A primeira chave
Que chaves temos para decifrar seu simbolismo apocalíptico?
A primeira chave interpretativa se apresenta virtualmente em cada versículo do
livro. A edição grega do Novo Testamento indica que o Apocalipse contém mais de
600 alusões aos escritos do Antigo Testamento. A Bíblia Hebraica continua sendo
o fundamento e a raiz do Novo Testamento, e só quando mantemos juntos ambos os
Testamentos temos a Bíblia completa. Em grande parte, o Antigo Testamento é
profecia e o Novo Testamento proclama o seu cumprimento em Cristo e em seu
povo. Não podemos entender completamente um sem o outro. O fato de que o
Apocalipse se refira mais de 600 vezes à história do Antigo Testamento e a seus
conceitos hebraico, sugere que o Antigo Testamento é a primeira chave para
decifrar o livro do Apocalipse.
Em seu livro Atos dos Apóstolos, Ellen White declara que
"no Apocalipse todos os livros da Bíblia se encontram e se cumprem"
(p. 585). Essa é uma declaração teológica profunda e fascinante! Todos os
outros livros da Bíblia, 65 em total, encontram seu significado recôndito e sua
consumação no Apocalipse. Isto quer dizer que os livros de Moisés, os profetas,
e também os Salmos, encontram sua aplicação final no livro do Apocalipse.
Significa que todos os atos históricos de Deus em salvação e juízo voltarão a
acontecer em uma escala mundial.
O fato de que o Antigo Testamento seja a chave para o
Apocalipse tem sido reconhecido hoje em dia como um descobrimento importante na
história dos estudos apocalípticos. Não obstante, alguns intérpretes até tratam
de explicar o livro do Apocalipse por si mesmo, torna literal as palavras e
imagens como se fossem fotografias atuais de eventos futuros. Por conseguinte,
o centro de atenção muda imediatamente para longe de Cristo ao povo judeu no
Oriente Médio e a outros eventos políticos. O monte Sião em Apocalipse 14 se
aplica a um monte literal em Jerusalém. Este enfoque se chama literalismo.
Outros foram ao extremo oposto segundo o qual cada símbolo se explica
especulativamente, sem nenhuma norma bíblica. Esse enfoque se chama alegorismo.
Tanto o literalismo como o alegorismo são especulações injustificadas.
A única chave que decifra o significado recôndito do
Apocalipse é a chave que o mesmo livro indica. Seus conceitos simbólicos e seus
termos estão tirados do Antigo Testamento. Ali encontramos o significado dos
símbolos apocalípticos em seu marco do pacto original e da história da
salvação. No Antigo Testamento encontramos os protótipos na história do que
Deus vai fazer no futuro. Deus revela o futuro mostrando-nos como atuou no
passado. Diz ao povo de Cristo que têm um sublime chamado e um grande futuro,
devido ao que Deus prometeu no passado.
O Apocalipse destaca a autoridade de Cristo ao declarar que
é "a revelação do Jesus Cristo, que Deus lhe deu" (1:1). O que é que
quer dizer por Deus"? O Deus do pacto, o Deus de Israel, o Deus de Abraão,
Isaque e Jacó. O Deus do pacto está falando agora "para manifestar a seus
servos as coisas que devem acontecer logo" (v. 1). Estas palavras:
"que devem acontecer logo", com exceção da palavra "logo",
todas estão citadas de Daniel. Estando perante Nabucodonosor, o rei de Babilónia,
disse Daniel: "Mas há um Deus nos céus, o qual revela os mistérios, e ele
tem feito saber ao rei Nabucodonosor o que tem que acontecer nos últimos
dias" (Dan. 2:28). Estas palavras se repetem como o tema do Apocalipse.
Entretanto, João acrescenta a palavra "logo" (Apoc. 1:1). Isto nos
diz que a primeira vinda de Cristo levou a expectativa da esperança de Daniel
muito mais perto de sua realização histórica.
Para apreciar o cumprimento da profecia do Daniel, devemos
saber em que tempo recebeu a visão. Daniel viveu durante o Império
Neobabilônico (604-539 a.C.). No capítulo 2, Daniel revela uma visão que Deus
deu ao rei Nabucodonosor. Consistia de uma estátua metálica feita de quatro
metais: uma cabeça de ouro; seu peito e seus braços de prata; seu ventre e suas
coxas de bronze; suas pernas de ferro; os pés, em parte de ferro e em parte de
barro cozido, um fundamento muito frágil para uma estátua tão pesada.
