quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O Apóstolo Paulo e as Profecias de Daniel


O esboço apocalíptico da história da igreja que Paulo apresenta em 2 Tessalonicenses 2 cumpre um propósito similar ao que cumpre Mateus 24 (e paralelos) nos Evangelhos. Não há uma predição mais explícita a respeito da era da igreja no Novo Testamento. É estranho, mas a maioria dos comentadores entende que este capítulo é uma passagem escura nos escritos paulinos.

Em geral se reconhece que o apóstolo em 2 Tessalonicenses 2 tem como propósito dar conselho pastoral para seus dias, a mesma finalidade que teve Cristo ao pronunciar seu discurso profético. Por conseguinte, devemos supor que as frases que Paulo usa aqui não eram desconhecidas para os leitores cristãos a quem dirigiu sua carta ao redor de 50 d.C.
 
Muitos acreditam que a segunda epístola do apóstolo aos Tessalonicenses foi escrita para rebater um mal-entendido que tiveram alguns membros da igreja com sua primeira carta: que o dia do Senhor viria em forma repentina "como ladrão de noite" (1 Tes. 5:2, 4), e que Paulo e outros poderiam estar "ainda vivos" quando retornasse o Senhor (4:15).
 
Evidentemente, alguns tinham suposto que o dia do Senhor "já tinha chegado" ou que ia acontecer em qualquer momento (2 Tes. 2:2). Esta ideia injustificada de uma expectativa iminente tinha levado alguns membros a converter-se em ociosos ou a entusiasmar-se e desordenar-se excessivamente (2 Tes. 3:6-15).
 
Paulo trata de corrigir o engano desta expectativa – que o dia do Senhor podia ocorrer em qualquer momento –, e deduz seu argumento do esboço apocalíptico do Daniel. Na opinião de Paulo, para fazer frente ao engano de uma esperança desencaminhada era essencial conhecer a ordem consecutiva de dois acontecimentos fundamentais na história da igreja, e esses dois eventos proféticos, em ordem cronológica, são: a vinda do anticristo e a vinda de Cristo. Primeiro, "a apostasia" [e apostasia] deve manifestar-se no "homem de iniquidade" [o ánthropos tes anomias] até "sentar-se ele mesmo no templo de Deus" [éis ton naón tou theú kathísai], acompanhado por "sinais e prodígios de mentira" (2 Tes. 2:3, 4, 9, JS). Só então o Senhor se revelará e destruirá o iníquo (2 Tes. 2:8).

A advertência de Paulo se enfoca no surgimento da apostasia dentro do templo de Deus durante a era da igreja, quer dizer, dentro da igreja como uma instituição (ver 2 Cor. 6:16-18; 1 Cor. 3:16; Ef. 2:19-21). Seu ponto de vista é que esta apostasia vindoura, profetizada por Daniel, não se tinha desenvolvido como um fenómeno público na igreja apostólica, mesmo que o mistério da iniquidade "estava já em ação" (2 Tes. 2:7). Por conseguinte, o dia do Senhor não podia ter chegado nem podia esperar-se no futuro imediato.

Paulo empregou seu conhecimento apocalíptico sobre o futuro da história da igreja para corrigir um apocalipticismo extremo na igreja apostólica. O uso que o apóstolo fez do livro de Daniel como a fonte de seu esboço profético de história da igreja, faz que 2 Tessalonicenses 2 seja outro elo indispensável entre os livros de Daniel e Apocalipse.

O Enfoque Contínuo-Histórico em Daniel
Daniel profetiza o reinado de 4 impérios mundiais sucessivos em duas ocasiões (caps. 2 e 7). O anjo interpretador os identifica como Babilónia, Medo-Persa e Grécia (ver Dan. 2:38; 8:20, 21), e aponta Roma em Daniel 9:26 e 27. O ponto crítico na visão de Daniel, que necessita que se preste cuidadosa atenção, é a revelação de que a quarta besta (ou império) tem 10 chifres, dentre os quais surge lentamente um décimo primeiro "chifre pequeno" para converter-se no anticristo. O anjo interpretador explica isto de uma maneira mais precisa:
 
"Os dez chifres correspondem a dez reis que se levantarão daquele mesmo reino; e, depois deles, se levantará outro, o qual será diferente dos primeiros, e abaterá a três reis. Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do Altíssimo e cuidará em mudar os tempos e a lei; e os santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade de um tempo. Mas, depois, se assentará o tribunal para lhe tirar o domínio, para o destruir e o consumir até ao fim tempo, e tempos, e meio tempo" (Dan. 7:24-26).
 
O anjo não diz que o 4° império (Roma) estaria regido por 10 reis contemporâneos, porque isso estaria contra a história de Roma. Antes, a declaração do anjo é que "deste" império mundial sairiam 10 reis que reinariam em forma contemporânea. Esta ordem de eventos, a substituição do Império
Romano pelos reinos divididos da Europa, também foi profetizada pelo sonho da estátua de Nabucodonosor: "O que viste dos pés e os dedos, em parte de barro cozido de oleiro e em parte de ferro, será um reino dividido" (Dan. 2:41).

