O propósito do Apocalipse de João é revelar as coisas que
"devem acontecer" (Apoc. 1:1, 19; 4:1). De modo surpreendente, o que
João vê agora em visão, não trata a respeito do que ia passar na terra e sim o
que estava acontecendo no céu! A razão para este notável ponto central de
atividade em Apocalipse 4 e 5 pode encontrar-se na revelação de que as decisões
na sala do trono celestial determinam o curso da história humana, tal como o
surgimento e a queda dos governos humanos, mas acima de tudo, o destino final
do mundo. Daniel tinha assinalado a soberania de Deus sobre a humanidade: "Ele
muda os tempos e as idades; tira reis e põe reis" (Dan. 2:21; ver também
4:17; 5:18, 26-28). Depois da devastação de Jerusalém, Jeremias assegurou aos
judeus: "Mas tu, Jeová, permanecerás para sempre; teu trono de geração em
geração" (Lam. 5:19). Jesus se submeteu ao poder brutal do governador
romano Pilatos, mas declarou: "Nenhuma autoridade teriam contra mim, se
não fosse dada de acima" (João 19:11).
Agora o Soberano no céu revela a João um esboço da era da
igreja, com ênfase especial sobre o resultado final como está determinado por
sua vontade soberana. Este futuro se centra em Cristo e em seu povo do pacto, e
se revela por meio da visão do "livro" de Apocalipse 5 a 7.
O livro divino [biblíon] em Apocalipse 5 está selado com 7
selos que ninguém nem no céu nem na terra é digno de abrir. Isto é altamente
significativo. Nenhum ser criado, seja anjo ou santo, tem a dignidade de Jesus
exaltado. Só Cristo pode dar a conhecer os juízos de Deus, abrindo os selos
(Apoc. 6 e 7), e pelas visões seguintes e esclarecedoras do Apocalipse. Dessa
maneira Cristo dá sentido à história mundial. Ele colocou a humanidade em
direção a uma meta que Deus predeterminou em sua sala do trono no céu. Por isso
as visões do trono de João são fundamentais para todo o livro. G. R. Beasley-Murray
percebeu isto e disse: "Neste particular, estes capítulos [Apoc. 4 e 5]
constituem o fator fundamental da estrutura que mantém unido o livro, porque o
resto das visões são montadas nesta estrutura principal".1
A ênfase sobre o livro divino na mão direita de Deus amplia
o foco de Deus como o Criador em Apocalipse 4 para Deus como o Redentor de sua
criação. A visão do trono no capítulo 5 revela a maneira na qual Deus "tem
que vir" (Apoc. 4:8) na história da humanidade para cumprir seu propósito.
A Majestade sobre o trono tem em sua mão direita um livro escrito em ambos os
lados, e selado com 7 selos (5:1). Alguns viram aqui uma similitude com o rolo
do livro desdobrado que Ezequiel recebeu de Deus, no qual estavam escritas por
diante e por trás "lamentos e lamentações e ais" (Ezeq. 2:9, 10).
Outros vêem um paralelo mais adequado com o rolo de Deuteronómio, o qual, como
o livro do pacto, devia dar-se a um recém-coroado rei em Israel (ver Deut.
17:18-20; 2 Reis 11:12). Em sua tese, Ranko Stefanovic tira esta ampla
conclusão:
"Ao tomar o livro, a Cristo lhe encomendou a soberania
do mundo (cf. 1 Ped. 3:22; Fil. 2:9-11); o livro significaria então a legítima
transferência do reino. Em tal contexto, também tem um caráter de testamento, e
pode chamar-se também o livro da herança de Cristo. Desde que a transferência
do reino se refere à recuperação da posse do direito que se perdeu pelo pecado,
o livro tem todas as características do livro da redenção ou a escritura da
venda. Ao tomar o livro, todo o destino da humanidade se coloca nas mãos do
Cristo entronizado; por isso é na verdade o livro celestial do destino. Ele
julgará sobre a base de seu conteúdo, por isso é o livro de juízo".2
O conteúdo deste livro selado, descrevendo os juízos de Deus
sobre um mundo hostil, como aparece pelos capítulos que seguem, coloca-se nas
mãos do Senhor ressuscitado, o Cristo todo-poderoso e omnisciente (ver Apoc.
