domingo, 9 de maio de 2010

A RESPOSTA DE DEUS

Daniel 8.16 – o anjo Gabriel recebe a ordem de explicar a Daniel a visão. Mas, à medida que os factos se sucediam, de repente, o profeta “caiu enfermo” – Daniel 8.27 – facto que interrompe a continuação da narrativa, para que pudesse ter sido especificado dois vectores da mesma visão, ou seja: 1- o quando; 2- o como – esta seria cumprida.
Agora, ao fim de todos estes anos, Deus irá enviar, finalmente, a explicação da visão: - “estando eu, digo, ainda falando na oração, o varão Gabriel, que eu tinha visto na minha visão ao princípio, veio voando rapidamente e tocou-me à hora do sacrifício da tarde.” – v. 21; “e me instruiu e falou comigo e disse: Daniel, agora saí para fazer-te entender o sentido” – v.22; “(…), toma pois, bem sentido na palavra e entende a visão (mar’eh)” – v. 23. (sublinhado nosso).
Quando o anjo Gabriel disse, no v. 23 “(…)entende a visão (mar’eh)”, ele não utilizou o termo visão (chazon) que se refere à visão como um todo, tal como acontece em Daniel 8.1,13;9.21. Em vez deste, ele utiliza (mar’eh), o qual é utilizado especificamente na visão dos 2.300 dias – ou seja, a única porção do texto do capítulo 8 que o profeta não consegue compreender. Anteriormente, o anjo disse ao profeta que a visão (mar’eh), dos 2.300 dias era “verdadeira” – Daniel 8.26 – mas que, apesar disso, o profeta não tinha entendido a visão (mar’eh) – v. 27, portanto a visa respeitante aos 2.300 dias.
Agora, o profeta reconhece o mensageiro de Deus como sendo aquele que tinha visto na sua “visão ao princípio”, numa clara referência à visão relatada anteriormente – cap. 8.16. Assim, as palavras do anjo dirigidas ao profeta demonstram claramente o objectivo da sua presença ali – fazer com que Daniel compreenda a visão, não uma nova, mas a continuação da que fora anunciada anteriormente. Agora é a suprema ocasião para retomar o que ficara pendente ao logo destes anos, para assim ser revelado o – quando e o como – inerentes à grande preocupação do profeta – a purificação do santuário.
A resposta à oração de Daniel, assim como às suas interrogações acerca da visão dos 2.300 dias é, efectivamente, o anúncio do Messias vindouro, ao longo de toda a profecia das 70 semanas, as quais foram concedidas à nação judaica para o cumprimento da sua missão messiânica. Este longo período de tempo é dividido em três períodos:

1- de 7 semanas (49 anos) – relativo à reconstrução de Jerusalém e à restauração do Estado judaico.
2- de 62 semanas (434 anos) – inerente à missão deste Estado judaico e à preparação para a vinda do Messias.
3- de 1 semana (sete anos) – os últimos sete anos da aliança entre Deus e o Seu povo.

Veremos, no detalhe, ao longo da exposição os factos inerentes a estas mesmas divisões desta extraordinária profecia. Na realidade, em função deste contexto, Flávio Josefo assim se expressou acerca de Daniel: - “o mais admirável que eu encontro neste grande profeta é o facto extraordinário, particular e quase incrível que ele tem sobre os outros profetas, é de ter sido, ao longo da sua vida, honrado por reis e povos e ter deixado, depois da sua morte, uma memória imortal; porque os livros que escreveu e que ainda hoje são lidos, dão-nos a conhecer que o próprio Deus lhe falou e que não somente predisse, tal como os outros profetas as coisas que deveriam de acontecer, mas ele marcou os tempos em que essas mesmas coisas ocorreriam”.

