flexível e progressiva. Em princípios do século II, a Igreja primitiva parecia já dividir-se em pequenos núcleos instáveis (seitas); estes, muitas vezes em luta uns contra os outros e, aparentemente, condenados a rapidamente desaparecer.
O desenvolvimento do episcopado foi, de certa forma, uma resposta a esta ameaça!
No entanto, na passagem “da organização colegial à responsabilidade episcopal, houve um tempo de flutuação, com hesitações e resistências. Certas comunidades como, Jerusalém ou Alexandria possuem, desde o começo do cristianismo, o seu bispo”. Ainda, no dizer do mesmo autor, “em Roma a fusão entre os sucessores de Pedro e o conselho dos presbíteros da cidade, não parece que se tenha efectuado sem atritos. No tempo de Clemente, a igreja romana é dirigida ainda por um conselho presbiterial, com um presidente no topo”.
É evidente que este autor, na qualidade de sacerdote, irá usar este argumento para qualificar a situação da igreja de Roma em relação às demais, ao referir que não tem um bispo, como as demais, mas sim um - “presidente”- portanto, um bispo dos bispos, ou algo parecido!
Mas, repare o leitor que este Clemente, segundo o cômputo da Igreja, foi o terceiro sucessor de Simão Barjonas, na Sé de Roma de 88 a 97. Este escreveu uma carta à Igreja de Corinto, e perante a qual certos autores afirmam que: “ao fazê-lo (Clemente) atesta a consciência do seu primado universal como sucessor de Pedro”. Mas, vejamos bem o conteúdo da dita carta para que não tiremos conclusões tão apressadas! Ao escrevê-la, em que termos o fez? Em que nome escreveu? Vejamos: “ A Igreja de Deus que peregrina em Roma, à Igreja de Deus que peregrina em Corinto (…). Clemente escreveu realmente à Igreja de Corinto, mas não em seu nome pessoal, mas em nome da Igreja de Roma! Não deixa transparecer nenhuma ideia da autoridade papal que, mais tarde, o papado reivindica e assume para si!
A discórdia entre o bispo de Roma e os cristãos da Ásia radicados em Roma, acentua-se porque estes, fiéis à tradição da sua igreja original, continuavam a celebrar a festa da Páscoa no dia próprio para o efeito – 14 de Nisan – isto é, sempre na noite de Sexta-feira para Sábado e não “na noite de sábado para o domingo, como os outros fiéis da cidade”. Este diferendo doutrinário aconteceu no tempo do Papa Victor I (189-199), o qual contribuirá para romper “com todas as Igrejas da Ásia menor, porque recusavam submeter-se à sua decisão quanto à contenda sobre a festa da Páscoa”.
Tudo apontava para que igreja situada no coração do império, gradualmente, reivindicasse para si a primazia de entre o resto da cristandade, sob a estranha nomenclatura de: sucessor de Pedro! O bispo de Roma já não se sentia um com os demais, como um par inter pares (par entre pares), mas agora como um primus inter pares (o primeiro entre pares); não muito tempo depois, o Papa Calisto I (218-223) irá invocar “pela primeira vez a autoridade de Pedro”.
A Igreja será alvo de ataques vindos do exterior pela perseguição, como também pela polémica interna. Mas, pelos seus mártires e apologetas ela sai vencedora. É atacada, sacudida pelas heresias motivadas por este ou aquele ponto doutrinário. Mas, tal como nas perseguições, ela também sai vencedora de todos os ventos de doutrina contrários.
A Igreja de Roma era a mais importante e populosa do império, pois segundo uma estimativa “os cristãos de Roma eram cerca de cinquenta mil”. A partir de Constantino tudo irá ser diferente, este imperador constituirá um verdadeiro marco de viragem na História da Igreja de Roma.
