quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O SONHO MILENARISTA "AOS MIL CHEGARÁS, DOS MIL NÃO PASSARÁS"

Tendo como pano de fundo tal contexto de opulência comparativamente à vivência de uma população cada vez mais pobre, não seria de esperar outra reacção – acalentar o sonho milenarista! A felicidade eterna, o retornar a uma idade de ouro, ao Paraíso perdido. O milenarismo está ligado à escatologia cristã, ou seja, ligado aos acontecimentos relacionados com o Tempo do Fim deste mundo pleno de contradições aberrantes. Esta ideia se alicerça na tradição apocalíptica e estreitamente ligada à problemática do anticristo; este, assim como os seus seguidores, estão irremediavelmente ligados a “uma falsa exposição das Escrituras, onde tentará provar que ele é o Messias prometido pela lei”. No fim, é neste sentido que vai a interpretação bíblica, quando refere que, no final dos tempos, “(…) há-de manifestar-se o homem da iniquidade, o filho da perdição, o adversário, aquele que se levanta contra tudo o que leva o nome de Deus, ou o que se adora, a ponto de tomar lugar do Templo Deus e se apresentar como se fosse Deus. A vinda do ímpio será acompanhada, graças ao poder de Satanás, de toda a sorte de milagres, de sinais e de prodígios enganadores” – II Tessalonicenses 2:3,4,9
Uma das principais causas do florescimento destes múltiplos Movimentos religiosos, é a tentativa de encontrar uma resposta para um velho problema – a solene tríplice pergunta: Quem sou; donde vim e para onde vou? Estes Movimentos respondem a uma área básica no ser humano. Todos nós precisamos de ser amados, de nos sentirmos necessários; sentirmos que a nossa vida tem um rumo e um significado. Os indivíduos que passam por crises de identidade ou que sofrem de problemas emocionais são, particularmente, susceptíveis a estes ditos Movimentos que nem sempre agem, convenhamos, de boa fé e entram em flagrante conflito com a suprema Verdade – as Escrituras! É aqui, reconheçamos, que a Igreja tradicional tem falhado e que, quanto a nós, continua a falhar, ao não ter encontrado respostas para o homem do nosso século e que continuará, quiçá, infelizmente, a passar ao lado destas mesmas necessidades… e no fundo, é a sua suprema missão!
Onde está a luz que a Igreja tradicional deveria irradiar, visto dizer ser a continuidade de Cristo e o prolongamento do Seu ensino? Quanto a nós: em lado nenhum, biblicamente falando! Tal como o homem da passagem de nível, esta está no seu posto, mantém uma fachada de religião, mas a luz genuína da Verdade desapareceu por completo! Resta uma luz baça emanada pela Tradição e alimentada pelo Magistério da Igreja. Uma luz resultante de tantos compromissos que, de Verdade, cada vez mais, só vai tendo, infelizmente, o nome! Tudo é política, nada de bíblico! Multidões seguem o Sumo Pontífice! Mas, não para ouvir a Palavra de Deus, mas o homem político! E vendo bem, quem se interessaria pela primeira vertente? Quem estará disposto a ser “uma nova criatura em Cristo Jesus” – II Coríntios 5:17, num mundo onde cada vez mais “a abarrotar de coisas supérfluas, enquanto a multidão esfomeada se vê privada do necessário”.
Porque se tivesse tal discurso, altamente redutor e impopular, para os nossos dias, quem o seguiria? Assim, passa-se para a política, prática em que se especializou, com tremenda mestria, ao longo da sua existência, como instituição! Mas, para não se descaracterizar totalmente, então que se mencione, ou menos, o nome do Cristo, valha-nos isso! Perdeu-se, por completo a identidade! No passado, como no presente, muitos a abandonam, não porque queiram fundar uma nova Igreja, mas porque já não têm lugar naquela que não lê, não vive, não ensina nem pratica a verdadeira vontade de Deus expressa nas Escrituras e não nos ditames Conciliares!
Como explicar a decadência da fé? Como interpretar o declínio do cristianismo, religião que milhões professam, mas em que poucos praticam as suas virtudes? O filósofo e teólogo dinamarquês Soren Kierkegaard, a este respeito assim se expressa: “O cristianismo é uma pródiga ilusão. Nos países chamados cristãos existem milhares e milhares de pessoas que nunca entraram numa igreja, nunca pensam em Deus, nunca mencionam o Seu nome a não ser em blasfémia. Jamais pensaram nas suas responsabilidades para com Deus. Entretanto, todas estas pessoas, mesmo aquelas que não crêem na existência de Deus, são reconhecidas como cristãos nas estatísticas oficiais, são sepultadas como cristãos pela igreja e certificados como cristãos para a eternidade.”
E não é assim de igual modo no nosso País em que, ostensivamente, se declara Católico Apostólico Romano? O que é que significa pertencer a esta confissão religiosa? Qual o vínculo? Qual a mudança a exigir ou propor em Cristo Jesus? Unicamente, socialmente falando, parece bem! Enfim não passa de um acto social quando deveria ser de fé! Tal como dissemos, milhares acorrem onde estiver o papa. Repetimos, para ouvir a Palavra de Deus? Quem se importa com esta vertente que, no fundo, é a razão de ser da Igreja! Mas, eis que surge uma outra razão unicamente para ver e saudar, de certa maneira, um homem político-religioso - o Homem vestido de Branco - igual a tantos outros que já pertencem ao passado, que já passaram à História e, consequentemente, ao esquecimento!

Bibliografia:
Jacques Le Goff, La Civilisation de l’Occident Médiéval, Paris, Ed. Flammarion, 1982, p. 167
Jean-Jacques Rousseau, Discurso sobre a Origem e Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, Lisboa, Publicações Europa-América, 1976, p. 83
Citado por Enoch de Oliveira, Ano 2000, Angústia ou Esperança, S. Paulo, Ed. C. P. B. 1988, p. 124

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