terça-feira, 23 de outubro de 2012

AS TROMBETAS NO SEU CONTEXTO - Apocalipse 8 e 9


O problema fundamental que os intérpretes futuristas têm com o livro do Apocalipse é a sua hipótese de que João descreve os eventos do tempo do fim com uma exatidão fotográfica e com absoluta literalidade. Entretanto, o Apocalipse descreve o que Deus "comunicou" por meio de um anjo a João (Apoc. 1:1). Portanto, tomar com literalidade absoluta as imagens que João apresenta dos eventos futuros é um mal-entendido básico do Apocalipse que conduz a um quadro especulativo do tempo do fim.
 
João apresenta o futuro numa linguagem figurada e simbolismo complexos. Uma chave para entender o estilo literário de João é o seu modelo de antecipação e ampliação. Por exemplo, as promessas de Cristo aos vencedores nos capítulos 2 e 3 voltam como tendo sido cumpridas nos capítulos 21 e 22. O anúncio da queda de Babilónia no capítulo 14 explica- se mais tarde nos capítulos 16 aos 19. A besta perseguidora no capítulo 11:7 se descreve mais completamente nos capítulos 13 e 17. João usa a técnica de entrelaçar as suas visões antecipadoras na primeira metade do livro com a narração orientada ao fim na segunda metade. O Apocalipse é um corpo coerente, um todo orgânico que mostra uma formosa concepção arquitectónica.
 
O maior desafio é como entender as reiterações manifestas que há no livro. Várias vezes se descreve o fim desta era (Apoc. 1:7; 6:12-17; 11:15-19; 14:14-20; 19:11-21; 20:11-15). Estas visões reiterativas do fim são parte do propósito do autor. Excluem a hipótese de que João descreve a era da igreja em uma sequência de linha reta. Antes, apresenta perspectivas diferentes do fim. João descreve os 7 selos (caps. 6 e 7), as 7 trombetas (caps. 8-11) e as 7 pragas (caps. 16 e 17), como ciclos paralelos que se complementam entre si e que cada vez mais se centram sobre os eventos finais.
 
O livro do Apocalipse como um todo avança da promessa ao cumprimento. Este movimento se parece com um movimento para cima de uma escada em espiral. As séries de selos, trombetas e pragas, constrói-se uma sobre a outra. Juntas expressam de uma maneira mais adequada a complexidade da era da igreja que qualquer desses ciclos por si só. Cada ciclo revela sua própria ênfase sobre a apostasia, o juízo e a liberação. Este modelo intensificado reforça a mensagem de esperança para a acossada igreja de Cristo. Também rebate uma aceitação fatalista de todas as hostilidades.
 
A igreja perseguida deve recordar que o Cristo glorificado é descrito como um Cordeiro todo-poderoso com "sete chifres" (Apoc. 5:6). No Antigo Testamento, um "chifre" é o símbolo de poder militar e político (Deut. 33:17; Dan. 7:24). A linguagem figurada pouco realista de um cordeiro com 7 chifres, assegura ao povo de Deus que o Cordeiro de Deus, aparentemente derrotado, agora tem poder omnipotente para julgar e libertar. Tem esta capacidade porque triunfou sobre Satanás no céu e na terra por meio de seu testemunho e de sua morte (Apoc. 5:5, 9). Agora lhes volta a assegurar a seus verdadeiros seguidores que eles também "reinassem sobre a terra" (v. 10).
 
João apresenta a história da apostasia, a perseguição e a libertação, primeiro nos 7 selos e depois nas 7 trombetas (Apoc. 6-9). Como Jesus foi duas vezes através da era da igreja em Mateus 24 (a: vs. 4-14; b: vs. 15-31), assim também observamos como o Cristo ressuscitado repete os temas básicos de Mateus 24 nos selos e nas trombetas. Enquanto os selos informam o leitor a respeito dos sofrimentos da igreja, as trombetas tratam com os juízos preliminares de Deus sobre os inimigos de seu povo fiel.
 
APOCALIPSE - A Visão Preliminar das Trombetas
Em Apocalipse 8:2-6, João apresenta uma visão preliminar em que mostra a origem e o propósito das 7 trombetas. Começa e termina com o anúncio de que há 7 anjos diante de Deus que receberam 7 trombetas (8:2, 6). Este artifício literário, uma inclusão-introdução, marca a visão preliminar como uma unidade independente. Descreve o ministério intercessor de Cristo e sua terminação.
 
Esta cena do trono celestial em Apocalipse 8 funciona em uma forma similar à visão preliminar aos 7 selos em Apocalipse 5. Como os 24 anciões tinham "taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos" (5:8), assim João vê em Apocalipse 8 a um anjo que tinha "um incensário de ouro", de pé ante o altar, "e lhe deu muito incenso para acrescentá-lo às orações de todos os santos sobre o altar de ouro que estava diante do trono" (8:3). A petição das orações dos santos martirizados "sob o altar" mencionou-se nos selos em Apocalipse 6:9 e 10. Clamam por vingança divina por causa da injustiça que lhes fez, assim como pelo pacto que Deus tem com eles. Pedem a Deus que seja "fiel" a seu pacto. Dessa maneira, a visão de Apocalipse 8:3 e 4 iguala o período de tempo dos selos em Apocalipse 6. A visão se refere ao contínuo ministério intercessor de Cristo no céu, porque recorda a oferta diária de incenso no serviço do santuário israelita (Êxo. 30:1, 7, 8).
 