b) A explicação
- v. 24: - “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo e sobre a tua santa cidade, para extinguir a transgressão (pesha) ; dar fim aos pecados (hatah); para expiar a iniquidade (awon); trazer a justiça eterna; selar a visão e a profecia; para ungir o Santo dos santos” – v. 24.
Já referimos a manifesta intenção de colocar esta profecia (das 70 semanas) na continuação da revelação anterior, ou seja, a dos 2.300 tardes e manhãs que, recorde-se, ficou por compreender. A relação entre ambas é, de certa forma, reforçada, desde logo, pela utilização de um termo na primeira frase da profecia, ou seja, “Setenta semanas estão determinadas (chathak)” – v. 24. (sublinhado nosso). Aqui é a primeira e única vez, nas Escrituras, em que esta palavra aparece. No entanto, na literatura extra bíblica aparece com o significado de: cortar, determinar, decretar. É, portanto, o contexto, que permite escolher o melhor significado para a palavra. Tendo em conta estes elementos, na realidade, a tradução em causa, que melhor corresponde ao contexto em presença, não é a palavra “determinadas”, mas sim, para uma melhor consonância com o todo, os significados: – cortar, separar. Assim, claramente se compreende que as 70 semanas anunciadas apontam para: 1- que sejam cortadas de outro período de duração diferente e superior; 2- que o período das 70 semanas e os 2.300 tardes e manhãs têm o mesmo ponto de partida.
Dito isto, vejamos desde já o versículo 24. Este divide-se em três secções: 1- Relacionada com o povo - “Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo”. Esta situa-se no plano do homem e fala de expiação e de salvação; 2- Relacionada com a cidade santa, Jerusalém – “sobre a tua santa cidade”. Esta situa-se no espaço e na História, pois falará de construção e de destruição ; 3- Contém seis proposições – “para extinguir a transgressão (pesha) ; dar fim aos pecados (hatah); para expiar a iniquidade (awon); trazer a justiça eterna; selar a visão e a profecia; para ungir o Santo dos santos” – as quais descrevem os resultados da vida de Cristo aqui na Terra. Passemos a analisar cada uma delas:

a)- “para extinguir a transgressão (pesha)” – a palavra empregue para - transgressão (pesha), contém a conotação de: revolta, rebelião contra Deus. No passado - Jerusalém tinha sido destruída e encontrava-se em ruínas. Daniel orou para que Deus perdoasse Judá, pois o povo, como nação, tinha-se revoltado: - contra o seu suserano temporal (Babilónia) – II Reis 24.1; contra Deus – Jeremias 14.20; contra os Seus profetas a eles enviados – II Crónicas 36.15,16.
No presente - é aplicável ao sacrifício de Jesus na cruz, Ele pôs fim à quebra de relacionamento entre Deus e a humanidade – Isaías 59.1-2 - e reabilitou-nos diante de Deus.

b)- “dar fim aos pecados (hatah)” – o termo, como já vimos, contém a noção de: falhar o objectivo – fazendo alusão às faltas, em geral. O anjo Gabriel anuncia, nestes termos, que o Messias resolveria as falhas da humanidade, pois tomaria sobre Si mesmo os seus pecados – Isaías 53.1-6,11; João 1.29 - e dar-lhes-ia fim.

c)- “para expiar a iniquidade (awon)” – este termo tem a conotação de: afastar-se do caminho. Na realidade, Jesus veio não só repor este “caminho”, pois Ele próprio disse ser este mesmo Caminho – João 14.6 – como também veio trazer, através do Seu sacrifício expiatório na cruz, a resolução do problema do pecado – II Coríntios 5.19-21.

d)- “trazer a justiça eterna” – devido à queda do ser humano, a humanidade afastou-se de Deus. O Messias, segundo Gabriel, traria da parte de Deus, uma justiça que seria eterna para todos os que dela se apropriassem, por meio da fé – Romanos 3.23,25.

