João apresenta o futuro numa linguagem figurada e simbolismo
complexos. Uma chave para entender o estilo literário de João é o seu modelo de
antecipação e ampliação. Por exemplo, as promessas de Cristo aos vencedores nos
capítulos 2 e 3 voltam como tendo sido cumpridas nos capítulos 21 e 22. O
anúncio da queda de Babilónia no capítulo 14 explica- se mais tarde nos
capítulos 16 aos 19. A besta perseguidora no capítulo 11:7 se descreve mais
completamente nos capítulos 13 e 17. João usa a técnica de entrelaçar as suas
visões antecipadoras na primeira metade do livro com a narração orientada ao
fim na segunda metade. O Apocalipse é um corpo coerente, um todo orgânico que
mostra uma formosa concepção arquitectónica.
O maior desafio é como entender as reiterações manifestas
que há no livro. Várias vezes se descreve o fim desta era (Apoc. 1:7; 6:12-17;
11:15-19; 14:14-20; 19:11-21; 20:11-15). Estas visões reiterativas do fim são
parte do propósito do autor. Excluem a hipótese de que João descreve a era da
igreja em uma sequência de linha reta. Antes, apresenta perspectivas diferentes
do fim. João descreve os 7 selos (caps. 6 e 7), as 7 trombetas (caps. 8-11) e
as 7 pragas (caps. 16 e 17), como ciclos paralelos que se complementam entre si
e que cada vez mais se centram sobre os eventos finais.
O livro do Apocalipse como um todo avança da promessa ao
cumprimento. Este movimento se parece com um movimento para cima de uma escada
em espiral. As séries de selos, trombetas e pragas, constrói-se uma sobre a
outra. Juntas expressam de uma maneira mais adequada a complexidade da era da
igreja que qualquer desses ciclos por si só. Cada ciclo revela sua própria
ênfase sobre a apostasia, o juízo e a liberação. Este modelo intensificado
reforça a mensagem de esperança para a acossada igreja de Cristo. Também rebate
uma aceitação fatalista de todas as hostilidades.
A igreja perseguida deve recordar que o Cristo glorificado é
descrito como um Cordeiro todo-poderoso com "sete chifres" (Apoc.
5:6). No Antigo Testamento, um "chifre" é o símbolo de poder militar
e político (Deut. 33:17; Dan. 7:24). A linguagem figurada pouco realista de um
cordeiro com 7 chifres, assegura ao povo de Deus que o Cordeiro de Deus,
aparentemente derrotado, agora tem poder omnipotente para julgar e libertar.
Tem esta capacidade porque triunfou sobre Satanás no céu e na terra por meio de
seu testemunho e de sua morte (Apoc. 5:5, 9). Agora lhes volta a assegurar a
seus verdadeiros seguidores que eles também "reinassem sobre a terra"
(v. 10).
João apresenta a história da apostasia, a perseguição e a
libertação, primeiro nos 7 selos e depois nas 7 trombetas (Apoc. 6-9). Como
Jesus foi duas vezes através da era da igreja em Mateus 24 (a: vs. 4-14; b: vs.
15-31), assim também observamos como o Cristo ressuscitado repete os temas
básicos de Mateus 24 nos selos e nas trombetas. Enquanto os selos informam o
leitor a respeito dos sofrimentos da igreja, as trombetas tratam com os juízos
preliminares de Deus sobre os inimigos de seu povo fiel.
APOCALIPSE - A Visão Preliminar das Trombetas
Em Apocalipse 8:2-6, João apresenta uma visão preliminar em
que mostra a origem e o propósito das 7 trombetas. Começa e termina com o
anúncio de que há 7 anjos diante de Deus que receberam 7 trombetas (8:2, 6).
Este artifício literário, uma inclusão-introdução, marca a visão preliminar
como uma unidade independente. Descreve o ministério intercessor de Cristo e
sua terminação.
Esta cena do trono celestial em Apocalipse 8 funciona em uma
forma similar à visão preliminar aos 7 selos em Apocalipse 5. Como os 24
anciões tinham "taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos
santos" (5:8), assim João vê em Apocalipse 8 a um anjo que tinha "um
incensário de ouro", de pé ante o altar, "e lhe deu muito incenso
para acrescentá-lo às orações de todos os santos sobre o altar de ouro que
estava diante do trono" (8:3). A petição das orações dos santos
martirizados "sob o altar" mencionou-se nos selos em Apocalipse 6:9 e
10. Clamam por vingança divina por causa da injustiça que lhes fez, assim como
pelo pacto que Deus tem com eles. Pedem a Deus que seja "fiel" a seu
pacto. Dessa maneira, a visão de Apocalipse 8:3 e 4 iguala o período de tempo
dos selos em Apocalipse 6. A visão se refere ao contínuo ministério intercessor
de Cristo no céu, porque recorda a oferta diária de incenso no serviço do
santuário israelita (Êxo. 30:1, 7, 8).
