terça-feira, 31 de maio de 2011

O PRIMEIRO DIA: O SONHO ESQUECIDO - A ESTÁTUA (Daniel 2:1-49)



Na verdade, é impossível estudar o livro do profeta Daniel sem nos maravilharmos da extraordinária precisão dos detalhes históricos, políticos e religiosos revelados por Deus ao seu profeta séculos antes de tudo acontecer.
A razão de ser do profetismo é a de nos fazer conhecer a vontade última do Deus que só Ele conhece. Efectivamente a profecia é isto mesmo, tal como o revela e define claramente o profeta Amós ao dizer: - “Certamente o Senhor Jeová não fará coisa alguma sem ter revelado o seu segredo aos seus servos, os profetas” – Amós 3.7.
Seja agradável ou desagradável o quanto Deus tem para revelar à criatura, o profeta deverá ser o veículo desta informação. Sempre existiram dois tipos de profetas: 1- falsos; 2- verdadeiros. Antes de abordarmos o tema que nos ocupa, abramos um pequeno parêntesis para vermos no Antigo Testamento alguns exemplos de verdadeiros e de falsos profetas:
a)- I Reis 22.1-38
Recordaremos aqui o interessante episódio passado entre o rei de Judá Jeosafá e o rei de Israel Acabe ao se coligarem para fazerem guerra à Síria.
Antes de empreenderem tal propósito, Jeosafá, rei de Judá, quis saber qual a vontade de Deus (v. 5) e, para o efeito, Acabe juntou cerca de 400 profetas. Estes, a uma voz disseram ao rei: - “sobe, porque o Senhor a entregará na mão do rei” – v. 6. Estes comportaram-se como “profetas da corte”, profetas funcionários de Estado “cuja função era de dizer ao rei, aos príncipes e aos poderosos deste mundo o que eles aguardavam, o que eles esperavam e o que eles gostavam de ouvir”.
Mas para estarem mais seguros, o rei Jeosafá quis ouvir uma segunda opinião e pergunta ao seu homólogo: - “Não há aqui ainda algum profeta do Senhor, ao qual possamos consultar” – v. 7. A resposta não se fez esperar e o rei Acabe disse: - “Ainda há um homem (…); porém eu o detesto, porque nunca profetiza de mim bem, mas só mal; este é Micaías” – v.8
Este foi trazido à presença do rei, mas antes de s apresentar ao monarca foi admoestado a corroborar o quanto fora dito pelos outros ao rei (v. 13). No entanto o profeta reiterou que só diria o quanto o Senhor lhe comunicasse para dizer (v. 14). De seguida, perante o rei este fez-lhe a mesma pergunta feita aos outros e a resposta sarcástica do profeta foi a mesma (v. 15). O rei percebeu e pediu-lhe para que, finalmente, lhe desse uma resposta.
A resposta, de uma forma velada, foi anunciar a morte de Acabe, ao dizer: - “vejo Israel disperso pelos montes, como ovelhas sem pastor” – v. 17. O rei irrita-se (v. 18) e, finalmente o profeta Micaías diz: - “Se tu voltares em paz, o Senhor não tem falado por mim” – v. 28.
A batalha deu-se e conforme a palavra do profeta Micaías assim aconteceu. Nesta sequência de factos cumpriram-se duas profecias:
1ª – A mais antiga - proferida pelo profeta Elias em relação a Acabe responsável pelo assassinato de Nabote, dizendo: – “no lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabote, os cães lamberão o teu sangue, o teu mesmo” – I Reis 21.18,19.
2ª – A mais recente - proferida pelo profeta Micaías, que não era mais do que a confirmação das palavras do profeta Elias (I Reis 22.28,37,38).
b)- Jeremias 27.14; 29.10; 37.17
Israel estava a sofrer devido às incursões militares de Babilónia. Os falsos profetas tinham mensagens de esperança e que tudo aquilo era passageiro, pois o Senhor os protegeria. A este propósito proferiram algumas mentiras, entre outras: - “Não servireis ao rei de Babilónia” – Jer. 27.14. Ou ainda: - “Eis que os vasos da casa do Senhor cedo voltarão de Babilónia” – v. 16 (cf. II Reis 24.13,14; Esdras 1.11; Daniel 5.2).
O profeta insurge-se em relação a estas mentiras (Jer. 29.8,9), visto que o que iria acontecer era precisamente o contrário! E assim disse a vontade do Senhor: - “Certamente que passados setenta anos em Babilónia vos visitarei e cumprirei sobre vós a minha boa palavra, tornando-vos a trazer a este lugar” – Jer. 29.10. Portanto, contrariamente ao que foi dito pelos falsos profetas, não só serviriam ao rei de Babilónia, como também o tempo de cativeiro seria longo, não curto, como fora anunciado!
Por outro lado, ao ter que proferir a palavra do Senhor, ainda que desagradável e colocando em risco a sua própria vida, a exemplo do caso anterior, com Jeremias aconteceu o mesmo.
O profeta Jeremias tinha aconselhado o último rei de Judá, Zedequias, a se submeter a Babilónia e a não confiar nas alianças militares, pois não serviriam para nada (cf. Jer. 37.7-9), mas foi tido por traidor e preso (v. 13-15)!
O rei mandar soltar o profeta e em sua casa faz a pergunta que desejava fazer e, se possível, obter uma resposta bonita, de esperança e de conforto. Mas como é que as coisas se passaram? Ora vejamos o que está relatado: - “o rei lhe perguntou: há alguma palavra do Senhor? E disse Jeremias: Há. E disse ainda: na mão do rei de babilónia eras entregue” – v. 17.
Apesar da sua integridade física estar em causa, o profeta limita-se a proferir a única e soberana vontade de Deus para o momento. Pois perante a recusa do rei ao conselho do profeta (Jer. 38.2-5,14-24).
Este é o perfil do verdadeiro profeta – anunciar a Palavra de Deus – ainda que esta não seja a mais agradável para a circunstância. Este foi o caso do profeta Daniel.
O que iremos estudar, Daniel 2, é como se fosse um verdadeiro esqueleto de um todo. Assim, à medida que formos avançando iremos acrescentar mais informação para que o possamos revestir.
Normalmente, quando se aborda a temática do capítulo 2 do livro do profeta, a primeira preocupação é, na verdade, a estátua com a qual o rei de Babilónia sonhou! No entanto, uma primeira parte do capítulo, antes de abordar a estátua, encontramos algumas cenas que nos ajudarão a compreender o que vem a seguir, isto é, aquela grande estátua e as suas sucessivas divisões.
I- O sonho do rei
Vejamos o que é dito em Daniel 2.1 – “E no segundo ano do reinado de Nabucodonosor, teve Nabucodonosor uns sonhos; e o seu espírito se perturbou, e passou-se-lhe o seu sono.” Quem é que lhe deu o sonho e porque razão Deus lho deu?