e)- “selar a visão e a profecia” – o sentido de “selar” é mais o de: confirmar ou ratificar. O cabal cumprimento dos oráculos e das predições dos videntes e profetas associados à primeira vinda do Messias – Gálatas 4.4 -, dá-nos, de igual modo, a certeza de que as outras partes inerentes ao restante da profecia compreendida pelos 2.300 tardes e manhãs, também se cumprirão com a mesma exactidão.

f)- “para ungir o Santo dos santos” – vejamos esta expressão sob duas vertentes: 1- “para ungir” – os templos eram ungidos quando eram inaugurados, tendo em vista a ministério sacerdotal que nele iria ter lugar – cf. Êxodo 30.22-29; 40.9-15. Esta profecia, portanto, evoca a inauguração do ministério de Cristo no santuário celeste, logo após a Sua ascensão – cf. Hebreus 8.2; 9.21-24; 2- “Santo dos santos (qodesh qodashim)” - designa, no Antigo Testamento, uma parte do santuário israelita - Êxodo 26.33,34 – isto é, a mais sagrada das três divisões. Neste compartimento, o Sumo sacerdote entrava uma única vez no ano - no Dia das Expiações -, como já o referimos, para ali espargir sobre o Kapporet, ou seja, o Propiciatório, a tampa da Arca da Aliança, no interior da qual se encontrava as tábuas da Lei de Deus – Êxodo 40.20; Deuteronómio 10.1-5 -, o sangue de um animal imolado pelos pecados do povo. Desta forma se procedia à expiação – cf. Levítico 16.

- v. 25: - “Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém, até ao Messias, o Príncipe, sete semanas e sessenta e duas semanas; as ruas e as tranqueiras se reedificarão, mas em tempos angustiosos”. Passemos à sua análise:

a)- “Sabe e entende: desde a saída da ordem para restaurar e para edificar Jerusalém” – o acontecimento aqui mencionado é de capital importância, pois aponta para o início das 70 semanas. Na realidade, a reconstrução de Jerusalém teve lugar devido a um decreto emanado de um monarca persa. Encontramo-nos, para já, perante dois problemas, a saber: 1- de que decreto se trata; 2- qual o monarca que o autorizou.
Vejamos o primeiro ponto: Jerusalém foi reconstruída na sequência de três decretos promulgados por: Ciro, Dário Histapes e Artaxerxes Longuímano. O 1º decreto, emitido em 538 a. C. por Ciro – II Crónicas 36.22,23; Esdras Esdras 1-6 – permite, facilita o regresso do cativeiro e a reconstrução do templo; o 2º decreto, emitido em 520 a. C. por Dário I, não faz mais do que confirmar o decreto anterior – Esdras 6.6-12. O 3º decreto, emitido em 457 a. C. por Artaxerxes, no 7º ano do seu reinado – Esdras 7.1,7,8,12-26. Neste, não somente o templo é visado, como também a nomeação de juízes, magistrados para administrarem a cidade (Esdras 7.24,25). Este decreto dá aos judeus a sua existência política.
Vejamos o segundo aspecto: - à luz do que pudemos ver, o decreto de Artaxerxes trata da reconstrução e restauração de Jerusalém e não simplesmente do templo. Segundo o relato de Esdras, Artaxerxes emitiu este decreto no 5º mês do 7º ano do seu reinado – Esdras 7.8. – isto é, no Outono do ano 457 a. C.
Portanto, aqui temos a data, o ponto de partida, da profecia em causa – 457 a. C.. A partir desta data que marca o início deste período de tempo, já será possível datar os restantes acontecimentos descritos nas diferentes divisões desta profecia.

b)- “até ao Messias (Ungido), o Príncipe, sete semanas; e sessenta e duas semanas; as ruas e as tranqueiras se reedificarão, mas em tempos angustiosos” – Vejamos alguns aspectos deste texto, do fim para o princípio.