Batalha de Maxêncio contra
Constantino.
Na véspera da batalha, contra Maxêncio, na Ponte Milvio, Constantino teve uma visão. Viu uma cruz, a qual, por sua vez, era acompanhada de uma ordem: “Serás vencedor por este sinal”, mandou gravar o símbolo – Ièsous Christòs (Jesus Cristo) – no escudo dos seus soldados. Depois, seguiu-se um período de tolerância para os cristãos, culminado pelo famoso Édito de Milão, em 313. Este édito foi seguido da promoção do Evangelho a Religião do Estado! Nem mais nem menos! E com que resultado? Aquele que a História da Igreja, tristemente, o demonstrará “havia de vir a fundar, um dia, a ditadura do cristianismo e a teocracia papal”.
A gratidão da Igreja exaltou as virtudes e desculpou as fraquezas daquele que irá, tal como o referimos, instalar o cristianismo no trono do mundo romano; a partir de agora, “a salvação da gente comum era comprada por baixo preço; a ser verdade que, num só ano, doze mil homens receberam o baptismo em Roma, para além de um número correspondente de mulheres e crianças; uma veste branca, mais vinte moedas de ouro, haviam sido prometidas pelo imperador a todos os convertidos”.
O cristianismo, na grande cidade, estava a ganhar cada vez mais terreno. Era mais do que tempo para se transitar da catacumba, da opressão e vexame públicos, para uma fase mais confortável e, de preferência, em consonância com o Poder instituído. Quem diria?!
Como fazer para alcançar os bárbaros? Seria necessário uma grande evangelização em larga escala ou, para que tal fosse possível, bastaria invocar o nome do imperador, enfim, um dos nossos, para que os resultados estivessem assegurados,!
Eis como a História o refere: “A guerra e o comércio tinham propagado o conhecimento do Evangelho para lá das fronteiras das províncias romanas; e os bárbaros, que haviam desdenhado uma seita humilde e proscrita, aprenderam rapidamente a estimar uma religião que fora tão recentemente adoptada pelo maior monarca e pela nação mais civilizada do globo”. Atardemo-nos um pouquinho nesta expressão - seita! Assim era visto e chamado, este embrião de Igreja, por ser, segundo parece, diferente da religião oficial - paganismo - com todo o seu cortejo idolátrico! Este, se queria singrar na sua nova posição teria, obviamente, que ser diferente de si mesmo, do que foi até então, caso contrário continuava oposição! Gradualmente vai voltando as costas ao que sempre foi, aos princípios que o regeram, para começar a assimilar tudo e todos, para que este “tudo” e “todos” se sentissem bem no seu seio! Não é o exterior, aqueles que chegam, que mudam, que aprendem a conhecer um novo caminho, uma nova directiva para as suas vidas! Mas, por estranho que possa parecer, quem muda é o interior - a Igreja em si mesma!
Um milagre inesperado acontece: a Igreja rudimentar, tida por Seita, passa a religião oficial! E o que é que guardou da pureza do passado, isto é, tudo o quanto estava de harmonia e de acordo com o imutável evangelho? Quanto a nós: muito pouco! Diremos que nela encontramos uma doutrina para cada gosto uma verdadeira sopa de cristianismo e paganismo; não se sabendo onde termina um e começa o outro! Mais abaixo tentaremos responder a esta questão.
Nesta união, devido ao famoso édito de Milão, resultaram ganhos e perdas para a Igreja. Vejamos alguns aspectos de ambos os lados:

