• Daniel / Moisés
• Cerco e destruição de Jerusalém em 70 d. C.
Voltando ainda ao comentário que faz acerca do livro do profeta Daniel e das diferentes conclusões ali tiradas e, como não há duas sem três, o autor tira um par de conclusões e, convenhamos, de peso, aliás, como já vem sendo seu hábito! Vejamos:
a) “Mas penso que ficou claro que as profecias de Daniel nada têm “a ver com a verdadeira figura de Jesus Cristo (Messias)”;
b) “Aliás, os profetas, a começar por Moisés, quando pregavam faziam-no de modo que o seu auditório entendesse. Não pregavam profeticamente e apocalipticamente para séculos posteriores.”
• Quanto à primeira conclusão, pensamos ter demonstrado, acima, exactamente o contrário, quando abordámos a problemática de Daniel!
• Quanto à última conclusão, esta é uma daquelas que, tal como já o dissemos, se não a lêssemos e vinda de quem vem, não acreditaríamos! Mas já que foi expressa, por escrito, rendemo-nos a tal evidência!
A afirmação do autor, segundo a qual “Moisés nada escreveu nem deixou escrito”. Caso esta fosse verdadeira, não compreenderíamos lá muito bem o 5º livro das Escrituras – o Deuteronómio!
Se, realmente - como pensamos ter demonstrado - Moisés é o autor do Pentateuco (os 5 primeiros livros da Bíblia), ou, pelo menos, lhe é atribuída a paternidade - a conclusão do autor não tem qualquer fundamento: nem bíblico nem histórico. Se este nada escreveu, de novo, o escriba anónimo excedeu-se e escreveu o que não devia! Pois se assim é, este escritor é, no mínimo, mentiroso!
Vejamos, a título de curiosidade, um excerto do livro do Deuteronómio que diz: “O Senhor teu Deus, suscitará em teu favor um profeta saído das tuas fileiras, um dos teus irmãos, como eu: é a ele que escutarás” – Deuteronómio 18:15. A ser verdade este texto, perguntamos:
1- Quem é este “eu” que fala na 1ª pessoa? Era, sim ou não, profeta? Se sim, era ou não Moisés?
2- No discurso de Estevão, o qual se encontra relatado no livro dos Actos dos Apóstolos, acerca deste Moisés, refere: “Foi ele, Moisés, quem disse aos filhos de Israel: «Deus fará surgir um profeta como eu entre os vossos irmãos” – Actos 7:37; 3:22. Portanto, para já, quem é que está a mentir? O escriba anónimo (dizem), na qualidade de autor do Deuteronómio? Estevão? Ou, por extensão, o próprio Deus que os inspirou? Ou o eminente teólogo que nos ocupa?
Já ficámos a saber, pelo menos, que foi Moisés quem as disse. E agora, como saber quem é este “profeta” que surgiria mais tarde? Foram tantos os que lhe sucederam! Mas, entre tantos, qual? Para quê, prezado leitor, colocarmo-nos a adivinhar? Estaremos a queimar os nossos neurónios e ainda com o risco acrescido de não acertarmos naquele a quem a profecia diz respeito! Se o autor tem razão na afirmação que fez, isto é, “Moisés não pregava profeticamente (…) para séculos posteriores”, convenhamos que nada ficaremos a saber, claro está!
Graças a Deus que, para nós, o que conta é o que está escrito na Palavra de Deus e, por isso, ao contrário do autor, não temos qualquer dúvida acerca deste “profeta” que viria séculos depois! Vejamos o que nos revelam as Escrituras a este propósito: “Vendo aqueles homens o milagre que Ele fizera, disseram: «Este é, na verdade o Profeta que está para vir ao mundo».” – S. João 6:14. Não é uma inequívoca referência à profecia de Moisés? Claro que sim!
O contexto fala da multiplicação dos pães e dos peixes operada por Jesus! Ninguém tem qualquer dúvida a este respeito, pois não somos só nós que concordamos com as Escrituras; outros também dizem que “a esperança judaica espera a volta escatológica de um profeta preciso. (…) Não se trata de uma volta de Moisés, mas da aparição, no final dos tempos de um profeta que lhe seja parecido. O texto dos Actos dos Apóstolos aplica-se a Jesus.” Portanto que mais acrescentar?