1- A versão das Escrituras que usamos é a resultante da tradução massorética. Os copistas Massoretas, não reconhecendo o Messias prometido, pontuaram esta parte do texto - “sete semanas; e sessenta e duas semanas” - de acordo com o seu ponto de vista, colocando um ponto e vírgula (athnakh) no fim destas primeiras sete semanas, separando-as das seguintes sessenta e duas semanas. Assim sendo, os comentaristas ao seguirem este ponto de vista relacionam a primeira fatia de tempo (sete semanas), “com a aparição de um príncipe ungido - Ciro, - benfeitor e libertador dos judeus”, enquanto que “as sessenta e duas semanas seguintes estariam relacionadas com a reconstrução da cidade e do templo.” Mas por diversas razões técnicas tal não é possível. Assim, contrariamente ao que a tradução massorética deixa entender, os dois períodos deverão estar ligados constituindo uma única unidade, e não o contrário, apontando, desta forma, para o grande acontecimento incluído na mesma, ou seja, aparecimento de Jesus Cristo, o Messias.

2- Assim sendo, a tradução correcta do texto, não será a que contém o ponto e vírgula logo após a pequena frase:- “sete semanas” – em que o texto fica: - “sete semanas; e sessenta e duas semanas; as ruas e as tranqueiras se reedificarão, mas em tempos angustiosos”, mas sim, esta que apresentamos a seguir, em consonância com o original: - “sete semanas, e sessenta e duas semanas; as ruas e as tranqueiras se reedificarão, mas em tempos angustiosos”.
Assim sendo, profeticamente, esta porção de tempo que levaria “até ao Messias”, segundo a profecia, conteria o primeiro e segundo período da profecia, ou seja: 1º período – de 7 semanas (49 anos) – relativo à reconstrução de Jerusalém e à restauração do Estado judaico. Aplicando o princípio - Dia/Ano (Números 14.34 e Ezequiel 4.6) – então, este corresponderá a 49 anos, (7 semanas x 7 dias)., o que nos leva ao ano 408 a. C., ou seja, (457 a. C – 49). O ambiente que esta parte do versículo descreve, ou seja, ao longo destes 49 anos, é confirmado pelos textos de Esdras e de Neemias, revelando que Jerusalém foi reconstruída em tempos muitos tumultuosos devido à constante oposição e intrigas dos inimigos do povo de Deus – Esdras 4; Neemias 4.
2º período - de 62 semanas (434 anos) – inerente à missão deste Estado judaico e à preparação deste para a vinda do Messias. Aplicando o mesmo princípio de contagem de conversão do tempo profético, esta porção de tempo corresponde a 434 anos (62 semanas x 7 dias), o que, juntamente com o total do período anterior – 49 anos – leva-nos ao ano em que, historicamente, falando, ocorreu o baptismo de Jesus, no ano 27, ou seja, 457 a. C. – (434 + 49).

3- “até ao Messias (Ungido), o Príncipe” – Segundo Lucas 3.1 João iniciou o seu ministério no “ano quinze do império de Tibério César”, o que leva os especialistas a concluir que estes dados apontam, efectivamente, para o ano 27 d. C., a unção de Cristo. Recorde-se que, o Antigo Testamento atesta que - os profetas, os sacerdotes e os reis - eram ungidos quando entravam em funções – Êxodo 30.30; I Samuel 9.16; I Reis 19.16. Tal como vimos, no ano 27 d. C., ocorreu o baptismo de Jesus e ali foi ungido pelo Espírito Santo – cf. Lucas 3.21,22 – para que, desta maneira Jesus inaugurasse o Seu ministério, o qual muitos seguiram tal como é atestado por Flávio Josefo: - “Neste tempo Jesus que era um homem sábio (…) as suas obras eram admiráveis. Ele ensinava todos os que tinham prazer em aprender a verdade e foi seguido não somente por judeus como também por gentios”.
Atestando o cumprimento da profecia, logo após o Seu baptismo, Jesus foi para a província da Galileia para anunciar as boas novas do reino de Deus, dizendo: - “O tempo está cumprido” – Marcos 1.14,15. Que tempo era este? Nada mais do que o final das 69 semanas até ao Messias, preditas por Daniel.