• Ganhos:
1- De minoria perseguida, a Igreja cristã tornou-se, subitamente, toda-poderosa.
2- O culto, era mais político do que religioso.
3- Para assegurar a supremacia era necessário chamar a si as forças omnipotentes de que só o imperador era detentor - braço secular - uso da força para fazer-se obedecer.

• Perdas:
1- Apoiada pelo Estado, a Igreja tornar-se-á, com extrema rapidez, intolerante e fanática, iniciando uma série de perseguições, imagine-se!
2- O exílio já não bastava; contra os dissidentes, mesmo cristãos, passar-se-á a usar a tortura e os suplícios. Sob o reinado de Honório (395-423), tanto a heresia como os casos de cisma eram assimilados ao crime.
3- A adesão do Estado terá de ser paga pela Igreja; o preço a pagar será a sua total submissão a este.
4- A Igreja vai-se acostumando a servir-se do - braço secular - para obter conversões!
5- Afim de aumentar o número dos seus adeptos, o cristianismo irá, a partir de agora, ganhar a confiança dos reis bárbaros e da sua corte; uma vez conseguida a adesão do chefe… o resto virá!

Portanto, se o Estado romano faz um negócio algo duvidoso, também a Igreja! Ainda que arrecadando grandes lucros materiais, veio a sofrer terríveis perdas espirituais.
Inútil será dizer que os piedosos e humildes presbíteros dos primeiros tempos, não só não podiam possuir, como teriam, provavelmente, recusado o poder e a pompa que rodeava a tiara do pontífice romano! E porquê? A resposta já acima a demos! Caso haja qualquer dúvida, bastará recordar, uma vez mais, o diálogo entre Jesus e Pilatos, pouco antes da Sua crucifixão!
Abramos um parêntesis: Em resposta a Pilatos, Jesus lhe diz a certa altura: “«O meu reino não é deste mundo». Disse-Lhe Pilatos: «Logo, tu és rei?» Jesus retorquiu: «Tu o dizes! Eu sou Rei! Para isso nasci e para isto vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz».” – S. João 18:36-37
Por outras palavras, Jesus diz a Pilatos que é rei, visto possuir um reino! Mas, diz-lhe que: “o seu reino não é daqui debaixo, não tem a mesma origem que os reinos deste mundo”! Enfim, não era da mesma qualidade que o dele - terreno e efémero! O de Jesus estava assente noutros valores; este era composto por outro tipo de cidadãos! Sabe quais, prezado leitor? Os que ouvem a Sua voz, os que são da Verdade! Não os que seguem posições honoríficas e que criam desigualdades entre o seu semelhante.
Perante este contexto, repetimos, como é que a Sua Igreja, aquela que diz ser a Sua continuidade e composta por aqueles que a seguem e que afirmam ser Seus verdadeiros seguidores o fariam? No entanto, ainda hoje fazem, curiosamente, em Seu nome! Pactuar com este mundo, com o Poder que lhe é inerente, em detrimento da Verdade! Como compreender tal postura? Nada encaixa com nada, não é verdade?
Será que ainda não estamos convencidos? Por que não recordar as tentações do Senhor Jesus no deserto, o exemplo dos exemplos?

As Tentações de Jesus:
O que é que aqui estava em causa? Nada mais do que um teste! Saber até que ponto o 2º Adão – Cristo Jesus – resistiria! Seria ele mais forte? Seria igual ou mais fraco do que o 1º Adão?! Três tentações para O testar de vez! Tentar ver o quanto Este enviado do céu vale! Assim, surge a primeira questão: Ele veio como homem ou como Deus a esta terra? Não como Deus, certamente! Porquê? Segundo, uma vez mais, o método infalível de conhecer a Bíblia, para responder a esta questão, iremos - consultá-la e compará-la!
O Novo Testamento nos diz que: “Ninguém diga, quando for tentado: «É Deus que me tenta». Deus não pode ser tentado pelo mal e não tenta ninguém” – Tiago 1:13. Ou ainda “(…) Ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, excepto no pecado” – Hebreus 4:15.
Como primeira conclusão, “se Deus não pode ser tentado” e “Ele em tudo foi provado”, isto quer dizer que, embora sendo Deus, (cf. Filipenses 2:6-8) veio a este mundo como um simples mortal, “(…) em carne semelhante à do pecado e para expiação do pecado condenou na carne o pecado” – Romanos 8:3.
Em segundo lugar, se assim não fosse, como é que Ele poderia ser, verdadeiramente, o meu e o seu representante, prezado leitor? Se estivesse imune, como nos iria compreender? Iremos realçar, muito sumariamente, neste contexto, alguns breves aspectos da teologia Lucaniana, sob influência Paulina, para melhor destacarmos as desvantagens de Jesus (2º Adão), em relação ao primeiro homem à face da terra, o (1º Adão).