Os reino dos 10 reis substituíram gradualmente o Império Romano e durarão até que o reino da glória os substitua no dia do juízo (Dan. 2:44, 45; 7:26, 27). Dessa forma, Daniel 2 e 7 incluem todo o espectro da infeliz Idade Média dentro de sua esfera profética. Ignorar esse intervalo de tempo de tantos séculos na perspectiva profética de Daniel é o descuido fundamental de dois sistemas dogmáticos de interpretação: o preterismo e o futurismo. Ambas as escolas de interpretação criam um intervalo injustificado de mais de 1.500 anos na história profética de Daniel, como se a Idade Média, caracterizada pelo surgimento do reino papal entre os dez reis da Europa, não fora pertinente na perspectiva que Deus tem da história. Os símbolos do Daniel devem interpretar-se em harmonia com a história, em particular com a história eclesiástica. A profecia fica confirmada por seu cumprimento (João 14:29).
 
Em seu discurso profético, Cristo aparentemente tomou a futura história da igreja com uma seriedade inconfundível. É essencial para a escatologia cristã reconhecer que Cristo interpretou a destruição de Jerusalém por parte dos exércitos romanos como o cumprimento das profecias do Daniel (ver Mat. 24:15; Luc. 21:20-24). Isto confirma a opinião que diz que a quarta besta de Daniel 7 representa a Roma imperial (cf. Dan. 9:26, 27). O ponto decisivo é que Cristo tomou o esboço profético de Daniel como a pauta para seu próprio panorama do futuro, e depois identificou uma certa característica profética em Daniel como cumprindo-se em sua própria geração.
 
Este método de interpretar o esboço apocalíptico do Daniel também foi seguido pelo apóstolo Paulo em 2 Tessalonicenses 2, essa vez para demonstrar que o dia do Senhor não era algo iminente. Como resultado, o esboço de Paulo e o discurso de Cristo têm paralelos notáveis em suas aplicações históricas.

Paralelos Entre os Esboços Apocalípticos de Jesus e Paulo
Muitos se deram conta de que o esboço profético de Paulo em 2 Tessalonicenses exibe um paralelo estrutural notável com o discurso de Jesus no monte das Oliveiras. Ambos os esboços apocalípticos contêm termos idênticos e similares, tais como o advento, o dia do Senhor, a reunião dos santos, o engano do anticristo, e sinais e milagres. Inclusive alguns comentadores inferiram que o discurso profético de Cristo foi a fonte primária do ensino do Paulo (cf. 1 Tes. 4:15). Estabeleceu-se uma semelhança muito surpreendente de expressões entre esses dois capítulos. Portanto, podem-se estudar ambos os esboços apocalípticos juntos com muito proveito. Ao mesmo tempo, precisamos compreender que tanto Jesus como Paulo fundamentam seu panorama do futuro sobre o esboço apocalíptico de Daniel. E cada um tem o propósito de aplicar o ponto de vista de Daniel da história contínua da salvação a sua época contemporânea. Esta fonte comum explica por que Jesus e Paulo usam frases e esboços similares.

Como já observamos antes, Paulo insiste com os Tessalonicenses a não ser enganados ao acreditar que o dia do Senhor já veio.
Seu argumento principal é que "a rebelião" representada pelo "homem de iniquidade" ainda não se revelou publicamente no cenário da história (2 Tes. 2:3). Do mesmo modo, Jesus indicou que durante a era da igreja, "muitos se desviariam da fé" (literalmente, "tropeçarão") e se entregariam e aborreceriam uns aos outros, e se levantariam muitos falsos profetas e enganariam a muitos (Mat. 24:10, 11). Até o próprio fim, insistiu Cristo, "se levantarão falsos Cristos e falsos profetas, e farão grandes sinais e prodígios, de tal maneira que enganarão, se for possível, até os escolhidos" (Mat. 24:24). Parece que, de acordo com Jesus, os Messias falsos são os que afirmariam ser Cristo em sua segunda vinda; e os falsos profetas são os que falsamente afirmam falar em nome de Cristo.
 
Jesus começou seu discurso profético com a advertência: "Vede que ninguém vos engane" (Mat. 24:4). Paulo adota o mesmo começo: "Ninguém vos engane de maneira nenhuma" (2 Tes. 2:3). Com seus esboços proféticos, ambos tratam de esfriar uma expectativa prematura e exagerada da volta de Cristo. Cada um enfatiza que se desenvolverá uma apostasia horrível, o que precipita e faz necessário a execução do juízo da vinda de Cristo.

Cristo descreve a natureza da apostasia vindoura como "a abominação da desolação... instalada no lugar santo" (Mat. 24:15, BJ), uma alusão evidente à profanação blasfema do templo que se prediz em Daniel 8 e 9. Paulo personifica a apostasia religiosa em "o homem do pecado", que se faz passar por Deus, um ser humano blasfemo que é "o filho de perdição" (2 Tes. 2:3, JS). Paulo também localiza a apostasia vindoura no templo de Deus: "O qual se opõe e se levanta contra tudo que se chama Deus ou é objeto de culto, a ponto de assentar-se no templo de Deus, fazendo-se passar por Deus" (2 Tes. 2:4).

Esta harmonia de Jesus e Paulo com respeito ao lugar onde se encontra a apostasia – no templo de Deus – está enraizada diretamente no apocalipse de Daniel. Em particular, o anjo interpretador resumiu a visão do Daniel 8 como "a visão do contínuo sacrifício, e a prevaricação [pesha'] assoladora" (Dan. 8:13). A explicação adicional do anjo é importante:

"Dele sairão forças que profanarão o santuário, a fortaleza nossa, e tirarão o sacrifício diário, estabelecendo a abominação desoladora. Aos violadores da aliança, ele, com lisonjas, perverterá, mas o povo que conhece ao seu Deus se tornará forte e ativo" (Dan. 11:31, 32).