O principal tema desta visão preliminar das trombetas é a
segurança de que Cristo ouve as orações suplicantes de seu povo oprimido como
se declara diretamente em Hebreus 4:14-16. Embora as orações de todos os santos
se elevam diretamente a Deus, necessitam o "incenso" essencial do
próprio altar de Deus. Este incenso representa a propiciação divina por nossos
pecados.
Disse João a respeito de Cristo: "E ele é a propiciação
[hilasmos] por nossos pecados" (1 João 2:2; também 4:10). Ellen White
oferece esta aplicação prática: "O universo celestial contempla de amanhã
e de tarde cada família que ora, e o anjo com o incenso, que representa o
sangue da expiação, acha acesso diante de Deus".1 A visão preliminar termina
com uma cena que descreve a finalização do ministério do anjo com o incenso
seguido pelo fato de enchê-lo com fogo do altar e lançá-lo na terra,
acompanhado pelos trovões, os relâmpagos e um terremoto:
"E o anjo tomou o incensário, encheu-o do fogo do altar
e o atirou à terra. E houve trovões, vozes, relâmpagos e um terremoto"
(Apoc. 8:5).
Em seu ato final, o anjo usa o incensário não mais para a
intercessão e sim para o juízo: fogo sem incenso. Isto indica que as orações
dos santos (Apoc. 6:9-11 ) serão respondidas por meio dos juízos sobre a terra,
seguidos pela aparição do Juiz de toda a terra em conexão com um terremoto
cósmico. Um protótipo surpreendente se encontra em Ezequiel, quem descreve uma
visão da maldição de Jeová sobre a Jerusalém impenitente:
"E falou [Jeová] ao homem vestido de linho, dizendo:
Vai por entre as rodas, até debaixo dos querubins, e enche as mãos de brasas
acesas dentre os querubins, e espalha-as sobre a cidade" (Ezeq. 10:2).
O contexto histórico assinala que justamente antes do
fatídico ano 586 a.C., o Deus de Israel estava abandonando o templo de
Jerusalém com um estrondo poderoso (Ezeq. 10:4, 5, 18). O arrojar as brasas
acesas simbolizava a execução do juízo de Deus sobre Jerusalém por meio da
guerra e do exílio (Ezeq. 11:8-10). Este juízo foi a manifestação da maldição
do pacto se eram desobedientes predita em Levítico 26, o que incluía a
destruição de Jerusalém, de seu templo e a dispersão de Israel por meio das
guerras (Lev. 26:31-34). A maldição do pacto implicava que Deus faria guerra
contra seu povo apóstata: "Eu também procederei contra vós, e vos ferirei
ainda sete vezes por seus pecados" (26:24). Não obstante, o Deus do pacto
proporcionaria misericórdia para os que se arrependessem e confessassem seus
pecados (vs. 40-45; Ezeq. 11:16-21).
No marco histórico de Ezequiel, o pulverizar as brasas
acesas do trono de Deus sobre a terra não simbolizava o juízo final mas ser um
juízo punitivo sobre Israel, com o propósito de levá-los a arrependimento (ver
Ezeq. 11:18-20). A visão preliminar de João às 7 trombetas em Apocalipse 8:2-6
deve entender-se contra este transfundo de Ezequiel. A visão de João inclui
tanto o tempo de graça como a ira de Deus.
A série das trombetas não anuncia meramente a ira final de
Deus (esta chega só sob a sétima trombeta), mas também a sequência de juízos
restringidos, os quais "só" danificarão um terço da terra (11 vezes
em Apoc. 8 e 9). Estes juízos parciais das 6 primeiras trombetas são juízos de
admoestação preliminares. Admoestam ao mundo quanto às últimas pragas que virão
e a ira de Deus sem mistura de misericórdia à conclusão do Dia da Expiação,
quando ninguém pode entrar no templo do céu (Apoc. 15:1, 5-8).
As 6 primeiras trombetas ainda saem do altar de ouro de
incenso que estão diante de Deus (Apoc. 9:13). Isto sugere que o tempo de graça
ainda não terminou durante essas 6 trombetas. O ato simbólico de arrojar fogo
do altar sobre a terra indica a iniciação dos juízos de Deus em resposta às
orações de súplica dos santos. A sequência das 6 trombetas (caps. 8 e 9) que
culminam na sétima trombeta ou as 7 últimas pragas (caps. 15 e 16), ensinam que
os atos simbólicos do anjo diante do altar terão um duplo cumprimento:
1. Calamidades de extensão limitada durante a era da igreja;
2. As últimas pragas, sem misericórdia, sobre os inimigos
universais de Cristo e de seu povo.