• contexto: Segundo o esquema apresentado por este evangelho, no baptismo de Jesus, Deus reitera a Sua filiação, ao dizer: “Tu és o Meu Filho muito amado (…)” – S. Lucas 3:22. Na genealogia que apresenta refere que: 1- “Jesus (…) sendo filho, como se supunha, de José (…)” – v. 23; 2- Ao descrever esta mesma genealogia, por ordem decrescente, chega ao tal “princípio”, e acrescenta: “(…) Enós é filho de Set; Sete filho de Adão; e Adão de Deus” – v. 38.

Portanto, S. Lucas coloca-nos perante dois Adãos! Quanto ao primeiro, segundo o v. 38, veio directamente imaculado das mãos do seu Criador “e Adão de Deus”; Quanto ao segundo: por adopção, era “ como se supunha filho de José”! Portanto, com contactos humanos, sob influência humana – placenta de Maria - o que não foi o caso do 1º Adão! Sendo assim, estamos aptos para recordarmos que, à partida, este 2º Adão tem algumas desvantagens em relação ao 1º Adão – influência humana, como já o dissemos, e vivência pecadora – “(…) não há nenhum justo, nem um sequer” – Romanos 3:10; ou ainda “Todos pecaram e estão privados da glória de Deus” – Romanos 3.23.
Portanto, não vemos razão, à luz das Escrituras para isentar Maria, apesar de nos merecer todo o respeito, visto que – “todos pecaram (…)”, diz o texto bíblico! Mas, mais abaixo abordaremos esta problemática.

1ª Tentação: Esta articula-se a dois níveis. 1 - Para realçar a humanidade de Jesus, o texto refere que o Filho de Deus teve - fome! 2- Para recordar, por outro lado, que ali estava alguém divino: a tentação passa-se ao nível de Deus, não do homem! “Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pão” 4:3.
Este “Se”! Qual a razão para assim começar a tentação? Não esqueçamos que, nos versículos anteriores à tentação, como vimos, S. Lucas refere o baptismo de Jesus, portanto, antes do relato da tentação!
Se até ali satanás tinha qualquer dúvida acerca de quem era Jesus, ali, no baptismo, esta tinha sido esclarecida pela afirmação incontestável “Tu és o Meu Filho muito amado (…)” – S. Lucas 3:22. Assim, como podemos ver, não era a dúvida que o movia! A tentação articulava-se na tentativa de O fazer sair da condição de Deus para homem e vice-versa!
Por um lado, o Homem fazer apelo ao que existia de divino em Si mesmo – “transformar pedras em pão”; por outro, ao Divino – duvidando se Ele era realmente quem tinha sido proclamado! Eis a ocasião suprema para o demonstrar! Caso cedesse, não era Deus, mas uma marioneta que cedia aos caprichos desta entidade!
Com nenhum de nós Satanás perde o seu tempo com este tipo de tentações, não é verdade?! E porquê? Porque ele sabe, que não existe em nós, NADA, nesta área para o qual este possa apelar – qualquer poder, seja para o que for! Portanto, esta 1ª tentação é para que Jesus escape do humano para o divino “lhe sugerindo milagres estranhos à sua missão específica de Filho”. Por outro lado faz apelo ao “deus ventre” e ao “orgulho” - precisamente onde Adão e Eva caíram (cf. Génesis 3:3-7)!
Portanto, esta 1ª tentação é o inverso da de Adão e Eva. Estes foram tentados através do apetite, para saírem da condição de seres criados, logo, dependentes, e quererem ser deuses! Enquanto que a de Jesus, ao “existir na condição de Deus” – Filipenses 2:6 – visava espicaçá-lo ao uso do Seu poder, recordando-Lhe, por outras palavras: “Para quê sofreres a fome, se nada Te é vedado? Prova-me quem Tu és”!
Que faríamos nós, se tivéssemos tal poder em nós? Por exemplo: Quando somos cinturão negro em artes marciais, e, sem saberem na rua à noite, somos assaltados ou que nos interceptam, gozando connosco. Como faremos? Consentimos que gozem connosco ou, de imediato, usaremos os nossos “poderes”?
Embora noutro contexto, mas a ideia é a mesma! Convenhamos que teríamos muita dificuldade em resistir a este golpe montado só para ver se, na qualidade de mestres em artes marciais, manteríamos a calma, na adversidade! Por aqui poderemos, palidamente, compreender o que estava em causa, em Jesus! Se o escutasse, Jesus passaria da condição de Divina à humana, muito embora, paradoxalmente, a tenha consigo desde Maria! Ser sem ser – que prova, que drama!