Parece evidente que Daniel é a fonte para o ensino do Novo Testamento de que um anticristo blasfemo apareceria durante a era da igreja. Tanto Cristo como Paulo mencionam que este apóstata sacrílego estaria acompanhado com "sinais e prodígios". Cristo conecta estes com "falsos cristos e falsos profetas" (Mat. 24:24); Paulo os associa com o advento do "iníquo", a quem descreve como o anticristo escatológico (2 Tes. 2:9).
 
Sobre a base deste paralelismo global, muitos chegaram à conclusão de que o ensino apocalíptico de Paulo em 2 Tessalonicenses 2:1-12, tanto em sua estrutura como em sua teologia, é paralela ao discurso profético de Cristo (Mat. 24; Mar. 13; Luc. 21). Ambos se iluminam mutuamente. Portanto, a conclusão principal é que "a abominação desoladora" no lugar santo da profecia de Cristo, e o anticristo pessoal sentado no templo de Deus na profecia do Paulo, são o mesmo fenómeno. Pode-se dizer que enquanto Mateus se centra sobre o futuro sacrilégio do templo de Deus, Paulo põe a ênfase no perpetrador do sacrilégio. Entretanto, o Evangelho de Marcos já tinha indicado que o sacrilégio escatológico seria perpetrado por um anticristo pessoal, ereto [hestekóta] "onde não deve" (Mar. 13:14), ou "usurpando um lugar que não é dele" (NBE).

A Ênfase de Paulo Sobre a Apostasia Religiosa
É digno de atenção que a frase de Paulo "hei apostasia" (2 Tes. 2:3), traduzido como "apostasia" em quase todas as versões brasileiras (RA, RC; BJ; NVI; e como "revolta" na versão BLH), sempre significa uma rebelião religiosa tanto no Antigo Testamento como no Novo, quer dizer, um esquecimento do Senhor e de sua verdade (cf. Jos. 22:22; 2 Crón. 29:19; Jer. 2:19; At. 21:21).* Esta rebelião é mais que uma transgressão fortuita da lei divina. Esta "iniquidade" [anomia] representa uma rebelião fundamental e sustentada contra Deus. Embora já estava ativa em uma forma oculta no tempo do Paulo, a apostasia se desenvolveria finalmente em uma rebelião mundial, uma forma idolátrica de adoração que desafiaria a autoridade da Palavra de Deus.

O apóstolo não insinua que está revelando alguma verdade nova e assombrosa. Paulo recorda a seus leitores o fato de que já lhes ensinou este segredo apocalíptico enquanto ainda estava com eles (2 Tes. 2:5). A instrução de Paulo aos novos conversos ao cristianismo incluiu aparentemente os pontos essenciais do discurso profético de Cristo e do anticristo de Daniel (cf. At. 20:27-30; 1 Tim. 4:1, 2; 2 Tim. 3:1-5). Paulo não recorda aos Tessalonicenses de uma apostasia geral vindoura, a não ser especificamente de "a rebelião" que estava descrita em forma tão dramática como a falsificação do Messias no livro de Daniel.

Para entender o apóstolo devemos compreender que "o homem da iniqüidade" que se opõe a todo deus – quem por exaltar-se a si mesmo no templo de Deus está condenado à destruição (2 Tes. 2:3, 4) – é a descrição condensada de Paulo do anticristo que se faz passar por Deus em Daniel 7 a 11 (especificamente em 7:25, 26; 8:11-13; 11 :31, 36-39, 45).

A natureza essencial do anticristo de Daniel é sua vontade jactanciosa de "mudar" a lei de Deus e os tempos sagrados (Dan. 7:25), e trocar a adoração redentora no templo de Deus por seu próprio culto idólatra de adoração (Dan. 8:11-13, 25). Portanto, a perspectiva de Daniel representa uma apostasia dupla: uma, da lei divina (Dan. 7) e outra, do evangelho e o santuário (Dan. 8). É decisivo compreender que o objetivo do mal não é estabelecer o ateísmo, e sim impor uma religião falsificada com um sistema falso de adoração e salvação.
 
Paulo destaca a natureza religiosa do anticristo que virá, quem tratará de autenticar seu culto idolátrico por meio de sinais e milagres sobrenaturais (2 Tes. 2:4, 9). O anticristo se sentará solenemente no templo de Deus com uma obsessão compulsiva para demandar autoridade divina e usurpar as prerrogativas que pertencem só a Cristo. Por este engano, forçará todos os homens a aceitá-lo como o Messias e o Senhor.

Como Paulo Emprega a Frase "o Templo de Deus"
O apóstolo nunca emprega o termo grego naós (templo) para o edifício do templo em Jerusalém. Visto que Paulo cria que Deus já não morava mais no velho santuário, a não ser entre a comunidade dos cristãos, considerou a igreja de Deus como o novo templo de Deus:
 
"Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo" (1 Cor. 3:16, 17).

"Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?" (l Cor. 6:19).
 
"E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo do Deus vivente, como Deus disse: Neles habitarei e entre eles andarei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo" (2 Cor. 6:16, citando Ezeq. 37:27).

