domingo, 12 de agosto de 2012

Apocalipse e Daniel

Entramos no livro de Apocalipse como desafiados pela curiosidade que provoca a nossa inteligência. Desde a primeira palavra “apocalypse”, surge o aviso que se agita como um segredo que vai ser revelado. É o sentido da mesma palavra “apocalypse” que vem da palavra grega apocalupto (revelar segredos). Ora este verbo é uma palavras-chave do livro de Daniel, aqui também aprece à frente da revelação profética. E este eco do livro de Daniel ecoa no Apocalipse com a intenção de reenviar o eco para o livro de Daniel. Daniel para Apocalipse e deste para Daniel.
Ou seja, o Apocalipse permanece como uma bem-aventurança que faz eco na bem-aventurança de Daniel: “Bem-aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo.” (Apocalipse 1:3)
A ligação entre o Apocalipse e Daniel é o evento da esperança:” Bem-aventurado o que espera e chega até mil trezentos e trinta e cinco dias. Tu, porém, vai até ao fim; porque descansarás, e te levantarás na tua herança, no fim dos dias.” (Daniel 12:12-13) a esperança “no fim dos dias”.
Sem hesitação o autor do livro do Apocalipse situa-se na linha de prolongamento direto da profecia de Daniel, não somente pelo titulo do livro que apresenta a primeira palavra, “apocalypse”, mas também pela primeira bem-aventurança que confirma e orienta a leitura. O livro de Daniel é sem dúvida o livro do Antigo Testamento mais utilizado no Apocalipse. Ele fala a mesma linguagem. Encontramos as mesmas visões, os mesmos temas e as mesmas lições tipológicas que progridem segundo o mesmo itinerário, os mesmos dados cronológicos expressos por vezes nos mesmos termos, a mesma perspectiva profética que cobre o mesmo período de tempo, as mesmas lições éticas, e enfim a mesma estrutura quiástica.
Torna-se importante reconhecer o mesmo ponto de partida entre os dois livros. Porque compreendemos então o sentido e como se ler o livro Apocalipse. A referencia ao livro de Daniel constitui o primeiro dado de base a partir do qual a interpretação do Apocalipse deve ser dirigida.
É importante e significativo que a bem-aventurança que introduz o Apocalipse, como a bem-aventurança com que Daniel conclui o seu livro, transporta o mesmo suspiro, a mesma respiração de esperança na espera da vinda de Deus. João não se contenta de qualificar a esperança de “feliz”. Ele descreve a sua natureza e conteúdo com os verbos: “ler”, “ouvir” e “guardar”.
O que constitui um apelo à leitura. “Feliz aquele que lê.” Porque poderíamos passar ao lado e cozinhar a felicidade com outros ingredientes. A descoberta da felicidade implica uma revelação, “um segredo revelado”, um Apocalipse. É necessário por isso esta fé, senão não se prosseguira e o livro seria reduzido a uma amálgama de sons inúteis. A natureza desta leitura traduz, forçosamente, o carácter religioso. A atenção chamado ao “ler” conjuga-se no singular: “aquele que lê”; enquanto os dois outros verbos estão no plural: “os que ouvem”, “os que guardam”. A leitura não é pois pessoal ou privada; a leitura de uma pessoa, deve ser ouvida e recebida por vários, segundo a prática litúrgica da sinagoga. É o mergulhar imediatamente na atmosfera sagrada da assembleia que transporta ao exercício da adoração.
Este carácter litúrgico não nos deve distanciar mas unir. Estas palavras são claramente definidas como uma “profecia”. O material, por mais litúrgico seja ele, não visa a emoção religiosa. A verdade que aqui é tratada é essencialmente de ordem histórica. É um acontecimento futuro. O Apocalipse não fala somente aos místicos e aos sentimentais da religião. O propósito transborda as paredes do templo. A profecia não se lê unicamente; ela deve ser ouvida. O exercício não é unicamente cultuar. A palavra profética deve ter como objectivo o estudo e a interrogação da parte daquele que a recebe. Por detrás da palavra “ouvir” subentende-se o conceito hebraico do esforço e da responsabilidade de inteligência do esforço por compreender, ao mesmo tempo que o dever de passar ao acto de viver o que se compreendeu. O Shema Israel (Escuta Israel) não se compreende como uma doce melodia que adormece, antes, desperta as emoções (ver Deuteronómio 6:4-9). Em hebraico, a palavra “ouvir” (escutar, compreender) significa igualmente “guardar” e “obedecer”.
É extamente o que diz o seguimento do verso: “e guardam as coisas que nela estão escritas;”. O horizonte da leitura é a exigência de Deus à inteligência que Ele deseja controla. Porque o que determina a escolha e a orientação, não é a opinião ou a verdade subjectiva, mas são as “coisas que estão escritas”.
O Apocalipse define-se como portador de uma verdade absoluta, de uma verdade que existe e que, nos coloca de sobreaviso contra as interpretações pessoais ou fantasiosas e a tentação pluralista, para nos obrigar à pesquisa da vontade do Soberano.

Pr. José Carlos Costa

Sem comentários:

Enviar um comentário