2ª Tentação: “O diabo mostrou-Lhe, num instante todos os reinos do universo e disse-Lhe: «Dar-Te-ei todo este poderio e a sua glória» (…)” - 4:5,6. Mas, não é, precisamente, a este domínio, a esta glória que Jesus está destinado? Claro! Mas “Satanás as propõe segundo a condição que Ele consinta recebê-las de um outro deus diferente de Deus! Deus O conduz à glória pela cruz; Satanás Lha promete sem a cruz, assim como sem Deus”.
Esta 2ª tentação ataca-O no plano social e político. Não temos nós esta mesma vertente? Queremos cada vez mais, apesar de tudo isto, espiritualmente, a nada nos levar nem elevar!

3ª Tentação: “Conduziu-O a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do Templo e disse-Lhe: « se és o Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo” – v.9. Que tentação. No Templo! Onde todos O poderiam ver! Seria, finalmente, entronizado como o grande líder! Alguém que desafiava as leis da gravidade. Na hora do culto, descer do céu sustido pelos anjos, quem iria duvidar de que Ele, afinal era o Messias aguardado? Esta 3ª tentação “desenrola-se sob o plano espiritual”. Líderes, Gurus – enfim, tudo o que seja Poder! Tudo o que faça ao homem possuir o que sempre desejou – a divindade! Mas como ser, sem estar plenamente n’Aquele que disse ser o SER?

Portanto, Cristo, na Sua globalidade humana, foi tentado em todas as vertentes:
1- Escape do humano para o divino;
2- No plano social e político;
3- No plano espiritual.

Quanto a nós, esperamos ter resistido à tentação de não ter enveredado por complicadas lucubrações teológicas. O que desejámos realçar, ao fazer esta incursão no evangelho, é que em Cristo nunca existiu o menor desvio à vontade do Pai. Sempre se manteve igual a Si mesmo, à Sua solene missão – Resgatar o ser humano!
E o que foi que aconteceu com à confissão religiosa - dita Sua continuidade? Esta sempre quis o céu nesta terra! A glória e a ostentação terrenas - um soberano entre soberanos e, por vezes, muito superior! E quanto aos valores espirituais? E a Verdade, da qual ficou, diz, depositária fiel? Onde está? Nas brumas da memória, entregue ao esquecimento e ao sabor da vontade humana, para muita pena nossa! Fechemos o parêntesis.

Bibliografia:Edward Gibbon, op. cit., Vol. II, p. 503
Ibidem
Idem, p. 504
Ibidem
Ibidem
A. Hamman, op. cit., p.131
Idem, p.134
Cirilo Folch Gomes,OSB, op. cit., p.17
Clemente de Roma, 1ª Epístola aos Coríntios 1
A. Hamman, op. cit., p. 134
Geoffrey Barraclough, op. cit., p. 19
Ibidem
Cf. J. M. Nicole, op. cit., pp. 40,41
Edward Gibbon, op. cit., Vol. I, p. 210
J. M. Nicole, op. cit., p. 44; Cf. Ferdinand Lot, Fim do Mundo Antigo e o Princípio da Idade Média, Lisboa, Ed.70, 1968, p. 41
Jean Louis Schonberg, op. cit., p. 22
Edward Gibbon, op. cit., Vol. I, p. 323
Ibidem
Idem, p. 363, nota 1- “ A palavra grega – Pêgê – significava uma fonte; e os vizinhos rurais que visitavam a mesma fonte recebiam daí a designação comum de pagus e pagani. Assim, pagão e rural tornaram-se, as palavras, praticamente sinónimos. O extraordinário aumento da ordem militar trouxe a necessidade de um termo correlativo; e todas as pessoas que não se encontravam alistadas ao serviço do príncipe foram estigmatizadas com o desdenhoso epíteto de pagãos. Os cristãos eram os soldados de Cristo; os seus adversários, que recusavam o sacramento ou o juramento militar do baptismo, podiam merecer a designação metafórica de pagãos. Esta censura popular foi introduzida a partir do reinado de Valentiniano (365 d.C.), nas leis imperiais e nos escritos teológicos. O cristianismo difundiu-se, gradualmente, pelas cidades do império: a velha religião retirava-se e definhava nas aldeias obscuras; o título de pagãos foi aplicado a todos os idólatras e politeístas do velho e do novo mundo. Os cristãos latinos atribuíram-no, sem escrúpulos, aos seus inimigos mortais, os maometanos” – Cf. João J. Alves Dias e A.H. de Oliveira Marques, Do Pagus ao Paio (Notas sobre a Administração Romana em Portugal, Braga, Separata da Revista Bracara Augusta, Vol. XXXIV, Fasc. 78(91), Julho-Dezembro de 1980, pp. 3-6
Idem, pp. 53-57
André Trocmé, Jesus Cristo e a Revolução não-Violenta, Petrópolis, Editorial Vozes, 1973, p. 200, nota 8
Oscar Culmann, op. cit., p. 240
Hebert Roux, L’Evangile du Royaume, 2ª ed. Genève, Ed. Labor & Fides, 1956, p. 40
Georges Stéveny, op. cit., p. 95