Desde já, o texto revela-nos claramente algo de extrema importância. Deus, através do Seu profeta quer ensinar-nos que só Ele, o Criador consegue ler o pensamento humano, algo que Satanás não consegue, como claramente se vê no v. 29 – “estando tu, ó rei, na tua cama, subiram os teus pensamentos ao que há-de ser depois disto (…)”. Aqui podemos saber o que o rei estava a pensar antes de dormir, ou seja, no futuro do seu reino; Deus o sabia perfeitamente, visto que a continuação do mesmo versículo o podemos ver claramente, quando diz: - “(…). Aquele, pois, que revela os segredos te fez saber o que há-de ser”.
Deus sabia, perfeitamente, os pensamentos do rei e irá ser através deste sonho que Deus irá responder às indagações deste monarca. E logo a seguir acontece algo de muito estranho, pois Deus faz com que ele tenha consciência que sonhou mas, que não se lembre do conteúdo do mesmo!
a)- A amnésia
O rei ficou muito perturbado pelo sonho que tinha como imagem central – uma grande estátua – a qual era esmiuçada devido ao arremesso de uma pedra “cortada sem mão” – Daniel 2.34.
O rei ficou de tal modo angustiado que queria saber o que sonhou e o qual o seu significado! Esta amnésia, ainda que parcial, dever-se-á a quê? Em primeiro lugar, tendo em conta a grandeza deste Império, tal como o monarca o demonstrará mais tarde pelas suas próprias palavras (Daniel 4.30), uma razão poderá ser por que “a estátua sonhada por Nabucodonosor não correspondia à ideia que o monarca tinha da sua história e do seu destino. Por isso, ele não ousa compreender e foge do sonho, esquecendo-o”. Em segundo lugar, talvez, por que não pensarmos no Ser que originou o sonho – Deus – para que pudesse preparar o cenário que se seguirá.
Na verdade, não só este é um sonho profético, como também Deus tinha um plano, uma lição para dar a este monarca. Para este rei, para a sua cultura, a única forma de conhecer o futuro estava na prática de métodos que, curiosamente, ainda são praticados nos nossos dias, como veremos mais à frente.
Deus sabia que o rei convocar os profissionais de religião do palácio real para que lhe dessem a conhecer o que ele tinha esquecido. E como Satanás não pode ler a mente humana, estes nada poderiam dizer ao rei. Desta forma todos iriam saber que os métodos empregues até ali eram falsos. Eis o grande propósito de Deus – desmascarar estes métodos falsos. Assim, o rei irá ordenar a todos os sábios da sua corte, nomeadamente, os ditos profissionais da religião, que se apresentem diante dele para lhe revelarem não somente o sonho como também a sua significação. Este capítulo nos permite assistir a uma espécie de duelo entre a astrologia pagã e a profecia israelita. Aqui estarão em oposição Jerusalém e Babilónia, dois pólos do pensamento religioso da antiguidade. Babilónia tinha afirmado a sua superioridade militar incontestável; a civilização dos caldeus era superior também no domínio das artes. A sua vitória militar sobre Jerusalém representava, segundo a mentalidade da época, igual vitória espiritual dos seus deuses sobre o Deus de Israel.
b)- O confronto
Agora, perante o rei apresentaram-se “os magos, os astrólogos, os encantadores e os caldeus” – v. 2. Em presença ficam os sábios de Babilónia “os magos, os astrólogos, os encantadores e os caldeus” – v. 2. A astrologia desenvolveu-se muito entre os Caldeus. A arte dos horóscopos obedecia a certas regras em que acreditavam como precisas e científicas. Acerca destes profissionais do oculto, veremos algumas lições encontradas no Antigo Testamento:
1- Astrólogos
Tal como o nome indica, caracteriza os que estudam os astros e pensam não só encontrar nestes uma resposta para os problemas humanos, como também, pretensamente, ler o futuro através do zodíaco!37 Mas, será isto possível? Será que os astros têm, na realidade, algo a dizer? É verdade que, desde sempre os astros, nomeadamente – o Sol (deus Shamash) e a Lua (deusa Sin) – foram adorados como deuses, nomeadamente na Mesopotâmia. No entanto, não deixa de ser curiosa a narrativa acerca da Criação nas primeiras folhas das Escrituras – no livro dos Génesis. Assim, quando lemos o que lá está escrito acerca destes corpos celestes, por estranho que possa ser – estes não têm nome! Aqui, o Sol é mencionado e identificado por “o luminar maior”, enquanto que a Lua é identificada por “o luminar menor” – cf. Génesis 1.16! Esta forma tão peculiar de tratar estes dois astros levou certos autores a confessarem que “dizer em Babilónia que os astros – Sol, Lua e as estrelas - não são divindades mas simplesmente luminares, lâmpadas não era uma revolução metafísica, ontológica – era um crime, uma blasfémia, um sacrilégio em relação às divindades solares e lunares de Babilónia”.
Em resumo, no mundo pagão são conhecidos não só pelos seus nomes, como também adorados como deuses; nas Escrituras nem nome têm! Qual a razão? Talvez a encontremos nesta interessante explicação “é conhecida a ligação entre o Sol e a adivinhação. Ora, este desejo de interrogar o amanhã, tão fundamental em todas as religiões antigas, encontramo-lo ainda nos nossos dias, mesmo numa época como a nossa, dita científica, nos cartomantes, adivinhos e astrólogos. É tempo de acabar com este mito. E esta é a proposta da Bíblia. Esta o fez para os antigos Hebreus: ela retirou ao Sol toda a virtude divina ao atribuir-lhe unicamente a função de simples agente subalterno, agente natural escolhido por Deus para iluminar a terra. Um simples objecto luminoso. Segundo a Bíblia, o Sol não é divino. Ele nada sabe. Ele nada revela. Ele não é mais que um objecto criado por Deus, um corpo luminoso encarregado de regulamentar, ou antes, de marcar as estações, de iluminar o dia. Uma simples lâmpada! (…). (…). O Sol e a Lua nada são em si mesmos, nada mais do que lâmpadas. (…). Por esta ausência de nome, o autor do texto conduz ao extremo a desmitificação dos astros, tão piedosamente adorados pelos Antigos e que o autor reduz a não serem senão objectos destinados a iluminar a terra e a lembrarem que Deus é o Criador de tudo. Objectos tão insignificantes que o autor nem sequer os nomeia!”