- v. 26: - “E depois das sessenta e duas semanas será tirado o Messias e não será mais; e o povo do príncipe, que há-de vir, destruirá a cidade e o santuário, e o seu fim será como uma inundação; e até ao fim haverá guerra; estão determinadas assolações”.

1- “E depois das sessenta e duas semanas será tirado o Messias” - A violência inerente à morte do Messias é expressa pela expressão “será tirado, cortado”. O verbo aqui empregue – cortar (karat) - está, no contexto bíblico, ligado ao vocabulário da Aliança traduzido através dos sacrifícios – Génesis 15.7-18; Jeremias 34.13-18. Não seria uma morte natural mas provocada por alguém.

2- “e não será mais” – Esta afirmação deveria verificar-se, obviamente, a quando da morte do Messias, devido à rejeição da parte do Seu povo, onde, nas Escrituras podemos sentir certos ecos: a - no Antigo Testamento: Isaías 53.8; b- no Novo Testamento: - Mateus 26.56; Lucas 24.21; João 1.11.

3- “e o povo do príncipe, que há-de vir, destruirá a cidade e o santuário” - A menção deste príncipe é associada a alguém relacionado com o império romano, visto que este está relacionado com a destruição de Jerusalém pelas tropas romanas. Sabendo o que estava reservado para Jerusalém, revela o texto bíblico que Jesus chorou sobre ela dizendo: - “(…) porque dias virão sobre ti em que te cercarão (...) e não deixarão em ti pedra sobre pedra” – Lucas 19. 41.44. Ou ainda: - “Porque estes dias são de vingança, para se cumprir o que está escrito” – Lucas 21.22. Ou ainda a admoestação de Jesus, antevendo tempos difíceis para Jerusalém, ao ponto de ainda acrescentar: - “Mas ai das grávidas e das que amamentarem naqueles dias” – Mateus 24.19.
Eis o cenário previamente traçado. Na realidade, tudo o que estava escrito cumpriu-se meticulosamente. Ora vejamos:

- “Comereis a carne dos vossos filhos e comereis a carne de vossas filhas” – Levítico 26.29.

- “(…). Servirás aos teus inimigos que o Senhor enviará contra ti (…). E comerás o fruto do teu ventre, a carne de teus filhos e de tuas filhas (…). E quanto à mulher mais mimosa e delicada entre ti (…), e por causa de seus filhos que tiver; porque os comerá às escondidas pela falta de tudo, no cerco e no aperto com que o teu inimigo te apertará nas tuas portas” – Deuteronómio 28.48-57.

- “As mãos das mulheres piedosas cozeram seus próprios filhos; serviram-lhes de alimento na destruição da filha do meu povo” – Lamentações 4.10.

A este propósito, vejamos o que Flávio Josefo refere: - “(…) a sua fome fazia-os juntar, para se alimentarem, o que as mais imundas bestas espezenhariam. Comiam até o couro dos sapatos e das fivelas (…). (…). Uma senhora, chamada Maria (…) assim que se viu reduzida à miséria, a fome a devorava (…). Agarrou no filho que ainda mamava, disse: - “Não será melhor que tu morras para que me sirvas de alimento? (…). Após ter falado assim, ela matou o filho, cozeu-o e comeu um bocado e guardou o resto (…)”.

4- “e o seu fim será como uma inundação e até ao fim haverá guerra; estão determinadas assolações” – Esta imagem ilustra claramente a força do inimigo sobre a sua presa. Na verdade, desde que as muralhas da cidade de Jerusalém foram tomadas, a força inimiga penetra nela como uma verdadeira “inundação”, tal como o refere as Escrituras: - Jeremias 46.7,8; 47.2.

- v. 27 – “E ele firmará um concerto com muitos por uma semana; e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares; e sobre a asa das abominações virá o assolador, e isso até à consumação; e o que está determinado será derramado sobre o assolador”.