"Assim que já não sois estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor" (Ef. 2:19-21).
 
Além de referir-se ao crente individual como o templo de Deus, Paulo viu tanto na igreja local como na igreja universal de Cristo o cumprimento da promessa escatológica feita pelo profeta Ezequiel de que Deus criaria um novo templo no tempo do Messias (Ezeq. 37:24-28). Paulo declara solenemente que qualquer que destrua a santidade e a unidade espiritual deste novo templo (por ensinos falsos ou idolatria), "Deus o destruirá " (1 Cor. 3:17).
 
Por esta evidência nos escritos do Paulo, podemos concluir que seu emprego normal do termo "templo" [naós] é uma referência não ao judaísmo e sim à igreja cristã. Esta conclusão fica confirmada adicionalmente quando consideramos como avaliou Paulo "a cidade atual de Jerusalém" representando o judaísmo: como um pacto de obras que escraviza (Gál. 4:25). Para o Paulo, "a Jerusalém de cima, a qual é mãe de todos nós, é livre" (Gál. 4:26).
 
À luz destas referências, parece extremamente improvável que o apóstolo Paulo pensasse que a frase "o templo de Deus" referia-se ao edifício do templo em Jerusalém. O contexto mais amplo do emprego que Paulo faz da linguagem figurada para o templo apoia a idéia de que seu emprego do "templo de Deus" em 2 Tessalonicenses 2:4 se refere à comunidade da igreja cristã do futuro.

A declaração do Paulo de que o homem de pecado "se senta" [kathísai] no "templo de Deus" é de profundo significado. Este conceito audaz reflete a visão de Daniel, em que o Ancião de dias "sentou-se" para levar à justiça o poder arrogante e endeusado. À luz deste antecedente profético do tribunal, a descrição do Paulo do adversário "sentando-se" indica que o anticristo se estabeleceria a si mesmo como mestre e juiz dentro da igreja!

Aqui Paulo está oferecendo mais que uma "admoestação pastoral". A predição de Paulo segue a revelação de Daniel do desenvolvimento futuro da história da salvação. Paulo interpreta o esboço de Daniel de acordo com o princípio do evangelho: o cumprimento é em Cristo e a igreja de Cristo.

A apostasia predita em Daniel 7, 8 e 11 surgiria dentro do povo do novo pacto, em um falso mestre, em um Messias falso. Por outro lado, Jesus prometeu que as portas do hades [inferno] nunca prevaleceriam contra sua igreja (Mat. 16:19), e que seus escolhidos não seriam enganados se permanecessem alerta (Mar. 13:22, 23). A tensão entre a igreja como instituição e a igreja como uma comunidade espiritual se reflete também na admoestação pastoral de Paulo em 1 Coríntios 11:19, e em sua predição profética aos anciões de Éfeso em Atos 20:28-31: "E de vós mesmos se levantarão homens que falarão coisas perversas para arrastar após si os discípulos" (v. 30). Isto chegou a ser uma ameaça séria em algumas igrejas apostólicas na província romana da Ásia (Apoc. 2:19-29; 1 João 2:18-27).

Finalmente, o que se desenvolve como tema central no Apocalipse de João é o simbolismo das duas mulheres em Apocalipse 12 e 17. Aqui se descreve a igreja cristã e à apóstata não só em termos de diferenças dogmáticas ou doutrinais, mas também como duas comunidades adoradoras diferentes.
 
Como Paulo Emprega os Tipos da Falsa Adoração no Antigo Testamento
A admoestação de Paulo se centra na chegada da apostasia religiosa – o "homem da iniquidade" dentro do templo de Deus na terra –, uma apostasia que permanecerá até a gloriosa vinda de Cristo:

"Ninguém, de maneira alguma, vos engane, porque não será assim sem que antes venha a apostasia e se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição, o qual se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Deus ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus" (2 Tes. 2:3, 4).

"Então, será, de fato, revelado o iníquo, a quem o Senhor Jesus matará com o sopro de sua boca e o destruirá pela manifestação de sua vinda" (2 Tes. 2:8).

Dois pontos caracterizam o esboço do Paulo da futura história da igreja: Primeiro, o tempo histórico do surgimento do "homem do pecado" dentro da história da igreja; segundo, a natureza religiosa de suas afirmações messiânicas.

Chega a ser evidente, ao compará-lo intimamente com o Antigo Testamento, que Paulo compôs sua descrição do anticristo combinando 3 revelações proféticas a respeito dos poderes antiDeus:
(1) A época do tempo histórico do surgimento do antimessias em Daniel 7, 8 e 11;
(2) a blasfémia religiosa de auto-endeusamento pelos reis de Tiro e de Babilónia em Ezequiel 28 e Isaías 14;
(3) a destruição final do "iníquo" pela aparição do Messias em Isaías 11.

No seguinte estudo poderemos notar algumas alusões literárias e religiosas em 2 Tessalonicenses 2:4 com as profecias do Antigo Testamento:
Paulo funde estas 3 alusões aos soberanos que estão contra Deus para informar os santos como identificar o anticristo quando surgir na era da igreja, até dentro do cristianismo, como o "templo de Deus" sobre a terra (ver também At. 20:29-31).