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

ROMA VERSUS CONSTANTINOPLA

Conatantinopla actual Istambul
Se os cristãos tinham sido favorecidos entre 313 a 323, agora, Constantino devia ao deus das vitórias uma prova inequívoca do seu reconhecimento. Este irá demonstrá-lo através de um acto histórico, muito estranho! Irá criar uma segunda Roma, a saber: Constantinopla, no oriente!
O que levou o imperador a proceder assim? Será que queria formar uma nova cidade totalmente cristã, enquanto que a de Roma sofria de um incurável paganismo? Para o historiador “a fundação de Constantinopla é um mistério político”. Mais abaixo abordaremos alguns aspectos que esclarecem, a nosso ver, este acto incompreensível para a mente humana, enfim, um verdadeiro mistério! Mas não para a profecia bíblica!
César Augusto
Poncius Maximus
Para já, continuemos a seguir a trajectória do bispo de Roma. Assim, mercê desta reviravolta inesperada, Roma cessa de ser o bastião do paganismo, na pessoa do imperador, para se tornar, quem diria, o quartel-general do cristianismo! Como a História o revela claramente, o bispo de Roma aumenta, dia após dia, a sua importância e tomará, progressivamente, o lugar que o imperador ocupara! A “Igreja de Roma veio a apoderar-se insidiosamente do lugar antes ocupado pelo Império Romano. Na realidade, esta perpetuou-se nela. O Papa – Pontifex Maximus – veio a suceder ao César. O Papa passa a ser imperador”. Na ausência do imperador, o bispo de Roma, apodera-se também do título pagão que outrora pertenceu ao monarca romano – Sumo Pontífice, o fazedor de pontes), ligando a terra ao céu!
Se o bispo de Roma passa a ocupar o lugar do imperador, o que acontecerá, a partir desta mudança imperial, ao seu congénere de Constantinopla, cidade da nova residência do imperador? O raciocínio é elementar e, por isso, fácil! Se a Igreja irmã, a de Roma, cresceu à sombra da influência do soberano, então, agora em relação a esta segunda opção do imperador, então, certamente que acontecerá a mesma coisa! Falando clara e objectivamente, qual será, a partir de agora, a posição, entre o clero, nomeadamente, a do bispo de Constantinopla, cidade na qual vive agora o imperador? Poderá, porventura, o bispo desta manter a mesma dignidade do passado recente, ou seja, inferior ao seu colega de Roma? A resposta não se fez esperar! Assim, “O segundo concílio ecuménico de Constantinopla, em 381, decreta que o bispo desta cidade detém o primeiro lugar depois do de Roma, «porque Constantinopla é a Nova Roma», Cânone 3”.
A polémica começa a instalar-se; quem gosta de perder posição? Nem a Igreja! O bispo de Roma tudo irá fazer para chamar a si a primazia de Pedro. A rivalidade entre Roma e Bizâncio, entre a velha e a nova Roma, como acima já o referimos, fará com que “a partir do concílio de 381 em Constantinopla, o antagonismo resulta em Cânones sucessivos. O Cânone terceiro declara que Constantinopla, na qualidade de segunda Roma terá direito às honras devidas à sua posição e que o bispo de Bizâncio terá autoridade sobre Antioquia e Jerusalém, imediatamente a seguir ao bispo de Roma”. O objectivo, repetimos, era bastante claro, isto é, dar a Constantinopla uma posição inatacável, no Oriente. Depois, dá-se um passo em frente, até que, no concílio ecuménico de Calcedónia, em 451, na sua 15ª sessão, é dito que: “por diligência do imperador, foi promulgado o Cânone 28 que concedia a Constantinopla, como uma nova Roma, todas as prerrogativas da antiga”. Nesta altura o Papa era Leão I, o Grande (440-461) e, de modo algum, aceitou esta decisão Conciliar, como facilmente se compreenderá, não é verdade? Este, bispo de Roma, para contornar esta perda de poderes em favor do seu congénere, bispo de Constantinopla, irá falsificar “o 6º Cânone de Niceia ao adicionar as palavras: «Roma sempre teve a primazia»”. Apesar de tudo isto, os ventos da História iriam soprar e fazer balançar os pratos da balança a favor de Roma, ao dar-se a derrocada do império do oriente.