1- “E ele firmará um concerto com muitos por uma semana” – Eis-nos chegados à última divisão da profecia das 70 semanas, o 3º período - de 1 semana (sete anos) – fase, recorde-se, relacionada com os últimos sete anos da aliança entre Deus e o Seu povo.
De que concerto, aliança se firmará ao longo desta semana? O Messias deveria confirmar a aliança entre Deus e o Seu povo, a qual começou na data do Seu baptismo e deveria de continuar ao longo desta última semana restante mencionada neste versículo, ou seja, a que falta para que as 70 semanas se completem. Na verdade, quando lemos as primeiras páginas dos evangelhos vemos claramente a ligação de Jesus com o passado, a antiga aliança, não a abolindo mas, confirmando e amplificando-a no famoso Sermão da Montanha – Mateus 5.17-48.
Que houve ruptura, em Cristo, no Sermão da Montanha, entre o cristianismo e o judaísmo? Entre o Novo e o Antigo Testamento? Entre o Deus nos céus e Jesus na terra? Alguém dirá como resposta: - “(…), contrariamente ao que dizem a este respeito, a continuidade é maior no Sermão da Montanha”.

2- “e na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares” – O contexto aqui invocado é o dos sacrifícios, de uma forma geral. Em causa está, sem dúvida alguma, o sistema sacrifical. À luz deste versículo, não desapareceram os sacrifícios mas, o que aconteceu foi que nenhum sacrifício ritual judaico ou de outra natureza, possui qualquer significado para a salvação após a morte de Cristo. Todas estas cerimónias sacrificais apontavam para o Cordeiro que haveria de vir – prefiguravam o supremo sacrifício consentido por Cristo – e por esta razão, o sistema sacrifical tornou-se caduco. E quando é que este facto ocorreu? Exactamente no momento previamente anunciado pela profecia – “na metade da semana” – ou seja, cronologicamente falando, no ano 31 d. C.
Durante o ministério de Jesus, ao longo de três anos e meio, pregando, ensinando e curando Ele não fez mais, tal como dissemos, do que cumprir a aliança eterna. Sabia quanto tempo lhe restava em função do Seu programa. Muitas vezes e em diversos contextos dissera que “ainda não era a sua hora” – cf. João 2.4; 7.6. Mas, no que respeita ao final da Sua actividade, é expressivo, a este respeito, quando é dito: - “(…) e ninguém o prendeu, porque ainda não era chegada a sua hora” – João 8.20 (sublinhado nosso). Mas quando esse momento profético chegou, Jesus encarregou-se de lembrar aos que O vieram prender que: - “(…) esta é a vossa hora e o poder das trevas” – Lucas 22.53 (sublinhado nosso); João 12.27. Numa tradução mais literal, vejamos as palavras do apóstolo Paulo, acerca do momento da morte de Jesus: - “Estando nós ainda fracos, Cristo, no tempo marcado, foi morto pelos ímpios”, ou ainda “Com efeito, quando estávamos sem força, Cristo morreu pelos pecadores no tempo fixado por Deus” – Romanos 5.6 (sublinhado nosso).
Nada disto era estranho ou desconhecido para Jesus, pois Ele marcava o próprio tempo em que tudo deveria de ocorrer. Até mesmo no momento da sua estranha morte, pois ocorrera, inesperadamente, antes da calendarização humana e, devido a esta, repetimos, estranha ocorrência – “não lhe partiram as pernas” – João 19.32,33. Estranha, porquê? Por duas razões de peso: - 1ª – para que, tal como refere o evangelho, “se cumprisse a Escritura” - João 19.36. Na verdade, o evangelista associa Cristo ao quanto fora dito e escrito, no passado, acerca do Cordeiro Pascal “(…) nem dela quebrareis osso” – Êxodo 12.46; 2ª – a altura, o momento da Sua morte estava em consonância com o calendário divino, pois no preciso momento daquele momento trágico, Ele disse: - “Está consumado” – João 19.30. Nada foi deixado ao acaso, pois tudo aconteceu como estava programado – cf. Salmo 22.1,16,18; 69.20,21 etc.