Tal como no passado, podemos constatar esta triste verdade nos nossos dias, onde são cada vez mais aqueles que se dão a conhecer nas páginas dos jornais – a oferecer os seus serviços de astrólogos! Na verdade, tal como alguém disse: - “o homem moderno já não acredita em Deus: ele crê nas estrelas!”41
2- Magos
Na Palavra de Deus detectamos a presença destes que se dedicavam ao exercício da adivinhação e da magia. Recordaremos aqui a fase que antecedeu a saída do povo de Deus do Egipto. O Senhor irá utilizar Moisés e Arão para manifestar o Seu grande poder. Para mostrar que só Ele é o único Deus e Criador dos Céus e da Terra, irá actuar, através dos Seus servos, nas dez pragas que cairão no Egipto até à libertação final do Seu povo da escravatura egípcia.
Veremos agora como Satanás, o inimigo de Deus, de igual modo actuou no passado contra os servos de Deus na tentativa de desacreditar o poder do Criador! Vejamos alguns exemplos:
1ª praga: - as águas tornam-se em sangue
Os servos de Deus – “Arão levantou a vara e feriu as águas (…) e todas as águas do rio se tornaram em sangue” – Êxodo 7.19,20
Os magos – “Porém os magos do Egipto também fizeram o mesmo com os seus encantamentos (ciência ocultas) (…)” – Êxodo 7.22
2ª praga: - as rãs
Os servos de Deus – “Arão estendeu a sua mão sobre as águas do Egipto e subiram rãs e cobriram a terra do Egipto” – Êxodo 8.5,6
Os magos – “então os magos fizeram o mesmo com os seus encantamentos (ciência ocultas) e fizeram subir rãs sobre a terra do Egipto” – Êxodo 8.7
3ª praga: - os piolhos / mosquitos
Os servos de Deus – “Estende a tua vara e fere o pó da terra para que se torne em piolhos por toda a terra do Egipto. (..) Arão estendeu a sua mão com a sua vara e feriu o pó da terra e havia muitos piolhos nos homens e no gado (…)” – Êxodo 8.16,17
Os magos – “E os magos fizeram também assim com os seus encantamentos (ciência ocultas) para produzirem piolhos, mas não puderam (…)” – Êxodo 7.22
Por que é que “não puderam”? Até aqui os truques empregues resultaram. Por que não agora? Antes de mais, vejamos a resposta parcial, dos mesmos, a esta pergunta: - “Então os magos disseram a Faraó: - Isto é o dedo de Deus (…)” – v. 19. Na verdade, aqui nada poderiam fazer para igualar, imitar, o que os servos de Deus fizeram pelo poder do Criador.
Porquê? Agora vejamos a outra parte da resposta e esta encontra-se no v. 16, quando Deus ordenou “fere o pó da terra para que se torne em piolhos”. Não como até aqui, suscitar a vida que já existe e manipulá-la. Agora estamos perante uma ordem criadora. … e esta só Deus a poderá dar, pois nunca o Senhor outorgou a qualquer criatura Sua, ainda que excelsa em poder, tal prerrogativa! Nem mesmo o patrono destes magos – Lúcifer, Satanás – com todo o poder que o caracteriza pôde fazer fosse o que fosse. Assim podemos compreender a confissão da sua impotência veiculada pelos seus seguidores, perante os servos de Deus, quando disseram: - “Isto é o dedo de Deus (…)” – v. 19
Quem, na verdade continua a controlar todas as coisas? Deus. Agora podemos compreender melhor a resposta que profissionais das “ciências ocultas” deram ao rei de Babilónia, quando disseram, em relação ao revelar o sonho e a sua interpretação, que “não há ninguém sobre a terra que possa declarar a palavra ao rei (…) senão os deuses, cuja morada não é com a carne” – v. 10,11. Deus desmascara estes charlatães assim como a falsa religiosa babilónica, pois só Deus conhece o futuro. Ao sentir-se derrotado, Satanás irá influenciar o rei; este, enfurecido, decreta a morte de todos os sábios (v. 13). Estes que eram profissionais da mentira, agora vão reconhecer a única verdade, a mesma que o profeta Daniel irá confirmar ao rei, ao dizer: - “(…) o segredo que o rei requer, nem sábios, nem astrólogos, nem magos, nem adivinhos o podem descobrir ao rei. Mas há um Deus nos céus o qual revela os segredos”, pois Ele e só Ele “faz saber o que há-de ser no fim dos dias” – v. 27,28. Assim, quanto ao “conhecer o amanhã” é algo que está vedado a qualquer criatura, tal como aqui pudemos ver, não só a estes profissionais das ciências ocultas como também ao seu patrono – Lúcifer, Satanás – que, também ele, não passa, contrariamente à sua vontade – de uma criatura de Deus, nada mais, pois assim o enfatiza a Palavra de Deus – “(…), no dia em que foste criado” (cf. Ezequiel 28.13,15). Assim, devido à incapacidade humana de revelar o amanhã e perante a ameaça de morte que pairava no ar – Daniel 2.13-15 - para todos os sábios de Babilónia, incluindo Daniel e os seus amigos. A notícia chega até Daniel e este pede ao rei algum tempo para poder apresentar ao rei o sonho e o seu significado – v. 16. O rei consentiu. Daniel e os seus três amigos não irão consultar a bola de cristal, ou os astros, mas “vão para casa para que pedissem misericórdia ao Deus do céu sobre este segredo. (…). Então foi revelado o segredo a Daniel (…)” – v. 17-19. A continuação do texto mostra-nos o grande contraste entre a actuação humana – Arioque, capitão da guarda do rei (v.14) e o profeta Daniel. O profeta diz: - “Ó Deus de meus pais, eu te louvo e celebro (…); porque nos fizeste saber este assunto do rei” – v. 23. Arioque, por seu lado, na presença do rei diz: - “(…). Achei um dentre os filhos dos cativos de Judá, o qual fará saber ao rei a interpretação” – v. 25.
Quando o profeta é introduzido perante o rei este pergunta-lhe: - “Podes tu fazer-me saber o sonho que vi e a sua interpretação?” – v. 26. O profeta, de seguida, responde assim: - “O segredo que o rei requer, nem sábios, nem astrólogos, nem magos, nem adivinhos o podem descobrir ao rei. Mas há um Deus nos céus, o qual revela os segredos; ele, pois, fez saber ao rei Nabucodonosor o que há-de ser no fim dos dias (…)” – v. 27,28. Esta resposta é o eco do quanto o profeta, anteriormente, exclamara por ter obtido uma resposta de Deus, quando disse: - “(…) porque dele é a sabedoria e a força. E ele muda os tempos os tempos e as horas; ele remove os reis e estabelece os reis; ele dá sabedoria aos sábios e ciência aos entendidos. Ele revela o profundo e o escondido (…)” – v. 20-22. Quer este texto inicial quer o v. 27,28 mostram-nos duas grandes realidades: 1- a sua humildade – apesar de conhecer o que inquietava o rei, Daniel não lhe diz que ele era o único sábio à altura para lhe revelar o sonho e assim demonstrar que desejava ser reconhecido pelo rei. Antes pelo contrário, Daniel dá todo o louvor e honra ao Deus que conhece todas as coisas; 2- recorda a este grande monarca que, apesar da sua grandeza, ele governa, não pelos seus poderosos exércitos mas, unicamente porque Deus assim o deseja, visto que ele – “remove os reis e estabelece os reis”. De facto, é uma constante a transmissão desta grande verdade inquestionável – Deus controla a História humana.