Paulo usa o princípio da tipologia cristã quando aplica à era da igreja as promessas e as ameaças de Deus a Israel (ver 1 Cor. 10:1-11; Gál. 4:21-31). A relação de um tipo do Antigo Testamento com um antítipo do Novo Testamento se determina teologicamente por sua conexão com o Jeová antes da cruz, e sua conexão com Cristo na era da igreja. Na perspectiva profética, a distância temporária entre o tipo e o antitipo não tem importância. Sua ênfase está no fato que o mesmo Deus que atua no cumprimento histórico iminente, também atuará no juízo e a salvação final.

Dessa forma, Paulo contempla os reis de Tiro e de Babilônia que se idolatram a si mesmos (no Ezeq. 28:2 e Isa. 14:13, 14), como tipos proféticos da essência religiosa do anticristo (2 Tes. 2:4). O adversário de Cristo na era cristã ensinará e julgará como se fora Deus, com autoridade divina e infalibilidade.

A Aplicação que Paulo Faz do Antimessias Predito por Daniel
Como em Daniel 8 e 11, Paulo localiza a apostasia blasfema do inimigo escatológico de Deus "no templo de Deus" (2 Tes. 2:4). Sem o princípio apostólico do cumprimento cristológico, são inevitáveis os perigos do literalismo ou o alegorismo ao interpretar a frase "templo de Deus" em 2 Tessalonicenses 2 como um templo literal e reedificado em Jerusalém no qual o anticristo se estabelecerá para exigir a adoração dos judeus depois do rapto da igreja. Uma interpretação mais popular é tomar o "templo" neste capítulo como um símbolo do trono de Deus no céu, recorrendo a Isaías 14:13, 14 e 66:1. Em outras palavras, entendem o "templo de Deus" como uma metáfora para indicar que o iníquo tratará de usurpar o lugar de Deus e exigirá honras divinas e obediência. Isto se aplica depois a qualquer sistema totalitário de governo, a deificação do Estado, quando se derrubarem a lei e a ordem e a violência demoníaca explore em perseguição da igreja. Em outras palavras, a frase "o homem da iniquidade" aplica-se aos governos totalitários ateus.

As interpretações precedentes de 2 Tessalonicenses 2:4 podem parecer atrativas e convencer a alguns. Mas a questão vital é: deu-se a consideração apropriada ao contexto fundamental do Antigo Testamento no qual Paulo apoia sua descrição apocalíptica?

A alusão de Paulo a Daniel 11:36 deve nos levar em primeiro lugar a considerar a profanação religiosa do templo por parte do "rei do norte" em Daniel 11:31-45 e em Daniel 8:9-13. Ele originará a corrupção ou apostasia entre o povo do pacto. A origem da apostasia profetizada por Paulo está em Daniel 11:32.

Os expositores protestantes dos dias do Lutero e Calvino interpretaram tradicionalmente que este rei que se exalta a si mesmo de Daniel 11:36 e o homem de iniqüidade de 2 Tessalonicenses 2:4 são um mesmo indivíduo que se engrandecerá por cima de todos os deuses (Dan. 11:37). Não pode ser um ideólogo ateu, porque o homem da iniqüidade pretende ser Deus.

 Captamos a essência teológica da abominação de Daniel quando observamos que o desolador porá no templo de Deus uma adoração falsificada que ensina um falso sistema de expiação (ver Dan. 8:11-13; 11:31; 12:11). Isto define a "rebelião" como uma apostasia religiosa da adoração ordenada no templo de Deus.

Na aplicação que Cristo faz da "abominação desoladora" de Daniel ao exército romano (Mat. 24:15; Mar. 13:14) vê-se um cumprimento parcial, um tipo que assinala mais à frente do ano 70 a seu antítipo universal, a abominação maior dentro da igreja. Paulo explica que a manifestação histórica do culto religioso apóstata deve acontecer antes da vinda de Cristo.

O contexto mais amplo do Novo Testamento relaciona a verdadeira adoração de Deus na terra com a intercessão de Cristo no templo celestial (Heb. 4:14-16; 7:25; 8:1, 2). É absolutamente essencial não separar o templo terrestre do celestial. Profanar o "templo" ou a igreja na terra significa também a profanação do ministério de Cristo no templo celestial (Apoc. 13:6).

Assim como o antimessias de Daniel 8 é destruído repentinamente "não por mão humana" (v. 25), e assim como "o rei do norte" é destruído repentinamente sem que ninguém lhe ajude (Dan. 11:45), assim o anticristo na descrição do Paulo será destruído pela aparição de Cristo, "com o espírito de sua boca" (2 Tes. 2:8; ver Isa. 11:4).

O Momento Histórico Exato do Anticristo Segundo Paulo
A carga pastoral de Paulo em 2 Tessalonicenses 2 é corrigir entre os cristãos da Tessalónica a opinião falsa de que já tinha começado o dia do Senhor (2 Tes. 2:2). Recorda-lhes o que lhes havia dito verbalmente, que primeiro [próton] deve surgir a rebelião [hei apostasia] (2 Tes. 2:3) dentro do templo de Deus. Só então virá o dia do Senhor e destruirá o "iníquo" com "o resplendor de sua vinda" (2 Tes. 2:3-8).