A Visão do Profeta
Mas, dissemos nós acima, que a escolha de Constantinopla para – segunda Roma – era, segundo os historiadores - um mistério político! Quanto a nós, gostaríamos de apresentar uma mera sugestão de resolução do problema, que se encontra, segundo cremos, nas Escrituras e na História, vejamos:
Quando S. Paulo escreve aos crentes de Tessalónica acerca da segunda vinda do Senhor Jesus e do quanto deverá acontecer antes de tal acontecimento - sinal precursor - ele escreveu, acerca do assunto, estes versículos estranhos: “ Que ninguém, de modo algum, vos engane, antes, há-de vir a apostasia e há-de manifestar-se o homem da iniquidade, o filho da perdição, o adversário, aquele que se levanta contra tudo, o que leva o nome de Deus ou o que se adora, a ponto de tomar lugar no templo de Deus e de se apresentar como se fosse Deus. (…). Agora, vós sabeis perfeitamente o que o detém, de modo que Ele só se manifestará a seu tempo (…) esperando apenas o desaparecimento daquele que o impede” – II Tessalonicenses 2:3-7.
Colocaremos em destaque, quanto a nós, os pontos mais relevantes destas estranhas revelações:
1- O apóstolo fala que, antes deste glorioso acontecimento, virá:
a) A apostasia;
b) O Filho da perdição;
c) O Adversário;
d) Leva o nome de Deus;
e) Toma o lugar no templo de Deus;
f) Apresenta-se como Deus;

2- De seguida, acrescenta:
a) Sabeis o que o detém;
b) Se manifestará a seu tempo;
c) Há um que agora resiste
d) Até que do meio seja tirado.

Que personagem ou personagens poderão preencher estes requisitos? De que tempo histórico? Do passado, do presente ou do futuro? A personagem em questão não é, pensamos, a figura histórica de Antíoco IV Epifânio, como acima o demonstrámos. No entanto, o nosso autor diz: “o conjunto só pode ter a ver com a figura de Antíoco Epifânio que derrotou exércitos humanos (…). Revoltou-se contra o próprio Príncipe dos exércitos, isto é, contra o próprio Deus. Nem devemos esquecer que se autoproclamou de Epifânes ou Epifânio, que significa aparição de Deus. Ele mesmo se autodivinizou”.
É verdade que o contexto a que pertence a citação supra, é diferente, mas o conteúdo e sentido espiritual é exactamente o mesmo! Como identificar este personagem com a segunda parte dos pontos mais relevantes acima separados, a saber: 1- Manifestar-se-á a seu tempo; 2- Espera apenas o desaparecimento daquele que o detém, que o impede? Nem com muito, mas mesmo muito boa vontade o poderemos identificar com esta personagem histórica, da qual tanto gosta o nosso autor!