O principal tema desta visão preliminar das trombetas é a segurança de que Cristo ouve as orações suplicantes de seu povo oprimido como se declara diretamente em Hebreus 4:14-16. Embora as orações de todos os santos se elevam diretamente a Deus, necessitam o "incenso" essencial do próprio altar de Deus. Este incenso representa a propiciação divina por nossos pecados.
Disse João a respeito de Cristo: "E ele é a propiciação [hilasmos] por nossos pecados" (1 João 2:2; também 4:10). Ellen White oferece esta aplicação prática: "O universo celestial contempla de amanhã e de tarde cada família que ora, e o anjo com o incenso, que representa o sangue da expiação, acha acesso diante de Deus".1 A visão preliminar termina com uma cena que descreve a finalização do ministério do anjo com o incenso seguido pelo fato de enchê-lo com fogo do altar e lançá-lo na terra, acompanhado pelos trovões, os relâmpagos e um terremoto:
 
"E o anjo tomou o incensário, encheu-o do fogo do altar e o atirou à terra. E houve trovões, vozes, relâmpagos e um terremoto" (Apoc. 8:5).
 
Em seu ato final, o anjo usa o incensário não mais para a intercessão e sim para o juízo: fogo sem incenso. Isto indica que as orações dos santos (Apoc. 6:9-11 ) serão respondidas por meio dos juízos sobre a terra, seguidos pela aparição do Juiz de toda a terra em conexão com um terremoto cósmico. Um protótipo surpreendente se encontra em Ezequiel, quem descreve uma visão da maldição de Jeová sobre a Jerusalém impenitente:
 
"E falou [Jeová] ao homem vestido de linho, dizendo: Vai por entre as rodas, até debaixo dos querubins, e enche as mãos de brasas acesas dentre os querubins, e espalha-as sobre a cidade" (Ezeq. 10:2).

 
O contexto histórico assinala que justamente antes do fatídico ano 586 a.C., o Deus de Israel estava abandonando o templo de Jerusalém com um estrondo poderoso (Ezeq. 10:4, 5, 18). O arrojar as brasas acesas simbolizava a execução do juízo de Deus sobre Jerusalém por meio da guerra e do exílio (Ezeq. 11:8-10). Este juízo foi a manifestação da maldição do pacto se eram desobedientes predita em Levítico 26, o que incluía a destruição de Jerusalém, de seu templo e a dispersão de Israel por meio das guerras (Lev. 26:31-34). A maldição do pacto implicava que Deus faria guerra contra seu povo apóstata: "Eu também procederei contra vós, e vos ferirei ainda sete vezes por seus pecados" (26:24). Não obstante, o Deus do pacto proporcionaria misericórdia para os que se arrependessem e confessassem seus pecados (vs. 40-45; Ezeq. 11:16-21).
 
No marco histórico de Ezequiel, o pulverizar as brasas acesas do trono de Deus sobre a terra não simbolizava o juízo final mas ser um juízo punitivo sobre Israel, com o propósito de levá-los a arrependimento (ver Ezeq. 11:18-20). A visão preliminar de João às 7 trombetas em Apocalipse 8:2-6 deve entender-se contra este transfundo de Ezequiel. A visão de João inclui tanto o tempo de graça como a ira de Deus.

 
A série das trombetas não anuncia meramente a ira final de Deus (esta chega só sob a sétima trombeta), mas também a sequência de juízos restringidos, os quais "só" danificarão um terço da terra (11 vezes em Apoc. 8 e 9). Estes juízos parciais das 6 primeiras trombetas são juízos de admoestação preliminares. Admoestam ao mundo quanto às últimas pragas que virão e a ira de Deus sem mistura de misericórdia à conclusão do Dia da Expiação, quando ninguém pode entrar no templo do céu (Apoc. 15:1, 5-8).
As 6 primeiras trombetas ainda saem do altar de ouro de incenso que estão diante de Deus (Apoc. 9:13). Isto sugere que o tempo de graça ainda não terminou durante essas 6 trombetas. O ato simbólico de arrojar fogo do altar sobre a terra indica a iniciação dos juízos de Deus em resposta às orações de súplica dos santos. A sequência das 6 trombetas (caps. 8 e 9) que culminam na sétima trombeta ou as 7 últimas pragas (caps. 15 e 16), ensinam que os atos simbólicos do anjo diante do altar terão um duplo cumprimento:
 
1. Calamidades de extensão limitada durante a era da igreja;
2. As últimas pragas, sem misericórdia, sobre os inimigos universais de Cristo e de seu povo.