Curiosamente, logo após, algo de extraordinário aconteceu no templo de Jerusalém, tal como é relatado pelas escrituras: - “Eis que o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo (…)” – Mateus 27.51. Qual o seu real significado? A este propósito podemos ver os seguintes comentários: - “Mão de homem nele não tocou. Este véu que separava o lugar santo do lugar santíssimo (onde estava a Arca do Concerto) e onde somente o sumo sacerdote entrava uma vez por ano para oferecer o sacrifício, no dia da expiação, aspergindo sobre a Arca do Concerto, o Propiciatório (que era a tampa que cobria a Arca) o sangue do sacrifício – Levítico 16.12,15; Hebreus 9.7. (…). Era a hora nona, isto é, 15 horas da tarde, exactamente a hora em que Jesus expirou. O sacerdote estava queimando o incenso odorífero no lugar santo, em frente ao véu, e o povo, mais atrás, naquele momento, adorando e adorando. Inesperadamente, rasga-se o véu diante dos seus olhos! (…). Podemos imaginar o espanto que se apoderou da multidão ao contemplar, estarrecida, diante dos seus olhos, a Arca de Deus, que o povo não podia ver”. E ainda: - “Até então o santíssimo fora guardado impenetrável. Mas agora, achava-se exposto aos olhares de todos. O pesado véu de tapeçaria, feito de puro linho e belamente trabalhado em ouro, escarlate e púrpura, fora rasgado de alto a baixo. O lugar em que Jeová Se encontrava com o sumo sacerdote, para comunicar a Sua glória (…) não mais era reconhecido pelo Senhor”.
E, tal como revela a profecia, “na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares”, ou seja, como já vimos, não só o Messias seria morto no meio desta semana, isto é, no ano 31 d. C., como também esta morte faria rasgar, sem qualquer mão humana, o pesado véu do templo, simbolizando este acontecimento, a substituição dos sacrifícios repetitivos oferecidos no templo por um sacrifício único, este oferecido uma vez por todas, o que é confirmado pelas Escrituras – “(…). Tira o primeiro, para estabelecer o segundo” – Hebreus 10.9. Portanto, este sacrifício proclamou a nulidade do sistema sacrifical judaico até então praticado.
Agora restava a 2ª metade da última semana, ou seja, três anos e meio, para que se complete o ciclo das 70 semanas. Durante este tempo os discípulos pregaram com grande fervor esta pregação em Jerusalém e muitos a aceitaram – cf. Actos 6.7. No fim desta última semana profética, Estêvão foi convocado para comparecer no Sinédrio porque o que ensinava acerca de Jesus, como o Messias, incomodava a religião devidamente instalado e com grandes privilégios, pois “não podiam resistir à sabedoria e ao espírito com que falava” – Actos 6.10.
Este foi sentenciado, os seus algozes “expulsando-o da cidade o apedrejavam. (…)E pondo-se de joelhos, clamou com grande voz: Senhor, não lhes imputes este pecado. E, tendo dito isto, adormeceu” – Actos 7.58-60. Estêvão foi o primeiro mártir cristão. Este trágico acontecimento é corresponde ao ano 34 d. C. Na contagem das 70 semanas a partir de 457 a. C., os últimos três anos e meio da septuagésima semana terminam, efectivamente, no ano 34 da nossa era.
Portanto, a rejeição de Cristo pelos judeus, simbolizada pelo apedrejamento de Estêvão, fez com que a proclamação do evangelho se direccionasse para o mundo não judeu – O Israel de Deus – Gálatas 6.16; 2.9; Romanos 9.25.