Esta é uma revelação de como Deus vê o curso da história do
mundo, com a humanidade erguida sobre pés de barro. Entretanto, no quadro vivo
de Daniel, Deus tem uma parte. Duas vezes se destaca que uma pedra foi cortada
"sem intervenção humana" (Dan. 2:34, 45, NBE), indicando que o homem
não tem nada que ver com o destino final do mundo. No tempo indicado por Deus,
descerá uma rocha do céu, dirigindo-se para o planeta terra. A estátua
simboliza nosso mundo em sua história política do tempo do profeta Daniel.
Começando com Babilónia, apresenta os impérios sucessivos de Medo-pérsia,
Grécia- Macedónia, para ser seguidos pela autoridade de ferro do Império Romano
que durou desde ano 164 a.C. até 476 d.C. Depois disso viria um mundo
"dividido" (v. 41).
Hoje em dia não existe um governo mundial, embora alguns
tentaram fazê-lo pela força durante os últimos séculos, incluindo Carlos Magno,
Napoleão e Hitler. Nossa situação mundial presente está surpreendentemente
representada pelos pés da estátua da profecia. Somos testemunhas da época
avançada na história do mundo, tal como se esboça em Daniel 2.
Deus é o Senhor da história, e por meio de Cristo a levará a
sua conclusão decretada. Quando Cristo venha pela segunda vez, terminará com
todas as estruturas políticas de poder, tal como se prediz em Daniel 2:44 e 45.
Deus não é um espectador da história mundial; ele guia e dirige ativamente o
fluir da história para seu destino, seja que lhe ajudemos ou não. Em Apocalipse
nos volta a assegurar que tudo será novo: "Eis aqui eu faço novas todas as
coisas" (Apoc. 21:5).
Nenhuma comunidade pode restaurar o paraíso. O Apocalipse
começa com a garantia de que a predição de Daniel acontecerá "logo"!
Há uma nova oportunidade em Apocalipse que não está presente em Daniel.
Uma indicação adicional desta urgência do fim do tempo é o
fato de que o rolo do Daniel estava "selado" até o tempo do fim (Dan.
12:4). Daniel 8 foi selado explicitamente para "um futuro remoto"
(8:26, NBE). Daniel não escreveu para seu próprio tempo. Suas visões ficaram
seladas porque eram para as gerações futuras. Por outro lado, o livro do
Apocalipse termina com esta ordem direta: "Não sele as palavras da
profecia deste livro, porque o tempo está perto" (Apoc. 22:10). Portanto,
o livro selado de Daniel fica aberto gradualmente no Apocalipse. Isto significa
que um não pode entender o livro do Apocalipse sem entender suas raízes em
Daniel. Isto se confirma pela primeira declaração que faz João do tema
fundamental do Apocalipse:
"Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até
quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele.
Certamente. Amém!" (Apoc. 1:7).
Esta linguagem figurada por si mesma não dá a conhecer todo
seu profundo significado. A chave para entender seu significado se encontra na
Bíblia Hebraica! A raiz central primária do Antigo Testamento de Apocalipse 1:7
é Daniel 7. Este capítulo de Daniel constitui a visão apocalíptica principal
para o livro do Apocalipse. Daniel mesmo ficou profundamente comovido pelo que
ouviu e viu. Sua nova visão ampliou sua predição profética anterior do capítulo
2. Agora se descrevem os quatro metais da estátua em Daniel 2 como quatro
bestas insólitas que surgem do mar das nações como impérios mundiais, em forma
sucessiva. Depois segue uma nova revelação que desenvolve o significado da
pedra que cai do céu e esmiúça a estátua.
A segunda chave
Escreve Daniel: "Eu estava olhando nas minhas visões da
noite, e eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do Homem"
(Dan. 7:13). Esta representação específica forma a fonte da proclamação de João
em Apocalipse 1: "Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá"
(v.7). Na visão de Daniel, o semelhante a um filho de homem, o ser celestial,
foi até o "Ancião de Dias" (Dan. 7:13).
"Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os
povos, nações e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio é domínio
eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído" (Dan. 7:14).