5:6). Apocalipse 5 assegura que por meio da vitória de Cristo na terra, será
restaurado o reino de Deus (ver Apoc. 21:5).
"Todavia, um dos anciãos me disse: Não chores; eis que
o Leão da tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus
sete selos. Então, vi, no meio do trono e dos quatro seres viventes e entre os
anciãos, de pé, um Cordeiro como tendo sido morto. Ele tinha sete chifres, bem
como sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus enviados por toda a terra.
Veio, pois, e tomou o livro da mão direita daquele que estava sentado no
trono" (Apoc. 5:5-7).
Um dos santos glorificados no céu explica que as promessas
de Deus a Israel encontraram seu cumprimento no Senhor ressuscitado, e se
refere a três profecias essencialmente messiânicas e as combina em uma
proclamação de cumprimento: Génese 49:9, 10; Isaías 11:1-10 e 53:7. "Em
nenhum outro lugar no Novo Testamento estão agrupados os termos reais mais
significativos em relação com Cristo e seu ministério posterior a sua
ressurreição assim como no sentar-se à direita sobre o trono do Pai".3
Mas, por que Cristo Jesus foi o único considerado digno? Por que o plano de
Deus para a restauração de todas as coisas se faz depender da dignidade moral
do Messias davídico e de sua missão como o Cordeiro de Deus (Apoc. 5:6)? W. C.
Van Unnik explicou bem isto:
"Ele foi provado em seus sofrimentos e ganhou a vitória.
A grandeza de sua obra se descreve no v. 9: de todas as nações redimiu escravos
e fez, a estes que antes eram escravos de todos os povos, inclusive os pagãos
(!), ser o povo santo de Deus, sacerdotes e reis, a prerrogativa típica de
Israel (Êxo. 19:5 e seguintes)".4
João vê o Cristo crucificado e ressuscitado sendo exaltado e
entronizado na sala do trono celestial como o Soberano da história. A
transferência do livro selado do Pai a Cristo o faz Senhor sobre o
desenvolvimento da história do planeta, dado que sua tarefa é abrir os selos do
livro do destino do homem. Cristo começa a executar os decretos para o mundo e
a igreja. A história humana com seu juízo final se coloca nas mãos do Senhor
ressuscitado. Sem Cristo, a história do mundo é um enigma e não tem finalidade.
Portanto, todo o céu estala em louvor quando Cristo é declarado digno de
receber o livro divino do destino.
"E, quando tomou o livro, os quatro seres viventes e os
vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um deles
uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos
santos" (Apoc. 5:8).
Em resposta à coroação de Cristo no céu, todos os serafins e
os anciões cantam com adoração um "novo cântico" ao Cordeiro de Deus:
"Cantavam um cântico novo: Tu mereces receber o rolo e
soltar seus selos, porque foste morto e com teu sangue adquiriste para Deus
homens de toda raça e língua, povo e nação; fizeste deles linhagem real e
sacerdotes para nosso Deus e serão reis na terra" (Apoc. 5:9, 10, NBE).
Este cântico é "novo" porque agora foi entronizado
o Rei legítimo. Seu triunfo sobre o pecado, Satanás e a morte sobre a terra é
considerado no céu como de importância decisiva (ver também Fil. 2:9-11).
George Ladd declara: "Se não tivesse vindo em humildade, como Salvador
sofredor, não teria vindo como Messias conquistador".5 Este cântico é novo
porque está apoiado no fato de que o Cordeiro foi morto, e demonstrou ser digno
de abrir os selos do livro como se fora seu próprio testamento.
Em outro sentido, o cântico dos serafins e dos anciões é
novo porque está apoiado não só sobre acontecimentos passados, mas também olha
para o futuro da humanidade redimida: "E serão reis na terra" (Apoc.
5:10). Isso significa que aos fiéis se outorgará o privilégio de compartilhar o
reino com Cristo (Luc. 22:29, 30; Apoc. 3:21). João vê o coro celestial
aumentando cada vez mais, até que milhões de anjos se unem com sua doxologia do
séptuplo louvor ao Cordeiro: "Proclamando em grande voz: Digno é o
Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e
honra, e glória, e louvor" (Apoc. 5:12; cf. l Crón. 29:11-13, para Jeová).