II- A estátua
O sonho tinha como figura central uma grande estátua, tal como se encontra descrita nestes termos: - ”Tu, ó rei, estavas vendo, e eis aqui uma grande estátua. Esta estátua, que era grande e cujo esplendor era excelente, estava em pé diante de ti; e a sua vista era terrível” – v. 31. O rei viu uma grande estátua e, a réplica desta a encontramos no cap. 3.1, a qual tinha 60 côvados de altura e 6 de largura, ou seja, mais ou menos 30m x 3m. Vejamos as características desta estátua - “A cabeça daquela estátua era de ouro fino; o seu peito e os seus braços de prata; o seu ventre e as suas coxas de cobre; as pernas de ferro; os seus pés em parte de ferro e em parte de barro” - v. 32.
Vemos aqui as diferentes divisões da estátua. E, desde já, o que é que esta sequência de metais nos mostra? Note-se que estes estão apresentados por ordem decrescente de valor, do mais ao menos valioso. Mas, o curioso em tudo isto é que, quando se chega aos pés já nem sequer existe ferro puro mas, sim, uma mistura de ferro e barro. Este pormenor mostra-nos que a História, contrariamente ao que é dito, não caminhamos para uma Idade de ouro ou de esplendor, mas a História, a sociedade humana irá de mal a pior.46 A solução, finalmente, está nas mãos de Deus, tal como revela a continuação do texto: - “E estavas vendo isto, quando uma pedra cortada, sem mão, a qual feriu a estátua nos pés de ferro e de barro e os esmiuçou” – v. 34.
Ao lermos este último texto somos chamados a considerar uma pequena frase que aqui se encontra – “uma pedra cortada, sem mão”. Qual o seu significado? Uma vez mais, se tivermos dúvidas ou perguntas resolvamo-las com a soberana fonte – a Bíblia. Assim, iremos recorrer à carta aos Hebreus para vermos o que aqui encontramos acerca deste assunto. Antes de mais, recordemos que no Antigo Testamento Deus pediu a Moisés que lhe construísse um tabernáculo – Êxodo 25.9,40. Quem, na verdade é o autor deste tabernáculo? Pois foi Deus o seu construtor, o original, o celestial, aquele que serviu de modelo para Moisés. Assim, tal como dizíamos, na carta aos Hebreus 8.5, não só confirma o que acabámos de ver, como também nos esclarece a questão anteriormente ventilada ao referir “mas, vindo Cristo, o sumo-sacerdote dos bens futuros, por um maior e mais perfeito tabernáculo, não feito por mãos, isto é, não desta criação” – 9.11. Portanto, este “perfeito tabernáculo” não tem qualquer intervenção, ou seja, “não é desta criação”. Nos diferentes reinos, o domínio é totalmente humano mas, este último reino não será uma criação de homens mas, de Deus. Se recordarmos o texto de Daniel – v. 34 - esta pedra que não é desta criação, que não é estabelecida nem governada pelo homem ferirá a estátua “nos pés de ferro e de barro e os esmiuçou” – v. 34. O profeta continua e diz: - “Então foi, juntamente, esmiuçado o ferro, o barro, o cobre, a prata e o ouro, os quais se fizeram como a pragana das eiras no estio; e o vento os levou e não se achou lugar algum para eles; mas a pedra que feriu a estátua se fez um grande monte e encheu toda a terra” – v. 35. Na verdade, o resultado da colisão da pedra com estes metais ou reinos provocou, simplesmente, o desaparecimento do reino humano! Esta pedra, que mais abaixo dela falaremos, virá no tempo do fim da história destes reinos, ou seja, no tempo da última divisão da estátua, visto que a colisão acontecerá nos “pés de ferro e de barro”. Se repararmos bem, os diversos metais componentes da estátua, após o embate da pedra desfragmentam-se, na ordem inversa do seu aparecimento, do fim para o princípio, da amálgama ferro/barro, para o cobre, para a prata e, finalmente para o ouro; isto situa o leitor precisamente onde o momento histórico se desenrola, pois os restantes metais e respectivo simbolismo estão no passado.
O profeta Daniel ao mencionar, na sua visão - Daniel 7.4-7 - em 1º lugar o leão (Babilónia) – está a referir que este poder é, historicamente, - o presente – que tudo começava ali. Esta figura de linguagem a encontramos, igualmente, no profeta de Patmos! João escreve no tempo do poder que surge no fim da estátua, simbolicamente, é representado pelo ferro (Roma Imperial); tempo que, na visão do profeta Daniel, era futuro – cf. Daniel 2.40. A exemplo do profeta em Babilónia, o de Patmos menciona, em 1º lugar, o poder que opera no seu tempo, uma Besta, que não é mais nem menos que aquela representada pelo - ferro (Roma Imperial) – para dizer que aquele tempo, anteriormente, no futuro, agora exercia o seu poder - no presente. E, para reforçar esta verdade, ao evocar os animais (reinos) que antecederam esta Besta, ele os cita inversamente ao seu aparecimento na visão do profeta em Babilónia - Daniel 7.4-7 - a saber: - o leopardo, depois o urso e o leão - Apocalipse 13.1,2 – fazendo assim realçar que estes estão claramente, em termos históricos, no passado.
a) Interpretação profética
Para que possamos compreender perfeitamente a Palavra de Deus é preciso que tenhamos uma noção clara acerca do que é a Bíblia para que dela tiremos o maior proveito. Vejamos, antes de mais uma expressiva visão acerca do que é, neste contexto, as Sagradas Escrituras. Assim, “(…). A Bíblia não fala a linguagem dos visionários, dos sonhadores, dos místicos (…). Não, a Bíblia não é, para o povo, o seu fornecedor de ópio. (…). O Deus da Bíblia (…) é, antes de mais o Deus da História. (…). Enraizada na História, a Bíblia apresenta uma visão da História por onde passa o sentido profundo dos acontecimentos passados, mas onde se inscreve, igualmente, o destino dos caminhos ainda no futuro até à sua última etapa. É preciso, portanto, que ela seja profecia, predição do futuro e, era inevitável que ela termine no Apocalipse”
Antes de nos debruçarmos na interpretação das diferentes partes componentes da estátua vejamos três dos principais métodos de interpretação das profecias bíblicas.
