domingo, 18 de julho de 2010

SIMÃO EM ROMA

Não somente a época da chegada de Pedro a Roma é controversa, como também se põe em dúvida a sua presença na capital do Império. Será que poderemos saber em que altura é que o apóstolo foi para Roma? Vejamos:

a) S. Jerónimo (374-420)
Este, fazendo eco de uma tradição que circulava, declarou que Simão Barjonas foi para Roma “(…) no segundo ano do imperador Cláudio e que ali esteve vinte e cinco anos até ao seu martírio no reinado de Nero”.
Ora se se aceita que a morte de Simão Petros ocorreu no ano 67 e se subtrairmos a esta data os tais 25 anos de pontificado, então quer dizer que encontramos a data da chegada do apóstolo a Roma, isto é, por volta do ano 42!

b) Tumultos em Roma
Recordaremos os acontecimentos graves e dolorosos passados em Roma. Sob o reinado de Cláudio os judeus foram alvo de uma violenta perseguição por causa de uns motins “instigados por um tal Crestus (…)”. As consequências destes acontecimentos são relatadas no livro dos Actos dos Apóstolos, desta maneira: “Paulo foi para Corinto e ali encontrou um judeu chamado Áquila (…) recentemente chegado de Itália com Priscila, sua mulher, porque um édito de Cláudio ordenara que todos os judeus se afastassem de Roma” – Actos 18:1,2.
O apóstolo S. Paulo ao escrever a epístola aos Romanos, estava bastante bem informado acerca dos crentes de Roma e, certamente, que este casal foi a sua grande fonte de informação. Este édito imperial foi “promulgado, provavelmente, no ano 49”; portanto, segundo os Pais da Igreja, Simão Petros já lá se encontrava no exercício do seu dito pontificado, desde o ano 42!
Uma vez mais, prezado leitor, o nome dos crentes Áquila e Priscila, são mencionados, mas… e o do Simão Petros? Qual o motivo desta lacuna em não se mencionar o seu nome, e logo de um pontífice!? Aconteceu, das duas uma. 1- Ou Simão Petros nunca lá esteve, pelo menos nesta altura; 2- Ou fugiu, cobardemente – o que nos recusamos a acreditar! Assim, sendo, como facilmente se compreenderá, nos enclinamos para a 1ª hipótese. Portanto, neste ano de 42 não existe qualquer vestígio de um pontificado em Roma exercido por Simão Petros!