O coro continua aumentando até que finalmente João vê todas
as criaturas no céu, na terra e debaixo da terra (os mortos) somar suas vozes
aos coros celestiais na exaltação tanto do Pai como do Cordeiro: "Então,
ouvi que toda criatura que há no céu e sobre a terra, debaixo da terra e sobre
o mar, e tudo o que neles há, estava dizendo..." (Apoc. 5:13; ver também
Fil. 2:10, 11).
Aqui Cristo recebe o reconhecimento cósmico-universal de sua
deidade porque "toda criatura" adora a Deus e ao Cordeiro. Na visão
de João, o círculo de adoradores foi em constante aumento. Primeiro, o círculo
íntimo dos 4 serafins, depois se acrescentaram os 24 anciões seguidos pelos
milhões de milhões de anjos. Finalmente, o círculo mais exterior de todos os
seres criados no universo se unem na adoração e louvor da majestade de Deus.
Este é o objetivo final para o qual avança a história e que se cumprirá no fim.
O céu antecipa esta celebração do reino de Deus e do
Cordeiro na Nova Jerusalém (Apoc. 21:22-27; 22:1-5). Hoje a igreja pode tomar
fôlego com esta segurança. Seus melhores dias estão no futuro. O reino de Deus
será restaurado. Bruce M. Metzger faz esta aplicação: "O propósito
primitivo do autor não é tanto descrever a liturgia do céu, como o é o dar
esperança e um sentido de vitória a seu povo sobre a terra na luta que lhe
espera no futuro".6 Beasley-Murray assinala corretamente que "o característico
importante do rolo selado não são os juízos que acompanham a abertura dos selos
[Apoc. 6-9], e sim o acontecimento supremo ao qual conduzem".7
A Abertura dos Selos
A visão do trono de Apocalipse 5 não descreve a cena do
juízo de Daniel 7, como alguns sustentam. As diferenças entre ambas as visões
são muito assinaladas. Primeiro, a intenção da visão do trono que teve João é
revelar o começo do ministério e reinado celestial de Cristo devido a sua
entronização como o Senhor ressuscitado, a iniciação de uma nova era de
salvação, a era messiânica.
A visão de Daniel descreve um juízo no céu que inaugura o
ministério final de Cristo quando o anticristo governou a terra durante 3½
tempos proféticos (Dan. 7:8-11, 25, 26). Jon Paulien declara: "O juízo não
tem lugar nos capítulos 4 e 5 quando os selos ainda têm que ser abertos".8
Apocalipse 5 descreve o gozo de êxtase que há no céu pela
abnegação, ressurreição e entronização de Cristo como Rei-Sacerdote no céu, que
o capacita a restaurar o reino de Deus sobre a terra. As ações de Cristo de
abrir os 7 selos do livro se parecem com o ritual da abertura de um testamento,
que na cultura romana estava fechado com 7 selos.9 Quando se abria um
testamento, lia-se em voz alta ante as testemunhas originais e depois,
executava-se. Th. Zahn declara:
"O documento assegurado com sete selos é um símbolo
facilmente compreendido da promessa e segurança dada por Deus a sua igreja do
futuro reino [basiléia]. Esta disposição irrevogável de seus bens ocorreu faz
muito tempo, foi documentada e selada, mas incluso no foi levada a cabo. A
herança ainda está guardada no céu (1 Ped. 1:4), e portanto o testamento
incluso no foi aberto nem levado a cabo".10
Esta comparação ilustra o significado da abertura do divino
livro: pode ler-se e realizar-se como um testamento por Cristo só depois de sua
morte como sacrifício. A abertura de um selo por Cristo revela uma nova fase da
história da igreja, até que o sexto selo apresente o terrível dia do juízo para
todos os que rechaçaram o reino do Cordeiro.
Hans K.
LaRondelle
Referências
1
Beasley-Murray, Revelation, p. 108.
2
Stefanovic, The Background and Meaning of the Sealed Book of Revelation 5, p.
322.
3 Ibid., p.
318.
4 Van
Unnik, " 'Worthy is the Lamb'. The Background of Apoc 5", p. 460.
5 Ladd, El Apocalipsis de Juan: Un comentario, p. 55.
6 Metzger,
Breaking the Code. Understanding the Book of Revelation, p. 54.
7
Beasley-Murray, Revelation, p. 123.
8 Paulien,
em Simposio sobre el Apocalipsis, T. 1, P. 187.
9 Zahn,
Introduction to the New Testament, t. 3, p. 394.
10 Ibid.