1- Método preterista:
Tal como o nome o indica, advoga que todas as profecias bíblicas estão cumpridas e, consequentemente, pertencem ao passado. O livro de Daniel, por exemplo, não é mais que um conjunto de relatos vividos pelo autor numa determinada circunstância ou época e contados sob a forma de predição, ou seja, um – vaticinium ex eventu – ou seja, falar no presente o que aconteceu no passado. Ao colocar tudo no passado, no tempo do profeta, incentiva o leitor a ignorar todo o dinamismo da profecia na sua perspectiva e tensão na direcção do fim da história deste mundo.
2- Método futurista:
Ao contrário do anterior, entende a profecia no sentido de uma predição que se cumprirá posteriormente, no final dos tempos. No entanto, este método apesar de acentuar o cumprimento final da profecia, não vai mais além do que isto. Assim, será inevitável a especulação profética sem qualquer controlo. O texto bíblico é completamente ignorado, nenhuma exegese é praticada para controlar, pelo interior, a tese que pretende apoiar-se no texto bíblico. Assim, a aplicação da profecia ao ser remetida a um futuro longínquo, nenhum controlo histórico existe para que possa verificar, do exterior, a tese proposta.
3- Método historicista:
Este método interpreta a profecia sob o olhar histórico contínuo, ou seja, desde que a profecia é proclamada até ao tempo do fim. O cumprimento da profecia não fica refém do passado (preterismo) ou remetido para fim dos tempos (futurismo) mas permanece ao longo de toda a trajectória na direcção do fim. A Bíblia fala, incontestavelmente, do passado, do presente e do futuro. Algumas das suas profecias estão no passado, cumpridas; outras estão em fase de cumprimento, e outras ainda não se cumpriram. Assim, o método historicista tem, na verdade, o mérito de ter em conta a plenitude do carácter histórico da profecia bíblica. No fundo, este método é, na verdade, como um rio, pois sabemos onde nasce, qual o seu percurso e, acima de tudo, onde vai desaguar.48
Sob este último método, o qual iremos seguir, mostra exactamente, a todo aquele que examina as Escrituras, onde está à medida que a História se desenrola.
b) Interpretação do sonho
Agora estamos mais aptos para a abordagem do texto bíblico que nos ocupa, em termos proféticos. Passemos então à interpretação propriamente dita dos diferentes elementos que compõem a estátua de Nabucodonosor:
- A cabeça de ouro = Babilónia
“A cabeça daquela estátua era de ouro fino (…). Tu ó rei, és rei de reis; pois o Deus do céu te tem dado o reino, o poder e a força e a majestade. E onde quer que habitem filhos de homens (…), ele tos entregou na tua mão e fez que dominasses sobre todos eles; tu és a cabeça de ouro” – v.32,37,38.
Comecemos pelo mais importante e que muitas vezes nos escapa. Porque é que este homem, Nabucodonosor, é rei? Quem é que lhe entregou o ceptro? Terá sido porque tinha um melhor exército? Será que era por ser mais inteligente ou mais poderoso? Não! A razão é dada pelo próprio texto, pois foi o próprio Deus que lhe deu, afinal, todas as coisas: o reino, o poder, a força e a majestade. Na verdade, quando é que começou o sonho deste rei e, consequentemente, o seu cumprimento? Obviamente, no tempo do rei. O período de domínio de Babilónia estender-se-á desde 605 a.C. até à sua queda, em 539 a.C. pelo poder seguinte – os Medo Persas.
- Peito e braços de prata = Medo Pérsia
Na interpretação do sonho não encontramos, à excepção de Babilónia os nomes dos Impérios seguintes, a não ser ao longo do mesmo livro. Ao designar o poder seguinte, o profeta fá-lo através destas palavras quando se dirige ao último rei de Babilónia: - “o teu reino foi dividido e deu-se aos medos e aos persas” – Daniel 5.28.
“(…); o seu peito e os seus braços de prata. (…). E depois de ti se levantará outro reino, inferior ao teu (…)” – v. 32,39. Tal como a profecia apontava, assim aconteceu. Assim, do metal ouro se passou para a prata (v. 32) que caracterizava o poder agora dominante. O período deste segundo poder estendeu-se desde 539 a.C. (queda de Babilónia), até ao ano 331 a.C., data da derrota e massacre do exército persa sob o comando do rei persa Dario III, na batalha de Arbela pelas tropas greco-macedónias comandadas pelo grande estratega Alexandre Magno.
- Ventre e coxas de cobre = Grécia
“(…); o seu ventre e as suas coxas de cobre. (…); e um terceiro reino, de metal, o qual terá domínio sobre toda a terra” – v. 32,39.
Não deixa de ser curiosa a maneira como o profeta descreve o terceiro poder. Enquanto que para o segundo reino é dito, unicamente, que “seria inferior” ao primeiro, agora, ao apresentar o terceiro, refere que este poder “terá domínio sobre toda a terra”.
O símbolo que a profecia emprega – o cobre – para descrever este poder é bastante significativo. “O cobre era, principalmente utilizado pelos soldados gregos. A sua armadura, o seu capacete, o seu escudo e mesmo o seu machado de guerra, tudo era em cobre. Além da ideia de decadência expressa na sucessão destes metais – ouro, prata e cobre – este último evocava a vinda de um soldado invasor”. Esta particularidade aponta para um poder guerreiro, conquistador, como veremos mais adiante, a exemplo do primeiro reino – Babilónia – na pessoa de Nabucodonosor. A hegemonia grega durou de 331 a. C. a 146 a. C.52
- Pernas de ferro = Roma
“As pernas de ferro; os seus pés em parte de ferro e em parte de barro. (…). E o quarto reino será forte como o ferro; pois, como o ferro esmiúça e quebra tudo, como o ferro quebra todas as coisas, ele esmiuçará e quebrantará. E, quanto ao que viste dos pés e dos dedos em parte de barro de oleiro e em parte de ferro, isso será um reino dividido; contudo haverá nele alguma coisa da firmeza do ferro, pois que viste o ferro misturado com barro de lodo. E como os dedos dos pés eram em parte de ferro e em parte de barro, assim por uma parte o reino será forte e, por outra, será frágil” – v. 33,40-42
O profeta nada revela acerca deste quarto poder a não ser que será caracterizado pelo ferro. No entanto, quem consultar a História antiga sem quaisquer pressupostos e sem querer fazer dizer o que ela não diz, chegará à seguinte conclusão: depois dos Impérios - babilónico, medo-persa e grego-macedónio - o quarto Império predito pelo profeta Daniel não poderá ser outro a não ser Roma.
Para definir a carácter dos Romanos, nada melhor do que a imagem que o profeta nos dá – o ferro. Tudo neste poder, a bem dizer, era de ferro. A sua forma de governo era férrea; eram inflexíveis, duros e impiedosos. A sua coragem, como povo, era de ferro, cruel, sanguinária e indomável. No domínio militar, os seus soldados eram de ferro e poucos soldados estavam armados para o combate como eles. A sua disciplina era de ferro, assim como o seu jugo sobre os povos vencidos.