c) A Epístola aos Romanos
Esta epístola foi escrita no ano 55/56. Assim, se tivermos em conta a data proposta pela Tradição, então Simão Petros, há cerca de 14 anos que já se encontrava em Roma, visto que, ali se encontraria desde o ano 42 na capital do Império a exercer o seu ministério à frente da Igreja existente ali!
Perguntamos: que se diria de um bispo ou arcebispo, que escrevesse directamente uma carta aos fiéis de uma Igreja de outra diocese e que, nesta, ignorasse a existência do seu condutor espiritual local? Se isto acontecesse com o prezado leitor, certamente que ficaria sentido e triste, não é verdade? Até porque… quem gosta de ser ignorado? No entanto, a ser verdade a data de 42, parece ter sido isto mesmo o que aconteceu a Simão Petros, caso ele ali tivesse estado a exercer o seu ministério, em Roma!
Este cenário, prezado leitor, é o que podemos imaginar quando lemos a dedicatória do primeiro capítulo da carta de S. Paulo aos crentes de Roma! Vejamos o texto: “Na verdade, desejo-vos ver, para vos comunicar alguma graça espiritual, a fim de vos fortalecer (…). Daí o empenho que há em mim de vos anunciar também o Evangelho, a vós que estais em Roma” – Romanos 1:11-15.
Perante esta dedicatória, a resposta que esta deveria merecer da parte dos crentes da Igreja de Roma, só deveria de ser UMA! Numa possível troca de correspondência, S. Paulo deveria ser recordado que, no mínimo foi INDELICADO! Esquecer-se de um princípio básico de ética, ou seja, ter negligenciado mencionar o nome do colega de ministério, ali residente! Ou ainda, hipoteticamente, esta surpresa dos crentes de Roma poderia ser expressa assim: - Mas Paulo, esqueces que o evangelho já nos foi anunciado no passado recente e, ainda por cima, pelo não menos famoso Simão Petros?
E quanto aos dons “espirituais capazes de nos fortalecer”, como tu dizes Paulo, quem está melhor colocado para o fazer do que o representante de Jesus na terra? Ignoras, porventura, este alto privilégio de o termos connosco desde há cerca de 14 anos a esta parte à frente da nossa Igreja, assim como, daqui liderando as demais à volta do mundo? Claro que estamos a imaginar esta resposta dos crentes de Roma à carta de S. Paulo! Mas, a ser verdade como quem a todo o custo quer que o seja, poderia, porventura, tudo acontecer muito diferente do quanto dissemos até aqui? Continuamos a pensar que não!
Mas, recordando o texto acima citado, nos apercebemos que, aqueles a quem Paulo se dirige têm necessidade urgente, não somente em adquirir um conhecimento espiritual mais aprofundado, como também em ser esclarecidos nas verdades, as mais elementares da fé cristã. O conteúdo desta epístola o prova, visto que nela o apóstolo Paulo envia avisos, conselhos, exortações de ordem prática. Todas estas coisas demonstram a evidência de que a Igreja de Roma ainda estava privada de certas directivas, que lhe faltava luz e instrução que só um apóstolo a poderia dar!
Como se isto ainda não fosse suficiente para demonstrar que Simão Petros ali não se encontrava ali, tal como é dito, desde o ano 42, vejamos ainda algo de mais estranho! Esta epístola contém, caso único no género, quase um capítulo inteiro só de saudações! Um após outro, todos os missionários vindos a Roma plantar em pleno coração do paganismo a bandeira do evangelho e, até, alguns dos convertidos, ali são mencionados. Ao todo são vinte e quatro mais ou menos conhecidos. Com palavras de extrema cortesia e de afecto, o apóstolo admiravelmente informado, talvez, como dissemos, por Áquila e Priscila; embora não conhecesse a maior parte, mesmo assim dirige a cada um uma homenagem fraternal.
Já viu, prezado leitor, o capítulo 16 desta epístola, contém 27 versículos e, entre tantos nomes só um nome não é mencionado… o do apóstolo Simão Petros! Que falta de consideração pela coluna da Igreja de Deus, que falta de respeito! Será, amigo leitor, que estamos a ser parciais ou tratar com certa leviandade e ligeireza os textos apresentados? Será que estamos a ser duros ao dizer que Simão Petros não esteve em Roma em 49 – data do édito de Cláudio - e que, à data da epístola, em 55/56, também não estava lá, tendo em conta a omissão do seu nome nas respectivas saudações, como vimos!
Não dizemos que Simão Petros nunca esteve em Roma, em termos de pontificado, mas afirmamos que, pelo menos, nas datas propostas esteve ausente de Roma! Choca-o, prezado leitor, a realidade e a dureza dos factos históricos? Sabe, isto acontece sempre, cada vez que confrontamos teorias humanas que queremos que colem com a realidade histórica, neste caso, bíblica!
Queremos recordar aqui, uma vez mais, que é na qualidade de historiadores que estamos a escrever este livro. Assim, para o historiador “A sua única habilidade consiste em tirar dos documentos tudo o que eles contêm e nada acrescentar ao que neles não esteja contido. O melhor historiador é o que se mantém mais perto dos textos, que os interpreta com mais correcção, que só escreve e pensa segundo eles”. Por esta razão é que queremos ser o mais fiéis possível ao texto, ao documento, às provas. Não podemos inventar!
Reconhecemos que, por vezes, para que tudo aconteça como desejávamos que tivesse acontecido, alguns dão uma certa “mãozinha” aos factos ou aos escritos do passado! Só que este procedimento não é correcto nem académico! É para estes que a Palavra admoesta “(…) não procedemos com astúcia, nem adulteramos a palavra de Deus” – II Coríntios 4:2 Quanto a nós, prezado e amigo leitor, queremos permanecer ao lado da pura verdade e não das meras suposições, enfim, “numa palavra, as causas, em história como de resto em qualquer outro domínio, não se postulam. Investigam-se”! Que solene verdade, que tremenda e pesada responsabilidade!
Bibliografia:
Introdução ao Tratado sobre a Trindade, Livro 2.23
Homilias do Evangelho S. Mateus, Homilia 82.3 (S. Mateus 26:26-28)
Homilias do Evangelho S. João, Homilia 21.1 (S. João 1:49,50)
Comentário ao Evangelho de S. João, Tratado 124.5 (S. João 21:19-25)
Epístolas, Livro IV, Epístola 38
Vidas de Homens Ilustres, cap. 1
B. Hemelsoet “Pedro” in A. Van Den Born, Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Col. 1172
J. A. Thompson, op. cit., p. 276
A. Van Der Born “Cláudio” in A. Van Den Born, Dicionário Enciclopédico da Bíblia, Col. 277
Gunther Bornkamm, Paul, Apôtre de Jésus-Christ, Genève, Ed. Labor et Fides, 1971, p. 139
Jacques Le Goff “História” in Enciclopédia Einaudi - Memória-História, p. 219

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