A História
Mais adiante falaremos acerca das vicissitudes pelas quais passou a Igreja, ao longo da História, sob a égide do Dragão – Apocalipse 12. Por agora, limitemo-nos a abordar a relação entre o bispo de Roma e o imperador, numa determinada fase.
Como já o referimos, a Igreja de Roma não estava preparada para a brusca mudança de atitude do governo imperial, que passara da perseguição à tolerância e, mesmo até, a uma certa generosidade. O imperador pela sua posição privilegiada, sempre interferiu nos Concílios da Igreja; estes eram convocados sob a sua protecção e patronado; enfim, estas reuniões para debater certos assuntos, e dos quais nada compreendia, eram feitas à sua imagem!
É interessante analisarmos o desenrolar da História dos Concílios para nos podermos, minimamente, aperceber e compreender o desenvolvimento e apogeu do bispo de Roma. No contexto destas relações entre este último e o imperador, podemos ler o seguinte comentário: “o primeiro obstáculo ao desenvolvimento papal, dadas as novas condições administrativas era, pois, a atitude do governo imperial para com a Igreja, atitude que persistiu mesmo depois de o imperador haver abandonado o título pagão de Pontifex Maximus, em 397. A teocracia imperial atingiu o seu apogeu com Justiniano (527-565). As medidas violentas são conhecidas: a brutal deposição de Silvério (536-537), que morreu numa colónia penitenciária; a prisão de Virgílo (537-555); a elevação forçada do indigno Pelágio I (556-561) ao trono pontifício”. Ou ainda: “o tempo de Pelágio I e até 741, a dependência do papado em relação ao Estado exprime-se pela comunicação ao imperador de Constantinopla, do nome do Papa eleito, acompanhada de uma quantia considerável, equivalente a um tributo”. Será, perante o exposto que não encontramos matéria de facto para enquadrar os acontecimentos nas alíneas destacadas? Vejamos se as personagens encaixam no que acima realçámos do texto de S. Paulo. Recordemo-lo:
a) Um poder que detém e impede = Imperador Romano
b) O detido, impedido de = O bispo de Roma
c) Quando o que detém desaparecer = O poder e influência de Constantinopla devido à ruína “da cristandade oriental e à eliminação dos rivais do bispo de Roma, os patriarcas de Alexandria, Antioquia, Jerusalém e a Igreja de Cartago que eclipsara Roma”.

Moeda com o nome de Constantino - rara.
Assim, perante o exposto, pensamos que, afinal, o abandono de Roma para Constantinopla pelo imperador, poderá ser, em termos políticos e afins, um verdadeiro “mistério”, mas em termos religiosos, como nos pudemos aperceber, tudo parece bastante claro e evidente! Tudo constituiu uma espécie de porta que se abriu para que, tal como o revelam as Escrituras, quando “desaparecer aquele que o detém”, então o que “toma o lugar no templo de Deus (Igreja) e se apresenta como se fosse Deus” possa, finalmente, surgir em toda a sua força e esplendor, até certa altura, isto é, - “ao tempo da segunda vinda de Jesus” - acontecimento para o qual aponta a continuação do texto bíblico em questão!
Estaremos a ser, prezado amigo, biblistas-fundamentalistas? Estaremos a fazer um uso excessivo e abusivo dos textos, manipulando-os a nosso contento para que estes digam o que queremos? Continuamos a pensar que não! Muito embora, certamente que o nosso autor, se nos ler, dirá que sim!
Ferdinand Lot, op. cit., p. 44

Bibliografia:
Idem, p. 58
Idem, p. 268
Jean Louis Schonberg, op. cit., p. 44
Idem, p. 66
J. M. Nicole, op. cit., pp. 63,64
Joaquim Carreira das Neves, OFM, op. cit, p. 132
Geoffrey Barraclough, Os Papas na Idade Média, Lisboa, Ed. Verbo, 1972, p. 25
Idem, p. 34
Idem, p. 35