Na opinião de Paulo, um conhecimento da sequência dos eventos é essencial para acautelar uma expectativa iminente injustificada. Introduz a ideia de um atraso prolongado do surgimento do anticristo por causa da existência de um poder que refreia: "E agora vós sabeis o que o detém" (2 Tes. 2:6). A igreja apostólica aparentemente não tinha problemas a respeito da identidade desse poder que "retinha". Sabiam qual era. É interessante que a maioria dos primeiros Pais na igreja pós-apostólica (igreja primitiva) ensinaram que a ordem civil do Império Romano, com o imperador à sua cabeça, era o poder que impedia, ao qual Paulo se referiu em 2 Tessalonicenses 2:6 e 7. Apesar de várias teorias novas a respeito (por exemplo que o Espírito Santo ou a missão de Paulo poderiam ser esse poder), vários eruditos de primeira linha de nossos dias sustentam que a interpretação clássica é a que mais satisfaz.

O Império Romano governou o mundo desde ano 168 a.C. até 476 d.C. Depois veio a divisão da Europa Ocidental em vários reinos mais pequenos. Em Daniel 7, o poder blasfemo, o "chifre pequeno", saiu dentre estes reino que existiam simultaneamente (7:7, 8, 24). Esta sucessão histórica no esboço de Daniel – quer dizer, primeiro a "besta" e depois o surgimento do "chifre" anticristão – se encontra na base do esboço histórico de Paulo em 2 Tessalonicenses 2. Só essa perspectiva histórica de Daniel 7 pode decifrar o enigma do misterioso "agente retardador do desenvolvimento" que estava atrasando o desenvolvimento do anticristo.

É obvio, mais importante que esse "agente retardador" é o que escreve Paulo a respeito da vinda do "homem da iniquidade" (ánthropos tes anomias) ou, de acordo com manuscritos de menor autoridade, "o homem do pecado" (amartias). O apóstolo declara que a manifestação pública do "iníquo" (ho ánomos, v. 8) ocorrerá só depois de um desenvolvimento histórico prolongado de forças ocultas que já estavam ativas no próprio tempo de Paulo (v. 7). Paulo coloca a revelação efetiva do iníquo imediatamente depois que o Império Romano (como "o que o detém") tenha sido "tirado do meio" (2 Tes. 2:7), e indica firmemente que o próprio trono ocupado pelo que o detém seria ocupado pelo homem da iniquidade.

A inferência da mensagem de Paulo em 2 Tessalonicenses 2 é inconfundível: Quando o Império Romano tenha caído, o surgimento do anticristo já não será restringido ou retido em Roma. Portanto, o anticristo será revelado sem demora na era seguinte, usualmente denominada a Idade Média. Este período prolongado foi descrito por Daniel como os 3 ½ tempos de opressão política dos santos (Dan. 7:25; 12:7). Nesta era cristã é onde Paulo localiza a apostasia. O bispo anglicano Christopher Wordsworth, extraiu uma conclusão convincente:

"Posto que Paulo também descreve aqui ao homem do pecado como continuando no mundo do tempo da eliminação do poder que o impede, inclusive até o segundo advento de Cristo (2 Tes. 2:8), o poder que aqui se personifica no 'homem do pecado' deve ser por conseguinte um que continuou no mundo por muitos séculos, e continua até o tempo atual. Também, sendo que lhe atribuiu esta longa permanência na profecia, uma permanência que excede em muito a vida de qualquer indivíduo, devido a isso o 'homem de pecado' não pode ser uma só pessoa".[1]

O propósito de Apocalipse de João é animar a igreja universal até o próprio fim, para resistir ao poder enganador e perseguidor da besta-anticristo e de seu aliado, o falso profeta, e triunfar sobre a marca escatológica da besta quando for imposta nas nações.

A carta de Paulo aos Tessalonicenses reconhece a presença do 4.º império de Daniel 7. Ensinou à igreja que o "chifre pequeno" de Daniel não se levantaria durante o Império Romano. Entretanto, o Apocalipse de João põe de sobreaviso a igreja universal sobre o momento exato quando apareceria a besta depois do desaparecimento do Império Romano, e João descreve este poder, o anticristo, com os característicos do chifre pequeno de Daniel que governaria as nações por 42 meses (Apoc. 13:5), uma variante dos 3 ½ tempos (Dan. 7:25). Por conseguinte, este tempo simbólico em Daniel e no Apocalipse deve aplicar-se ao período depois da queda de Roma em 476 d.C. Isto leva a Idade Média a situar-se dentro da esfera da profecia bíblica,

Em resumo, a aplicação histórica que Paulo faz de Daniel 7 em 2 Tessalonicenses 2, favorece o enfoque contínuo-histórico antes que a exclusiva estrutura contemporânea ou a futurista. O esboço de Paulo da futura história da igreja em períodos sucessivos com respeito à apostasia e ao poder que o retém, demonstra que o apóstolo não cria em uma expectativa do fim de um momento ao outro. De fato, 2 Tessalonicenses 2 propõe-se a refutar esta mesma ideia sobre a base da perspectiva histórica do Daniel.

O Anticristo de Paulo como uma Paródia de Cristo
Deveria dar-se atenção especial ao fato de que Paulo descreve a apostasia do vindouro "homem de iniquidade" como uma que nega tanto a verdadeira adoração cristã como toda a adoração pagã; "opõe-se... contra tudo o que se chama Deus ou é objeto de culto" (2 Tes. 2:4). Exaltar-se-á até o ponto do auto-endeusamento dentro do templo de Deus, "tanto que se senta no templo de Deus, fazendo-se passar por Deus" (V. 4). Paulo adota esta caracterização específica de adoração religiosa do anticristo, do antimessias predito por Daniel (Dan. 7:25; 8:11-13; 11:31; 12:11). Nas profecias de Daniel, o chifre pequeno ou o rei que se ensoberbece, invade a terra santa, e se mete pela força no santuário de Deus e de seu Messias. Profana o culto religioso divino do santuário não só mudando a lei divina e os tempos sagrados (por exemplo, o sábado; ver Dan. 7:25), mas também por sua própria "abominação": a adoração falsificada de si mesmo como o "deus das fortalezas" (ou poder) desconhecido para o povo do pacto (Dan. 11:31, 36-38).