3- “e sobre a asa das abominações virá o assolador, e isso até à consumação; e o que está determinado será derramado sobre o assolador” - O livro de Daniel refere três vezes as expressões - “abominação da desolação” – Daniel 9.27; 11.31; 1.11. Acerca deste tema -“abominação da desolação” - os comentaristas, como vimos desde o início deste comentário a Daniel, consideram-no já cumprido na pessoa do rei Antíoco Epifânio. Assim, ao comentarem esta citação do profeta Daniel feita pelo Senhor Jesus – Mateus 24.15 - dizem que o Mestre - “refere-se com toda a certeza à estátua do Zeus Olimpo que Antíoco Epifânio mandou colocar no Templo de Jerusalém – cf. II Macabeus 6.29” (sublinhado nosso) - ou ainda “(…) certamente o autor do livro de Daniel se refere à devastação realizada por Antío Epifânio IV, no tempo dos Macabeus”. (sublinhado nosso). Note a forma dúbia como se expressam!
Abramos aqui um parêntesis: - como já vimos, este rei - Antíoco Epifânio IV – nada tem que ver com a profecia de Daniel. Comparemos o comentário acima com as palavras de Jesus:
Tal como o referimos, Jesus, no Seu grande discurso escatológico, dá a interpretação deste texto de Daniel - Daniel 9.27. Vejamos em que termos o Mestre responde a uma pergunta sobre a magnificência do templo de Jerusalém e acerca dos sinais precursores da Sua vinda:

a) “Vês estes grandes edifícios? Não ficará pedra sobre pedra que não seja derribada. (…). Ora, quando virdes a abominação do assolamento, que foi predito, estar onde não deve estar (…), então os que estiverem na Judeia fujam para os montes” – Marcos 13.2,9
b) “Aproximaram-se dele os seus discípulos para lhe mostrarem a estrutura do templo. Jesus, porém, lhes disse: Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada. (…) e que sinal haverá da tua vinda (…). Quando, pois, virdes que a abominação da desolação de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo (…). Então, os que estiverem na Judeia fujam para os montes” - Mateus 24.1-3,15,16.
c) “E dizendo alguns a respeito do templo, que estava ornado de Formosas pedras e dádivas, disse: Quanto a estas coisas que vedes, dias virão em que se não deixará pedra sobre pedra, que não seja derribada. (…). Mas quando virdes Jerusalém cercada de exércitos, sabei então que é chegada a sua desolação” – Lucas 21.5,6,20.

Jesus não disse ou deu a entender que os acontecimentos dos quais falava se referiam ao passado e ao futuro, em relação àquele preciso momento, tal como pretendem os comentadores, recorde-se, ao dizerem que a - “abominação da desolação” – tem que ver, unicamente, com a colocação, no templo de Jerusalém, da “estátua do Zeus Olimpo” por Antíoco Epifânio, cerca do ano 175 a. C.! Aquelas palavras apontavam para acontecimentos ainda no futuro – a destruição do templo pelos Romanos, no ano 70 d. C.
Mas, se no momento em que Cristo fala e tendo estas palavras sido cumpridas no tempo de Antíoco Epifânio (175 a. C. -163 a. C.), será que a causa da abominação, ou seja, a tal estátua, ainda existiria naquele lugar a profaná-lo? Que sentido faria Jesus, referir-se a ela, dizendo: - “Quando, pois, virdes que a abominação da desolação” – Mateus 24,15 – se a causa da tal abominação, na época, já não existia, ou seja – a estátua?
Pois para estar em consonância com o que os comentaristas pretendem que tenha ocorrido, Jesus deveria ter falado com verbos conjugados no passado ou no presente, ou seja: - “o que vê a abominação da desolação de que falou o profeta Daniel, está no lugar santo, (a tal estátua), então (…)”! Mas, contrariamente ao que afirmar, Jesus emprega os tempos verbais no futuro, e não no passado ou presente! Fechando o parêntesis.
No entanto, se aplicarmos a advertência de Jesus à futura invasão e destruição do templo pelo poderio militar romano, então tudo se clarifica.

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