Mas, tal como o autor afirma, a Bíblia tem “contradições” , ou ainda “erros históricos”! A ser verdade, então, talvez o nosso interlocutor tenha razão, pois nada tem valor e nada condiz com coisa alguma! Não queremos nem devemos usar o argumento-força da “maioria”, como o autor o faz em diversas das suas conclusões, mas unicamente pela coerência e força dos textos, nada mais! Uma vez mais, as Escrituras referem o grande perigo que é a – MAIORIA – pois nem sempre esta tem razão! Eis como a Bíblia nos aconselha: “Não sigas a opinião da maioria para praticar o mal. Não deponhas num julgamento, colocando-te ao lado da maioria, de modo a desviar a justiça da sua rectidão” – Êxodo 23:2. Em que é que as Escrituras estão desajustadas? Só na fértil imaginação de alguns, nada mais!
Se realmente “os profetas não pregavam profeticamente (…) para séculos futuros”, podemos ainda perguntar: para que servirá, a profecia? Nada se cumprirá no futuro, mas no presente! O profeta, aquele que fala por uma terceira entidade, limita-se unicamente a falar, segundo dizem, para o presente. A ser este postulado verdadeiro, que diremos? Que pensar das profecias Messiânicas, por exemplo?
Dentro desta problemática, recordaremos dois textos, entre outros, que apontavam para o futuro, para um tempo posterior ao profeta – o cerco e destruição de Jerusalém no ano 70 da nossa era. Vejamos:
1- “Comereis a carne dos vossos filhos e comereis a carne de vossas filhas” – Levítico 26:29
2- “(…)Serás oprimido pelo teu inimigo e devorarás
o fruto das tuas entranhas, a carne dos teus filhos e das
tuas filhas (…). A mulher mais sensível entre vós,
a mais delicada (…) o recém-nascido saído do seu ventre, (…)
ela o terá devorado ocultamente, no meio da miséria e
da angústia a que te reduzirá o teu inimigo em
todas as tuas cidades.” – Deuteronómio 28: 53-57
3- “Mãos de mulheres, cheias de ternura, cozinharam
os seus filhos, que lhes serviram de alimento,
quando da ruína da filha do meu povo” – Lamentações 4:10
Como já acima referimos, pensamos que estes textos aplicam-se perfeitamente aos acontecimentos dramáticos decorrentes do cerco de Jerusalém, pelas tropas do general romano Tito. Não estamos a dizer, de modo algum, que este tipo de acções nunca tenham ocorrido em diferentes quadros de guerra, longe de lá! O que queremos dizer é que encontramos aplicação histórica do quanto é narrado, acima, pela Palavra de Deus, muitos séculos antes!
É interessante, a este propósito, a descrição que o historiador Judeu Flávio Josefo faz de acontecimentos que se passaram antes do cerco de Jerusalém:
“No dia da Festa do Pentecostes, de noite no Templo, os sacerdotes ouviram um barulho e uma voz que repetiu várias vezes: Saiam daqui.”
“Quatro anos antes do início da guerra, quando ainda Jerusalém vivia em paz e em plena abundância, Jesus, filho de Ananus, que era um simples camponês que tinha vindo à Festa dos Tabernáculos, no Templo começou a gritar: voz do lado do oriente, voz do lado do ocidente, voz do lado dos quatro ventos, voz contra Jerusalém e contra o Templo, voz contra os novos casados e casadas, voz contra todo o povo”.
Então os magistrados, crendo, como era verdade, que existia qualquer coisa de divino, o conduziram a Albinus, governador da Judeia. Ele foi açoitado e continuava a dizer: Infelicidade, infelicidade sobre Jerusalém.”
“Continuou assim a falar sobre Jerusalém ao longo de sete anos e cinco meses, quando o cerco começou, uma pedra atirada por uma máquina romana o matou.”