Este poder era, efectivamente, arrasador. Só que o profeta mostra ao leitor um poder dividido em dez reinos (dedos dos pés). Este reino, ou período é de crucial importância. Uma pergunta pertinente bailará, certamente, na nossa mente; e esta é a seguinte: - será que, apesar das suas divisões, ainda continua a ser Roma? Se as pernas têm ferro e os pés também, então é porque continua a ser Roma mas, repetimos, dividida em dez reinos – v. 42. No tempo do Império Romano existia uma única cultura, uma religião e, claro está, um único idioma. O Império Romano foi invadido por diferentes tribos bárbaras: Visigodos, Ostrogodos, Vândalos, Suevos, Alamanos, Burgúndios, Francos, Anglo-saxões, Hérulos, Lombardos. Cada uma destas tribos ocupou uma parcela deste Império e o resultado foi os diferentes países da Europa.
Esta primeira fase deste poder (Roma Imperial) foi exercida desde o ano 146 a. C., ano em que a Grécia se tornou uma província de Roma55 até ao ano 476 d.C. em que o bárbaro Odoacro aniquila o último Imperador do Império Romano do Ocidente, Rómulo Augústulo.
- Pés em parte de barro e de ferro = Roma
Portanto, em termos do binómio - Reino/Império Romano – continuou a ser Roma, só que, dividida. Cada um destes países tem a sua própria língua e, consequentemente, a sua própria cultura. Desde o desmembramento do Império tem havido algumas tentativas de união mas, sem qualquer sucesso, pois são tão diferentes – “Quanto ao que viste do ferro misturado com barro de lodo, misturar-se-ão com semente humana, mas não se ligarão um ao outro, assim como o ferro se não mistura com o barro” – v. 43. Na verdade, os pés continuam a ser Roma só que, repitamo-lo uma vez mais, de uma forma dividida. Nos pés podemos ver perfeitamente delineado um novo reino que, embora pertencendo ao quarto poder, pois contém ainda ferro, no entanto é totalmente distinto dele. É, sem dúvida alguma, uma associação muito estranha – ferro com barro - a qual nos deixa intrigados. Como vimos, o profeta acrescenta que devido à sua estranha composição “será um reino dividido” – v. 41 – e, por conseguinte, será um reino com duas faces “uma parte será forte e outra fraca” – v. 42. Antes de entrarmos em alguns considerandos convinha não perder de vista que o objecto principal das profecias do livro de Daniel não se resume unicamente aos aspectos políticos mas, também e acima de tudo apontando para a revelação de acontecimentos de ordem religiosa.
Que dizer da mistura do ferro e da argila? É um detalhe que chama a nossa atenção. Assim, cerca de sete vezes é mencionada a argila ao lado do ferro, ou seja: três vezes na descrição da estátua (v. 33-35); quatro vezes na explicação que o profeta dá desta (v. 41-45). Portanto, salta aos olhos uma certa insistência do profeta para esta particularidade. As repetições sucessivas de – barro/ferro - chamam-nos à atenção para pequenas particularidades existente no texto.
Por duas vezes na descrição da estátua, nos é revelado que os pés são “em parte de ferro e em parte de barro” – v. 33,34. Na explicação é-nos dito que “(…) este será um reino dividido (…)” – v. 41. Depois, é dito que “E como os dedos dos pés eram em parte de ferro e em parte de barro, assim por uma parte o reino será forte e por outra será frágil” – v. 42 – e “(…) misturar-se-ão com semente humana, mas não se ligarão um ao outro (…) – v. 43. O que podemos ver nestes textos? Em primeiro lugar, a certeza de que o 4º reino – Roma – não seria: a)- nem derrotado; b)- nem substituído por nenhum outro reino; c)- mas sim, dividido em dez nações; em segundo lugar, Os líderes políticos tentaram unir estes dez reinos sob três formas: 1- politicamente, através da guerra; 2- economicamente, através de uma moeda comum, acordos comerciais e orçamentos partilhados; 3- socialmente, através do casamento ou alianças políticas entre si. A Bíblia declara peremptoriamente: - “não se ligarão” - sob um só líder novamente, a Europa Ocidental e a Oriental.
Certamente que deverá ter algo que possa complementar a interpretação. Em primeiro lugar, nesta continuada menção – ferro/barro - podemos aperceber-nos de um certo elemento cronológico, na medida em que esta aliança - ferro/barro - encontramo-la, pela primeira vez, nos – pés - (v. 33,34). De seguida, o profeta a referencia nos - pés e nos dedos - (v. 41). Finalmente, Daniel dá a conhecer que esta somente se encontra nos – dedos - (v. 42).
Para que a interpretação do sonho esteja completa, é necessário termos em conta todos os elementos da estátua e não, unicamente, os metais. Como nos podemos aperceber, a profecia dá ênfase ao elemento – barro – e, da maneira como o faz, convida-nos a uma verdadeira reflexão. Que representará o barro, visto ser chamado a desempenhar um papel tão importante desta última fase da história do quarto e último Império – Roma?
- O barro
Como pudemos ver até aqui, na sucessão dos diferentes elementos da estátua têm um valor representativo, visto que “o ouro representava a glória e o prestígio de Babilónia; a prata representava o poder financeiro dos Persas; o cobre representava o exército da Grécia e o ferro representava o poder administrativo de Roma. Neste contexto é, pois igualmente razoável pensar que o barro tem também uma significação especial”.58
O que temos vindo a ver até aqui, estes elementos não passam de símbolos – o ouro, a prata, o cobre, o ferro – e mais abaixo veremos os restantes – a pedra e a montanha. Assim, por uma questão de elementar coerência, se tudo é simbólico será que o elemento – barro – será uma excepção? Pensamos que não. Na verdade, quem em plena consciência misturará ferro e barro? Ninguém! Mas, apesar disto, perguntamos: - será que o ferro é bom em si mesmo? E quanto ao barro? A resposta deverá ser afirmativa. Assim sendo, se ambos são bons, então onde é que reside o mal, onde está o problema? A resposta, parece-nos, demasiado óbvia, pois deixam de ser bons quando os queremos unir, pois nuca se saberá onde actua um e o outro! Em termos singulares, tudo está bem, mas tentar uni-los, nada dará certo.