A Relação Entre os Selos e as Trombetas
 
Uma pergunta provocadora é esta: Quando começam as trombetas em relação com os selos que as precedem? São totalmente paralelos estas séries e portanto simultâneas, ou consecutivas, ou só parcialmente paralelas? Não há uma opinião unânime entre os eruditos bíblicos sobre este ponto. O Comentário bíblico adventista informa que a interpretação que favorece os adventistas vê que as "trombetas correspondem cronologicamente, em grande medida, com o período de história cristã que abrangem as sete igrejas (caps. 2 e 3) e os sete selos (6; 8:1), os quais destacam os acontecimentos políticos e militares sobressalentes deste período".2
 
Também se menciona o ponto de vista "sequencial" de acordo com o qual os 7 juízos das trombetas se derramam sobre a terra depois da terminação do tempo de graça. Mas este ponto de vista não encontra respaldo no contexto bíblico por parte da "Comissão Adventista sobre Daniel e Apocalipse". Assinala que os eventos da proclamação do evangelho do tempo do fim em Apocalipse 10 e 11:1-14 pertencem à sexta trombeta. Portanto, tira-se a seguinte conclusão: "Os acontecimentos das trombetas ocorrem no tempo de graça, no tempo histórico... Se a sétima trombeta está unida à terminação da obra do evangelho, a dispensa evangélica, então as 6 trombetas precedentes devem necessariamente soar durante o tempo de graça".3
 
A opinião que mantém que as trombetas soam depois do tempo de graça se apoia sobre a hipótese de que as trombetas começam só depois da finalização da visão preliminar de Apocalipse 8:2-6. Este ponto de vista supõe que a cena do santuário e as trombetas em Apocalipse 8 estão descritas em uma sequência cronológica. Mas esta hipótese não está justificada em vista do fato de que as outras visões preliminares do santuário não expiraram antes que comece cada série: a que precede as 7 igrejas (Apoc. 1), a que precede os 7 selos (Apoc. 5), e a que precede as 7 pragas (Apoc. 15). Todas as visões preliminares seguem ativas durante cada série. De fato, cada carta às 7 igrejas se refere a Cristo como aparece na visão inaugural de Apocalipse 1; cada abertura dos selos é o resultado da obra de Cristo na visão de introdução de Apocalipse 5; cada uma das 7 pragas são derramadas enquanto ninguém pode entrar no templo (Apoc. 15:8).
 
Por conseguinte, é uma hipótese mais adequada ver a visão do trono de Apocalipse 8:2-6 como a fonte ativa permanente das 7 trombetas. Jon Paulien conclui dizendo: "É mais provável que João tinha a intenção de que o leitor visse a intercessão ante o altar de ouro como estando disponível até o instante quando soasse a sétima trombeta, que leva à consumação do 'mistério de Deus' (Apoc. 10:7), quer dizer, a terminação do evangelho (Rom. 16:25-27; Ef. 3:2-7; 6:19)".4
 
O fato de que a quinta trombeta se refira ao "selo de Deus" sobre as frontes do povo de Deus (Apoc. 9:4), e que por isso parece coincidir com o selamento do tempo do fim dos servos de Deus em Apocalipse 7, é uma característica significativa. A referência ao selo de Deus sobre "a fronte" indica que a obra do selamento de Apocalipse 7 e a quinta trombeta estão intimamente conectadas. Ambos os eventos podem ser vistos como contrapartes históricas que acontecem até durante o tempo de graça. Também se reconheceu que a sexta trombeta tem um forte paralelo com o selamento de Apocalipse 7 porque esta trombeta descreve graficamente os equivalentes demoníacos dos 144.000 em uma quantidade assombrosa de tropas (Apoc. 9:13-18).5
 
É importante observar que a ordem de Deus para o tempo do selamento, "não danifiqueis nem a terra, nem o mar, nem as árvores, até selarmos na fronte os servos do nosso Deus" (Apoc. 7:3), ainda segue em efeito durante a quinta trombeta (9:4), apesar de que as trombetas anteriores causaram um dano parcial à terra, ao mar e às árvores ("uma terça" parte foi afetada, 8:7-9).
A revelação de que o juízo da sexta trombeta vem de parte do anjo que está entre os "quatro ângulos do altar de ouro que se encontra na presença de Deus" (Apoc. 9:13), indica que as 6 primeiras trombetas abrangem todo o tempo de graça da era da igreja. O que cada trombeta descreve com referência à história humana real, deve determinar-se por uma aplicação cuidadosa de cada trombeta à história política e religiosa da igreja cristã do Império Romano até nossos dias. As trombetas não devem ser consideradas por si mesmas, isoladas do amplo contexto do Apocalipse se queremos evitar conclusões especulativos.
 Referencias:
1. Ellen White, 7 CBA 982 (T. 7-A, P. 412).
2. 7 CBA 804.
3. Holbrook, Symposium on Revelation – Book 1, p. 181.
4. Paulien, "Seals and Trumpets: Some Current Discussions", Simpósio sobre o Apocalipse, T. 1, p. 195.
5. Ver Paulien, Ibid., p. 196.

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