O vidente, ao ser interceptado e levado à presença do governador, apesar de pensarem que de algo de especial se tratava, foi – açoitado! Porquê? Obviamente por falar contra o Templo, visto que “a apocalíptica do tempo de Jesus espera a glória do Templo, não a sua ruína” . Antes de mais, sublinharemos um pormenor: o historiador revela-nos que isto aconteceu “quatro anos antes da guerra” e no tempo do governador da Judeia, um tal “Albinus”. Em relação a estes dois detalhes, somos informados que “quatro anos antes da guerra que começou em 66 – estamos, portanto, em 62 e o governador romano chama-se Lucarius Albinus, que foi procurador entre 62 e 64”
Ora, somos informados que este visionário ainda continuou por mais “7 anos e cinco meses”. Sendo assim, então tudo se prolonga até ao ano 70 d.C. – ano em que se dá o assalto final e no qual o visionário morre!
Quanto à fome sentida enquanto durou o cerco em causa, o mesmo historiador descreve o que se passou. Como poderá ver, prezado leitor, parecem acontecimentos decalcados dos textos bíblicos acima examinados. Vejamos:
“A sua fome fazia-os juntar, para se alimentarem, o que as mais imundas das bestas espezinhariam. Comiam até o couro dos sapatos e das fivelas (…)”
“O que irei contar é de tal maneira horrível e inacreditável que, se não fosse o testemunho de várias pessoas, eu não o contaria!”
“Uma mulher, chamada Maria (…) assim que se viu reduzida à miséria, a fome a devorava (…). Agarrou no filho que ainda mamava e disse: Não será melhor que tu morras para que me sirvas de alimento (…). Após ter falado assim, ela matou o filho, cozeu-o e comeu um bocado e guardou o resto (…)”
Cremos que os acontecimentos são claros demais e que, por si só, dispensam quaisquer comentários da nossa parte, no que respeita ao cumprimento do quanto anteriormente fora descrito, profeticamente, séculos antes!
Também somos esclarecidos por alguns comentadores, acerca do paradeiro dos cristãos neste altura tão dramática. Que lhes aconteceu? Nada de especial! Porque “os cristãos de Jerusalém ao tomarem conta da advertência de Cristo, retiraram-se todos antes do assalto final a Jerusalém, para uma vila pequena chamada Pella”. Portanto, tudo isto, quanto a nós, significa duas coisas importantes:
1- Que os discípulos compreenderam, quase 50 anos mais tarde a advertência contida nas palavras de Jesus, ao citar, quem diria (!), o profeta Daniel! Exactamente a profecia contida no cap. 9 e no verso 27! Jesus disse: ”Quando virdes, pois a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, instalada no lugar santo – o que lê entenda – então os que se encontrarem na Judeia fujam para os montes (…)” ou ainda “Ai das que estiverem grávidas e das que estiverem amamentando nesses dias.” – S. Mateus 24:15-19 Cremos ser imperioso voltar a citar o que pensa o autor sobre o que poderá representar a “abominação da desolação”, quando diz que: “tem a ver com a estátua do Zeus Olimpo colocada no Templo de Jerusalém (…)”. Mas, prezado leitor, no momento em que Cristo fala, e tendo isto acontecido, dizem, no tempo de Antíoco IV Epifânio (175-163 a.C.), será que, mais tarde, no ano 70 d.C., ainda existia a tal estátua a profanar o dito lugar? Será que fazia sentido Jesus referir-se a ela dizendo: “Quando virdes, pois a abominação da desolação (…)”, quando, já no Seu tempo, tal estátua já não existia no lugar a profaná-lo?
Por outro lado, Jesus disse, recordamos: “(…) o que lê entenda”. Porque é que Jesus não se expressou – para estar em consonância com a interpretação que o autor deseja – assim, por exemplo:” o que vê (a tal estátua) entenda”! Porquê? Porque esta interpretação não tem a menor ligação com as palavras do profeta Daniel! Nada mais! Mas, se virmos nesta “abominação da desolação” o poder militar de Roma, então, tudo faz sentido – não somente histórico, como bíblico, como já o referimos!
Para que não restem quaisquer dúvidas no espírito do leitor, faremos aqui uma breve análise comparativa dos textos referentes a esta “abominação da desolação” e acontecimentos seguintes:
À luz do quadro sinóptico acima exposto poder-se-á ver claramente, uma vez mais, que as palavras da profecia de Daniel reportam-se, inquestionavelmente, não à mera suposição do autor: “refere-se com toda a certeza à estátua do Zeus Olimpo” mas a acontecimentos posteriores ao tempo de Jesus:
a) A “desolação da Abominação” tem que ver, não com o que o autor meramente supõe, mas com o poderio militar de Roma, como claramente o refere S. Lucas.
b) Com a fuga, antecipada dos cristãos, de Jerusalém para Pella, para que não participassem dos flagelos que iriam cair sobre a cidade.
c) A situação de crise, de fome e desvario das grávidas e das que amamentariam, nessa altura. Tal como se descreve nas situações de canibalismo resultante da situação.