Dito isto, se tudo é simbólico e o barro não será excepção, afinal o que é que este representará? Iremos pesquisar nas Escrituras para tentarmos encontrar alguma resposta para o que nos ocupa. Na linguagem bíblica esta imagem reporta-nos, de imediato, ao relato da criação do homem. Vejamos, a este propósito o relato que se encontra no primeiro livro da Bíblia – “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito ser (nèfèsh) vivente” – Génesis 2.7. Aqui é dito que o homem é um ser respirante, cujo corpo foi formado do “pó da terra” e, depois, tonificado pelo “fôlego da vida”. Assim, para que exista um ser vivo é preciso um corpo e que este tenha a faculdade de respirar. O texto em causa dá-nos a conhecer que o corpo é formado do “pó da terra”; mas, assim sendo, deparamo-nos com um problema, pois será possível fazer um boneco simplesmente com pó? Na verdade, este “pó” não estava seco mas, molhado; desta forma, não temos unicamente pó, mas sim o que conhecemos e designamos por – barro. Na realidade, o “pó da terra” que o texto fala, o Senhor Deus o transformou em barro para que pudesse moldar o homem, tal como o encontramos de uma forma mais explícita no livro de Job – “Eis que vim de Deus, como tu; do lodo também fui formado” – Job 33.6. No texto do profeta Jeremias encontramos esta mesma ideia – “Levanta-te e desce à casa do oleiro (…). E desci à casa do oleiro, e eis que ele estava fazendo a sua obra (…). Como o vaso que ele fazia de barro se quebrou na mão do oleiro, tornou a fazer dele outro vaso conforme o que pareceu bem aos seus olhos fazer. (…). Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? Diz o Senhor. Eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel” – Jeremias 18.2-6. O barro representa, incontestavelmente, a Igreja de Deus no Antigo Testamento. Há um excerto bíblico que se deve anexar a este texto do profeta Jeremias, que é “a visão dos ossos secos” que se encontra no profeta Ezequiel. O que representam estes ossos secos? Nada mais nem menos que o cativeiro do povo de Deus em Babilónia. Este foi levado cativo e, praticamente, morreu como nação. Mas Deus dá uma ordem ao profeta para que profetize sobre eles – “E me disse: Filho do homem, poderão viver estes ossos? E eu disse: Senhor Jeová, tu o sabes. Então me disse: Profetiza sobre estes ossos e diz-lhes: Ossos secos, ouvi a palavra do Senhor. Assim diz o Senhor Jeová a estes ossos: Eis que farei entrar em vós o espírito e vivereis. E porei nervos sobre vós, e farei crescer carne sobre vós, e sobre vós estenderei pele, e porei em vós o espírito e vivereis; e sabereis que eu sou o Senhor. Então profetizei como se me deu ordem. E houve um ruído enquanto eu profetizava; e eis que se fez um reboliço, e os ossos se juntaram, cada osso ao seu osso. E olhei, e eis que vieram nervos sobre eles e cresceu a carne, e estendeu-se a pele sobre eles por cima; mas não havia neles espírito. E ele me disse: Profetiza ao espírito, profetiza, ó filho do homem, e dize ao ao espírito: Assim diz o Senhor Jeová: Vem dos quatro ventos, ó espírito, e assopra sobre estes mortos, para que vivam. E profetizei como ele me deu ordem; então o espírito entrou neles e viveram, e se puseram em pé, um exército grande em extremo. Então me disse: Filho do homem, estes ossos são toda a casa de Israel. (…)” – Ezequiel 37.2-11. Neste cenário temos a mesma ideia: a) os ossos unem-se; b) sobre eles Deus coloca nervos, carne e pele; c) mas continuam inanimados até que o Espírito de vida, vindo de Deus, entrou neles e reviveram; estes que são os que constituem a “casa de Israel” – v. 11. Igualmente, no Novo Testamento, encontramos em Jesus o binómio barro/oleiro, ao recriar os olhos de um cego – “Tendo dito isto, cuspiu na terra, e com a saliva fez lodo, e untou com o lodo os olhos do cego” – João 9.6.
Quando comparamos as Escrituras iremos encontrar alguns pontos de contacto dentro desta temática, isto é, “(…) barro de oleiro (…)” – Daniel 2. 41. No tocante à Criação analisemos a maneira como se expressa o profeta Isaías ao dizer: - “Mas agora, ó Senhor, tu és nosso Pai; nós o barro e tu o nosso oleiro; e todos nós obra das tuas mãos” – Isaías 64.8. Aqui o profeta refere que somos “barro”. Assim sendo, de que tipo de pó nós somos? Evidentemente, nada mais do que pó molhado – barro. Quanto a Deus, Ele é designado como o oleiro. Podemos ver aqui, de uma forma mais detalhada, o que na realidade aconteceu e que está narrado em Génesis 2.7. Deus moldou o homem com barro, exactamente como faz qualquer oleiro com as peças que cria. Assim, Deus, após ter criado um corpo, o do homem, é dito que nele foi soprado o “fôlego da vida”. Mas, que relação terá tudo isto com Daniel 2? A interligação entre o relato da Criação e o de Daniel é que, tal como referimos, tudo são símbolos e, nesta qualidade, tudo deverá ser tomado e analisado à luz do quanto estes poderão representar.
E o que representa o barro? Assim como Deus formou este corpo literal, de barro, e lhe deu o sopro de vida para que pudesse viver, existir, a Palavra de Deus nos ensina que, em termos espirituais, algo é o corpo de Cristo. E, o que é o corpo de Cristo? A resposta, à luz das Sagradas Escrituras só poderia ser uma – a Igreja. Assim, nas cartas de S. Paulo encontramos, por exemplo, algumas informações a este respeitos: a) – “E ele é a cabeça do corpo, da Igreja (…)” – Colossenses 1.18; b) – “Pois todos nós fomos baptizados em Espírito formando um corpo, quer judeus, quer gregos, quer servos, quer livres e todos temos bebido de um Espírito” – I Coríntios 12.13; c) – “Edificados sobre o mesmo fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor” – Efésios 2.20,21; Mateus 16.18. Estes textos mostram-nos que a Igreja é um corpo que tem muitos membros. Este corpo e os membros que o constituem foi formado por quem? Evidentemente, pelo mesmo criador e com o mesmo tipo de barro espiritual – Jesus. Na verdade, antes da Festa do Pentecostes em que estado estava este corpo espiritual de Cristo? Em boa verdade, totalmente desmembrado. Cada componente para cada lado na pessoa dos Seus discípulos. Mas, depois do Pentecostes, eles estavam juntos – Actos 2.1 -. Sim, na verdade estavam unidos mas, faltava o mais importante, a centelha de vida, que este corpo espiritual carecia – o espírito de vida – na descida do Espírito Santo, o Pentecostes – Actos 2.2-4.
Como vimos anteriormente, a união do ferro com o barro, elementos constituintes da parte final da estátua, sugerem a coabitação de dois poderes de natureza diferente. Um, constituído por ferro, referência a Roma, de natureza política; o outro, de barro, um material inesperado em relação à menção dos metais, que indica, claramente, a existência de um poder de natureza diferente, como facilmente se compreenderá. A menção do barro tem, efectivamente, uma coloração claramente religiosa. Depois da divisão do Império Romano do Ocidente sob as diversas tribos bárbaras levantar-se-á, por assim dizer, uma nova Roma, visto que o elemento que a caracteriza, o ferro, continua presente nos pés da estátua. Esta Roma irá misturar duas realidades diferentes – a política e a religiosa. Assim sendo, teremos que procurar uma Roma que, em simultâneo tenha as características do ferro, vertente política, e outra religiosa para que esta parte da profecia se possa cumprir integralmente.