Esta coroação celestial do Messias celestial em Daniel 7
desenvolve o centro culminante em Daniel 2 onde a rocha cortada "sem
intervenção humana" investe contra a estátua, pulveriza-a e é levada pelo
vento de maneira que não fica nada a não ser a rocha, que chega a ser o paraíso
restaurado. Dessa forma, tanto no capítulo 2 como no 7, o profeta nos assegura
que o reino de Deus será restaurado sobre a terra.
Há algo muito importante que se desenvolve entre o Daniel 2
e 7. A pedra de Daniel 2 chega a ser o Messias, representado como "um como
um filho de homem", em contraste com as "bestas" ímpias do
capítulo 7. Esta revelação assombrosa revela que no céu há outro personagem
celestial além de Deus o Pai, um de aparência divina, que aparece sobre um
carro de nuvens celestial: "Com as nuvens!" Estas devem representar
as nuvens de anjos celestiais. A linguagem figurada de "nuvens"
indica uma aparência divina (ver Êxo. 13:21; 14:19; 19:16; 40:34; Lev. 16:2;
Núm. 9:15-23; Sal. 104:3; Isa. 19:1; Deut. 33:26). O Messias divino virá para
julgar e restaurar (Dan. 7:22). O Pai lhe dá todo o domínio sobre a terra. Este
Messias governará nosso mundo de parte de Deus. Declara Daniel:
"O reino, e o domínio, e a majestade dos reinos debaixo
de todo o céu serão dados ao povo dos santos do Altíssimo" (Dan. 7:27).
Aqui lemos que os santos receberão o reino de Deus. Esse
"reino será reino eterno, e todos os domínios o servirão e lhe
obedecerão" ao divino Filho de Homem (7:27). Dessa maneira Deus transfere
no céu ao Messias divino toda a autoridade e o poder soberano sobre nosso
planeta.
O Filho de Homem celestial deve provir do céu e dirigir-se à
Terra. Nesse ponto, Apocalipse 1 continua e supera Daniel 7. Apocalipse 1
anuncia: "Eis que vem com as nuvens". Virá "logo" a nossa
terra: "E todo olho o verá" (v. 7). Esta não é uma vinda espiritual,
invisível, porque até os incrédulos em todo mundo verão sua vinda. Significa o
glorioso reaparecimento do Senhor Jesus Cristo ressuscitado (ver também At.
1:9-11; Heb. 9:28).
Para os judeus, o Messias era primordialmente um personagem
político e militar. Jesus não desejava confirmar estas expectativas messiânicas
(João 6:15). Distanciou-se da imagem messiânica prevalecente em seus dias e
escolheu um símbolo do Antigo Testamento que não estava carregado com essa
interpretação errónea. Jesus se chamou a si mesmo "o Filho do Homem".
Mudou a expressão de Daniel de "um como um filho de homem" a um termo
messiânico mais explícito. Cristo se chamou a si mesmo em repetidas ocasiões
"o Filho do Homem". De fato aparece assim 77 vezes nos quatro
Evangelhos.
A frase "o Filho do Homem" não quer dizer que
Jesus foi meramente um homem. Cristo explica a designação da visão de Daniel 7:
"Pois para que saibam que o Filho do Homem tem poder na terra para perdoar
pecados, te digo: levante-te" (Mar. 2:10, 11). Aqui Cristo se chamou a si
mesmo "o Filho do Homem". Como o filho de homem em Daniel, tem o
poder para perdoar pecados. Nenhum sacerdote Levítico disse nunca: "Perdoo
teus pecados". Não há nenhum pastor protestante que afirme: "Perdoo
seus pecados". Só o sacerdote católico romano afirma: "Perdoo seus
pecados" ("Ego te absolvo"). Segundo a Sagrada Escritura só Deus
pode perdoar nossos pecados (Sal. 32:5; Isa. 43:25). Por isso, quando o
"filho de homem" de Daniel 7 vem para perdoar pecados, a frase
"Filho do Homem" significa o Messias celestial ou "Filho de
Deus" (ver João 5:27). Só à luz de Daniel 7 podemos entender que o Filho
do Homem é o Messias divino com autoridade igual à de Deus o Pai.
Quando o Apocalipse enfatiza que Cristo logo voltará, isto
são boas novas para os seguidores de Jesus. Virá para executar seu juízo sobre
os ímpios. Se pela fé "estamos em Cristo" não temos nada a temer,
porque Cristo já nos livrou que a condenação divina (Rom. 8:1). Em realidade,
devemos recebê-lo com satisfação e desejar juiz divino, como insígnia o livro
de Salmos. No Salmo 96 todas as árvores do bosque "transbordam de contente",
porque Deus deve julgar o mundo com justiça (vs. 11-13).