Parece que Paulo molda intencionalmente o anticristo à imagem de um Cristo falso, porque o descreve na necessidade de que seja "revelado" em seu "vinda" (2 Tes. 2:3, 8, 9), termos que aplica igualmente a Cristo (ambos têm uma revelação pessoal [apokálupsis] e sua vinda [parousia; cf. 2 Tes. 1:7; 2:8]). Isto sugere que Paulo considera o anticristo como um rival do Messias, cuja "vinda" é uma paródia da vinda de Cristo.

Assim como a revelação de Deus culminou em Cristo, assim a manifestação do mal encontrará sua culminação no anticristo, cuja aparição é a caricatura satânica de Cristo. Já Irineu tinha declarado que o anticristo de 2 Tessalonicenses 2 seria um "apóstata" religioso, que desencaminhará os que o adorem "como se fora Cristo".[2]

É significativa a descrição de Paulo de que o "iníquo" virá "por obra de Satanás" [kat enérgeian tou sataná], quem energizará e dará poder ao anticristo através de "toda classe de milagres, sinais, prodígios enganosos" (2 Tes. 2:9, BJ). Uma vez mais Paulo parece indicar por meio desta tríplice frase (milagres, sinais e prodígios) que o anticristo tentará imitar o ministério de Cristo (ver Mat. 24:24; At. 2:22). O livro do Apocalipse descreve mais plenamente a maneira como Satanás dará energia à besta do mar ou anticristo: "E o dragão lhe deu seu poder e seu trono, e grande autoridade" (Apoc. 13:2).

O Mistério da Iniquidade
Paulo se refere à atividade satânica do mal nesta frase significativa: "...porque já está em ação o mistério da iniquidade" (2 Tim. 2:7); ou, literalmente, "o mistério da impiedade já está atuando" (BJ). Aqui o apóstolo reconhece que uma força malvada já estava operando em uma forma secreta, além da atividade humana, decidida a conseguir a supremacia sobre a igreja de Cristo. A princípio, o poder político imperante no tempo do Paulo impediu que se levasse a cabo este plano anticristão (v. 6). Não obstante, quando o que retinha foi tirado, as forças da apostasia surgiram imediatamente e chegaram a ser conhecidas publicamente durante a Idade Média.

Nos escritos de Paulo o termo "mistério" leva em si o conceito básico de verdade salvadora, mantido anteriormente oculto por Deus mas agora manifestado no evangelho (ver Rom. 16:25, 26; Ef. 1:9, 10; Col. 1:26, 27; 1 Cor. 2:7). O conteúdo deste mistério é o plano redentor de Deus para salvar a humanidade por meio da união com Cristo. Este "mistério" divino esteve personificado em Cristo como o grande "mistério da piedade: Deus foi manifestado em carne" (1 Tim. 3:16). Por outro lado, quando Paulo falou do "mistério da iniquidade", muito bem pôde ter tido em mente exatamente o contrário da verdade salvadora de Deus em Cristo: o mistério caracterizado pelo anticristo:

(1) Este mistério nunca será inoperante, mas sim atua continuamente do tempo do Paulo até o fim. Por conseguinte, a incessante atividade satânica não nos permite localizar "o mistério da iniquidade" exclusivamente em algum período histórico isolado no passado ou no futuro, como postulam as teorias do preterismo e do futurismo. Exatamente o oposto é o que ensina Paulo: depois da queda de Roma, este mistério de rebelião estará ativo e prosperará sem limitações (2 Tes. 2:7).

(2) Entretanto, este segredo satânico é conhecido pelos verdadeiros escolhidos de Cristo, pois "não ignoramos suas maquinações" (2 Cor. 2:11). Iluminados pela sabedoria divina que vem do livro de Daniel (ver Dan. 11:33; 12:10), sabem que o ataque de Satanás está dirigido contra o reino de Deus e seu plano de redenção, centrado este no santuário com sua santa lei e o evangelho.

(3) Por analogia com o "mistério da piedade" – o plano de Deus para revelar o Messias e seu evangelho de salvação –, o "mistério da iniquidade" indica o maligno propósito de Satanás de opor-se ao plano de Deus por meio de um plano contrário diabólico e um culto religioso contrário que exalta o falso rei-sacerdote. Um erudito bíblico define esta frase paulina com profundo discernimento: "Em um estilo paralelo, o mistério da iniquidade, o plano contrário de Satanás, é um propósito diabólico fixo, um ardil contínuo, para opor-se à realização do decreto divino (de redenção)".[3]

Paulo conclui declarando que existe um antagonismo fundamental entre a verdade do evangelho de Cristo e a decepção do homem de iniquidade: "Perecem, porque não receberam o amor da verdade para se salvarem. E, por isso, Deus lhes enviará a operação do erro, para que creiam a mentira, para que sejam julgados todos os que não creram a verdade; antes, tiveram prazer na iniquidade" (2 Tes. 2:10-12).