Este elemento reforça, sem sombra de dúvida, a ideia de acentuar a natureza religiosa deste poder: - “no plano histórico, isto significa que deveria de aparecer ao mesmo tempo que Roma, mais precisamente no momento das suas divisões, um poder religioso ligado, de uma maneira ou de outra, ao poder político de Roma. Este poder político-religioso deverá de estar presente nos nossos, visto que segundo Daniel este permanecerá até ao fim dos tempos. É necessário render-nos à evidência. Um único poder reúne todas estas condições: - a Igreja. (…)”. De Constantino até aos Carolíngios, os Imperadores combateram para defender e colocar o poder da Igreja. A Igreja instala-se como cidade política: Roma torna-se a cidade do Vaticano”. A serva do Senhor, em 1899, ao comentar o versículo 43 do capítulo 2 de Daniel escreveu o seguinte: - “Temos chegado a um tempo em que a obra sagrada obra de Deus está representada pelos pés da imagem nos quais o ferro estava misturado com o barro. (…). A mistura dos assuntos da Igreja e da administração política está representada pelo ferro e pelo barro. Esta união está a enfraquecer todo o poder das Igrejas. Este investimento da Igreja com o poder do Estado trará maus resultados. Os homens quase ultrapassaram os limites da tolerância de Deus. Investiram a sua força nos políticos e se uniram ao papado (…)”.
Quem é o verdadeiro marido da Igreja/barro? Não há qualquer dúvida que é Cristo, ao qual esta deve fidelidade exclusiva. Mas, o que se passa quando a Igreja abandona a sua relação com Cristo? E começa misturar-se com os reis da Terra? Estamos em presença de uma união, de uma relação sexual/espiritual fora do casamento. Nós a consideraremos, queiramos ou não, como tendo existido, de facto, uma união entre as partes. Mas, que tipo de união? Como é que as Sagradas Escrituras chamam caracterizam esta união? Classificam-na de ilegítima, de fornicação, visto que aos olhos de Deus não é, consequentemente, uma verdadeira união.
- A pedra
O que é que representará esta pedra vinda do céu “a qual feriu a estátua nos pés de ferro e de barro e os esmiuçou (…), e não se achou lugar algum para eles” – v.34,35? Numa forma mais específica S. Paulo nos revela que “ (…), e a pedra era Cristo” – I Coríntios 10.4 – assim como o apóstolo Pedro – “E chegando-vos para ele, pedra viva (…)” – I Pedro 2.4. Ela está directamente ligada ao glorioso acontecimento da 2ª vinda de Cristo que destruirá todos os reinos da Terra e o Seu “(…) será estabelecido para sempre” – v. 44. Este será um reino diferente, visto que “a pedra fala do reino de Deus, enquanto que os metais falam dos reinos dos homens”. Esta pedra representa duas realidades: 1- o juízo; 2- a 2ª vinda de Cristo. Assim, este movimento da pedra, não só anulará os reinos desta Terra, como também se “(…) fez um grande monte (montanha) e encheu toda a terra” – v. 35 – acontecimento que cumprirá o que se encontra escrito no capítulo 20 do livro do Apocalipse, ou seja, após o Milénio – quando o reino de Deus encher a Terra. No fundo, esta pedra que “(…) saiu da montanha, (v. 34) torna-se no que ela era originalmente, ou seja, a ”. Quem, afinal, dominará o mundo, a História? Será que este planeta azul terminará devido a algum holocausto nuclear ou ecológico de gigantescas proporções? Ou ainda, de uma forma mais simples, simplesmente se extinguirá? A Palavra de Deus tem outra resposta para cada um de nós, visto que o mundo deixará de existir, tal como está, unicamente, quando Jesus Cristo vier em poder, em glória e majestade coincidirá com o cumprimento do quanto foi anunciado em três fases: 1- às gerações no passado distante, às quais foi proclamada esta mesma esperança, da qual “(…) profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o Senhor com milhares de seus santos” – Judas 14; 2- às gerações contemporâneas do Senhor, o qual disse aos crentes do Seu tempo: - “(…) virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também” – João 14.3; 3- a esta geração e/ou às vindouras: - “mas nós, segundo a sua promessa, aguardamos novos céus e nova terra em que habita a justiça” – II Pedro 3.13.
Sim, foi dito ao rei e reiterado aqui e agora “o que há-de ser depois disto; e certo é o sonho e fiel a sua interpretação” – Daniel 2.45. O rei reconheceu que o Deus de Daniel está acima de todos os deuses de Babilónia. De igual modo, perante tudo isto, deveremos fazer nossas as palavras do rei a Daniel, a propósito de Deus: - “Certamente o vosso Deus é Deus dos deuses e o Senhor dos reis e o revelador dos segredos (…)” – v. 47. Sim, na realidade é o que mais tarde a Palavra de Deus irá ensinar a todos aqueles que se sintam Seus filhos – a reconhecer o quanto Nabucodonosor afirmou de Deus – Senhor dos Senhores e Rei dos Reis. Esta verdade encontramo-la três vezes nas Escrituras: I Timóteo 6.15; Apocalipse 17.14; 19.16. Através do sonho da estátua, Deus transmitiu a Nabucodonosor uma solene verdade - que Ele exerce o Seu poder não só nos céus, mas também aqui na Terra – que só Ele controla o curso da História humana. Na verdade, como sabia Daniel tudo o que escreveu com precisão matemática? E quase tudo está no passado cumprido. Assim sendo, que razão teremos nós para duvidar do cabal cumprimento da parte restante? Estamos na recta final da estátua; podemos dizer com segurança que estamos a viver, efectivamente, no tempo das extremidades dos pés da estátua, “nas unhas dos pés da História!”
Como dissemos, de início, a profecia de Daniel 2 não é mais do que o esqueleto do quanto ainda esta à nossa frente. Assim, quando estudarmos Daniel 7 encontraremos mais detalhes desta Roma religiosa para que possa ser identificada. Esta Roma religiosa misturada com o Estado, até quando existirá? Em Daniel 7 é revelado que o seu poder será exercido ao longo de alguns “tempos” proféticos. No capítulo 13 do Apocalipse também encontraremos uma referência a este mesmo poder, manifestando-se através da união da Igreja com o Estado e que, a certa altura, este poder será interrompido temporariamente provocando a separação do Estado, mas que, a seu tempo, seria de novo restabelecida esta mesma união. Por outras palavras, esta forma de governo político -religioso permanecerá em funções até à vinda de Jesus Cristo.

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