O Apocalipse proclama que todos os que estão sobre a terra
serão testemunhas de sua segunda vinda, até aqueles que o
"transpassaram". Esta expressão se refere claramente à morte de
Jesus. Jesus foi transpassado pela lança de um soldado romano. Do corpo de
Jesus fluiu água e sangue (João 19:34, 37). Mas em um sentido especial todos os
oponentes principais de Cristo Jesus na história estão incluídos em "os
que o transpassaram" por meio das "lanças" de suas palavras e
ações.
Esta frase também tem sua raiz principal no Antigo
Testamento. O profeta Zacarias havia predito antes que Jerusalém
"transpassaria" a seu próprio Messias Pastor e então todas as tribos
do Israel se afligiriam por ele (Zac. 12:10-14; cf. 9:9; 13:7). O cumprimento
das predições de Zacarias começou quando Cristo apareceu pela primeira vez,
durante sua entrada triunfal em Jerusalém como seu Messias Rei (ver Mat. 21:4,
5). Uma semana mais tarde Jesus anunciou que agora todas as suas ovelhas seriam
dispersas, como havia predito Zacarias (ver Mat. 26:31). Zacarias predisse que
Jerusalém rechaçaria e "transpassaria" a seu Messias:
"E olharão para mim, a quem traspassaram; e o
prantearão como quem pranteia por um unigénito; e chorarão amargamente por ele,
como se chora amargamente pelo primogénito" (Zac. 12:10).
Jesus recalcou que as doze tribos de Israel "se
lamentariam" (Zac. 12:12-14). Este pranto nacional incluso ainda não se
realizou na nação judaica. Apocalipse 1 faz esta aplicação ampliada:
"Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até
quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele.
Certamente. Amém!" (Apoc. 1:7).
Isto significa que todos os povos da terra se lamentarão com
desespero quando vier pela segunda vez, "por causa dele". O
Apocalipse desenvolve esta cena com mais dramatismo em suas visões seguintes
(ver 6:15-17; 14:14-20; 19:11-21). A importância deste ponto culminante no
Apocalipse fica sublinhada pelas palavras proféticas de Jesus no Evangelho de
Mateus:
"Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem;
todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as
nuvens do céu, com poder e muita glória" (Mat. 24:30).
Porque "todo olho" o verá e "todas as
tribos" ou povos da terra farão lamentação por ele; ninguém que rechace a
Cristo na geração final será capaz de esconder-se deste glorioso Rei-Juiz no
último dia.
Resumo
Sintetizando os descobrimentos desta investigação, o
Apocalipse revela duas chaves específicas de interpretação para decifrar seus
conceitos simbólicos:
A primeira chave é que seu simbolismo está copiado do
Testamento mais antigo, a Bíblia Hebraica. Isto mantém a continuidade do Deus
do pacto com seu verdadeiro Israel. A palavra de Deus não foi anulada devido à
rebelião de Israel. O Messias de Deus apareceu em Israel e cumpriu sua missão
(ver Mar. 10:45 e João 19:30).
A segunda chave é a verdade evangélica que se encontra nos
quatro Evangelhos do Novo Testamento: o crucificado e ressuscitado Jesus de
Nazaré é o Messias da profecia. Isto significa que todos os termos e as imagens
do antigo pacto estão agora refundidas na linguagem figurada do novo pacto que
está centrado em Cristo. Um erudito católico romano ficou tão impressionado
pela "releitura cristã do Antigo Testamento" feita por João, que
concluiu: "Agora perece que este uso deliberado do Antigo Testamento que
faz o autor do Apocalipse deveria estudar-se mais cuidadosamente do que foi
estudado até agora".[1]
Devem estudar-se múltiplas conexões do Apocalipse com o
Antigo Testamento, não para mostrar a maneira como João engenhosamente adaptou
os símbolos e as profecias hebraicas, a não ser para entender de que maneira o
Deus de Israel consumará suas promessas que fez no antigo pacto por meio de
Cristo e seu povo do novo pacto.
Hans K. LaRondelle
Referência
1. André Feuillet, The Apocalypse [O Apocalipse] (Staten
Island, Nova York: Alvorada House, 1965; da ed. francesa [Paris: Desclée deo
Brouwer, 1962]), p. 79.
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