A apostasia anticristã está apoiada em uma hostilidade profundamente arraigada contra o evangelho de Deus e de seu Cristo. Neste encontro, a humanidade deve fazer suas decisões finais em favor ou contra Cristo. Segundo o apóstolo, a decisão que alguém faça por Cristo agora, revela em princípio a eleição que todos terão que fazer no tempo do fim entre Cristo e o anticristo. Toda a história está governada pelo conflito espiritual entre Deus e Satanás, e a era da igreja se caracteriza pelo conflito entre a verdade do evangelho de Cristo e a mentira do anticristo.

Devido a isto, o apóstolo Paulo alerta a igreja a estar em guarda contra o engano de um mestre poderoso do cristianismo que sustentará que fala em lugar de Cristo e que insiste em que só sua vontade é lei divina. Paulo nos admoesta não simplesmente contra um evangelho falsificado e adoração falsa no futuro, mas sim por cima de tudo assinala a origem cósmica deste engano mestre: é o artifício e o engano de Satanás (2 Tes. 2:9). Para esta dimensão sobrenatural Paulo encontrou apoio nas Escrituras. Daniel tinha revelado uma batalha cósmica entre Deus e Satanás como o poder motivador por trás dos conflitos religiosos na terra (ver Dan. 10). Isaías tinha apontado a Lúcifer, ou a estrela da manhã no céu, como quem quis ser como Deus e trabalha por meio dos governantes da terra (Isa. 14:12-14).

O Ato que Coroará o Drama do Engano
A perspectiva profética do Paulo em 2 Tessalonicenses 2 indica que o fim do tempo trará consigo cada vez mais sinais sobrenaturais, que apoiarão o "homem da iniquidade", "o filho da perdição" (2 Tes. 2:3). Estas designações últimas do anticristo sugerem que aparecerá como um indivíduo que está em um definido contraste com "o Filho do Homem". Isto dá lugar para um engano quase irresistível para o homem: a personificação que Satanás fará de Cristo e de sua vinda à terra. Deliberadamente, Paulo faz um paralelo entre as aparições do homem da iniquidade e as de Cristo, tendo cada uma sua própria parousia; seus próprios sinais e milagres, e exigindo cada uma adoração. Em todas as aparições, Satanás se disfarça "como um anjo de luz" (ver 2 Cor. 11:14). Seu objetivo supremo sempre foi exigir a dignidade e as prerrogativas de Deus (2 Tes. 2:4); por conseguinte, seu último pecado é a idolatria que exige para que o adorem.

Paulo recalca que o rechaço universal da verdade do evangelho preparará a humanidade para o último engano e rebelião (2 Tes. 2:10, 11; 1:7, 8). Nesse ponto de maturação do mal, Deus retira seu Espírito de todos os que rechacem "o amor da verdade". Como resultado já não haverá mais nenhuma limitação ao "poder enganoso para que creiam a mentira" (2 Tes. 2:11 ).

Desta forma, Paulo aponta ao fim do tempo de prova da humanidade, quando começa o ato final de Satanás. Esta cena aparece ampliada em Apocalipse 16:13-16, onde os espíritos de demónios levam os habitantes do mundo a unir-se em rebelião contra Deus, enganando até os governantes civis. Um erudito resume a situação nas seguintes palavras: "Com o rechaço final dos rogos do Espírito de Deus virá a dissolução da lei civil, e então as promulgações do 'homem do iniquidade' levarão aos homens a guerrear contra o santo".[4]

Além disso, até ameaça a humanidade um ato capital de engano: a personificação de Cristo e sua vinda. Estas palavras de discernimento espiritual nos põem em guarda:

"Assim, o grande enganador fará parecer que Cristo veio. Em várias partes da Terra, Satanás se manifestará entre os homens como um ser majestoso, com brilho deslumbrante, assemelhando-se à descrição do Filho de Deus dada por João no Apocalipse (cap. 1:13-15). ... O povo se prostra em adoração diante dele, enquanto este ergue as mãos e sobre eles pronuncia uma bênção, assim como Cristo abençoava Seus discípulos quando aqui na Terra esteve".[5]

Resumo
A aplicação histórica de Paulo das visões do anticristo de Daniel formam um elo interpretativo indispensável entre Daniel e Apocalipse. O esboço estrutural de Paulo em 2 Tessalonicenses 2 funciona como o respaldo apostólico do enfoque contínuo-histórico das profecias de Daniel. Paulo caracteriza a futura apostasia cristã como um culto de adoração espúrio, autorizado por um rival do Messias, que se levantaria dentro do templo cristão de Deus muito pouco depois da queda da Roma pagã.

O livro do Apocalipse (nos caps. 13 aos 19) desenvolve o tema teológico do anticristo com maiores detalhes como a besta e seu falso profeta.

Referências
Para a Bibliografia, ver as páginas 107-108.

1. Ch. Wordsworth, Is the Papacy predicted by St. Paul? An Inquiry, p. 15.

2. Irineu de Lyon, Contra hereges, 25, ANF, T. 1, P. 554.

3. P. H. Furfey, "The Mystery of Lawlessness", CBQ 8 (1946), p. 190.

4. D. Ford, The Abomination of the Desolation…, p. 225.

5. Ellen White, GC 624.

Hans K. LaRondelle

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