Recorde, prezado leitor, o v. 22 de S. Lucas, que diz: “Pois esses dias serão de vingança, a fim de se cumprir tudo quanto está escrito” (sublinhado nosso). Como poderemos ver, tudo acontecerá para se “cumprir tudo quanto está escrito”! Não será mais um reforço para que saibamos que a “abominação” nada tem que ver com Antíoco IV Epifânio? Continuamos a pensar que sim!
Depois, este referência: “está escrito”, não terá que ver com as que mostrámos a anunciar este drama, previamente escritas - (Levítico 26:29; Deuteronómio 28:53-57; Lamentações 4:10)? Continuamos a crer que sim!
2- Recordemo-nos que aquele visionário iniciou o seu oráculo cerca do ano 62 d.C.. Perguntamos, será adulterar o texto bíblico de – S. Mateus 24:16 – se situarmos a fuga dos discípulos, ou melhor, o abandono antecipado da cidade de Jerusalém, desde o ano 62 d.C., para Pella? Porque:
a) Estavam alertados pelas palavras de Jesus acerca da profecia do profeta Daniel, acerca da cidade, do Templo;
b) Porque devido às actuais advertências – do vidente –recordaram-se das anteriores proferidas por Jesus. Cremos ser razoável pensarmos assim! Portanto, desde o início da advertência até ao clímax da guerra, será normal que “o ano de 66/67” coincida com o abandono definitivo, de Jerusalém, pelos cristãos .
Esta “abominação da desolação” não tem, nunca teve, nada a ver com Antíoco IV Epifânio, mas está sim, directamente ligada a Roma, nas suas diversas vertentes! Estaremos a fazer dizer ao texto o que ele não diz? Cremos, sinceramente que não! Até por que a Palavra de Deus, assim se expressa desde o Antigo Testamento, revelando que o crente, o conhecedor da Palavra e da vontade de Deus, nunca é deixado entregue a si mesmo! Vejamos: “Porque o Senhor Javé nada faz sem revelar o Seu segredo aos profetas, Seus servos”- Amós 3:7 – o caso do profeta Daniel não é excepção! E por que o seria?!
Bibliografia:Joaquim Carreira das Neves, OFM, op. cit, p. 134
Idem, p. 15
Oscar Culmann, Christologie du Nouveau Testament, 3ªed., Genève, Ed. Delachaux & Niestlé, 1968, pp. 21,37
Joaquim Carreira das Neves, OFM, op. cit, p. 27
Idem, p. 117,119
O canibalismo (II Reis 6:28,29; Lamentações 2:20), a desolação das cidades e exílio do povo (Jeremias 9:5-23; Ezequiel 5:5-17) serão elementos do castigo severo que Deus aplicará àqueles que não guardaram as promessas de Deus”. Cf. Roland K. Harrison, Levítico – introdução e comentário, S. Paulo, Ed. Mundo Cristão, 1983, p. 216
J. A. Thompson, Deuteronómio e comentário, S. Paulo, Ed. Mundo Cristão, 1982, p. 265
Flavius Josèphe, Histoire Ancienne des Juifs, La guerre des Juifs contre les Romains, Paris, Ed. Lidis, 1973, 2ª parte, Livro VI, XXXI, p. 896
J. Jeremias, op. cit., p. 161
Claude Transmontant, Le Christ Hébreu, Paris, Ed. O.E.I.L., 1983, p. 83
Flavius Josèphe, op. cit., Livro VI, XXI, pp. 889,890
Manuel de Tuya, O. P., op. cit., pp. 389
Joaquim Carreira das Neves, OFM, op. cit, p.121
Idem, p. 117
Charles Brutsch, op. cit., p. 213, “12:15”, nota 3
• Cerco e destruição de Jerusalém em 70 d. C.
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