A Relação Entre os Selos e as Trombetas
Uma pergunta provocadora é esta: Quando começam as trombetas
em relação com os selos que as precedem? São totalmente paralelos estas séries
e portanto simultâneas, ou consecutivas, ou só parcialmente paralelas? Não há
uma opinião unânime entre os eruditos bíblicos sobre este ponto. O Comentário
bíblico adventista informa que a interpretação que favorece os adventistas vê
que as "trombetas correspondem cronologicamente, em grande medida, com o
período de história cristã que abrangem as sete igrejas (caps. 2 e 3) e os sete
selos (6; 8:1), os quais destacam os acontecimentos políticos e militares
sobressalentes deste período".2
Também se menciona o ponto de vista "sequencial"
de acordo com o qual os 7 juízos das trombetas se derramam sobre a terra depois
da terminação do tempo de graça. Mas este ponto de vista não encontra respaldo
no contexto bíblico por parte da "Comissão Adventista sobre Daniel e
Apocalipse". Assinala que os eventos da proclamação do evangelho do tempo
do fim em Apocalipse 10 e 11:1-14 pertencem à sexta trombeta. Portanto, tira-se
a seguinte conclusão: "Os acontecimentos das trombetas ocorrem no tempo de
graça, no tempo histórico... Se a sétima trombeta está unida à terminação da
obra do evangelho, a dispensa evangélica, então as 6 trombetas precedentes
devem necessariamente soar durante o tempo de graça".3
A opinião que mantém que as trombetas soam depois do tempo
de graça se apoia sobre a hipótese de que as trombetas começam só depois da
finalização da visão preliminar de Apocalipse 8:2-6. Este ponto de vista supõe
que a cena do santuário e as trombetas em Apocalipse 8 estão descritas em uma sequência
cronológica. Mas esta hipótese não está justificada em vista do fato de que as
outras visões preliminares do santuário não expiraram antes que comece cada
série: a que precede as 7 igrejas (Apoc. 1), a que precede os 7 selos (Apoc.
5), e a que precede as 7 pragas (Apoc. 15). Todas as visões preliminares seguem
ativas durante cada série. De fato, cada carta às 7 igrejas se refere a Cristo
como aparece na visão inaugural de Apocalipse 1; cada abertura dos selos é o
resultado da obra de Cristo na visão de introdução de Apocalipse 5; cada uma
das 7 pragas são derramadas enquanto ninguém pode entrar no templo (Apoc.
15:8).
Por conseguinte, é uma hipótese mais adequada ver a visão do
trono de Apocalipse 8:2-6 como a fonte ativa permanente das 7 trombetas. Jon
Paulien conclui dizendo: "É mais provável que João tinha a intenção de que
o leitor visse a intercessão ante o altar de ouro como estando disponível até o
instante quando soasse a sétima trombeta, que leva à consumação do 'mistério de
Deus' (Apoc. 10:7), quer dizer, a terminação do evangelho (Rom. 16:25-27; Ef.
3:2-7; 6:19)".4
O fato de que a quinta trombeta se refira ao "selo de
Deus" sobre as frontes do povo de Deus (Apoc. 9:4), e que por isso parece
coincidir com o selamento do tempo do fim dos servos de Deus em Apocalipse 7, é
uma característica significativa. A referência ao selo de Deus sobre "a
fronte" indica que a obra do selamento de Apocalipse 7 e a quinta trombeta
estão intimamente conectadas. Ambos os eventos podem ser vistos como contrapartes
históricas que acontecem até durante o tempo de graça. Também se reconheceu que
a sexta trombeta tem um forte paralelo com o selamento de Apocalipse 7 porque
esta trombeta descreve graficamente os equivalentes demoníacos dos 144.000 em
uma quantidade assombrosa de tropas (Apoc. 9:13-18).5
É importante observar que a ordem de Deus para o tempo do
selamento, "não danifiqueis nem a terra, nem o mar, nem as árvores, até
selarmos na fronte os servos do nosso Deus" (Apoc. 7:3), ainda segue em
efeito durante a quinta trombeta (9:4), apesar de que as trombetas anteriores
causaram um dano parcial à terra, ao mar e às árvores ("uma terça"
parte foi afetada, 8:7-9).
A revelação de que o juízo da sexta trombeta vem de parte do
anjo que está entre os "quatro ângulos do altar de ouro que se encontra na
presença de Deus" (Apoc. 9:13), indica que as 6 primeiras trombetas
abrangem todo o tempo de graça da era da igreja. O que cada trombeta descreve
com referência à história humana real, deve determinar-se por uma aplicação cuidadosa
de cada trombeta à história política e religiosa da igreja cristã do Império
Romano até nossos dias. As trombetas não devem ser consideradas por si mesmas,
isoladas do amplo contexto do Apocalipse se queremos evitar conclusões
especulativos.
1. Ellen White,
7 CBA 982 (T. 7-A, P. 412).
2. 7 CBA
804.
3.
Holbrook, Symposium on Revelation – Book 1, p. 181.
4. Paulien,
"Seals and Trumpets: Some Current Discussions", Simpósio sobre o
Apocalipse, T. 1, p. 195.
5. Ver
Paulien, Ibid., p. 196.
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