Ao longo do século X e da primeira metade do século XI intensificou-se a intervenção do poder laico nos assuntos eclesiásticos. No panorama europeu de meados do século XI, a imagem do imperador brilhava com um brilho sem igual. Quanto à Igreja, esta precisava de um homem forte, de alguém que impusesse o que anteriormente se tinha perdido – a ordem!
Onde estava esse homem? Brevemente iria sair do anonimato alguém “de pequena estatura, desajeitado de aparência, voz débil, mas zeloso defensor do absolutismo papal”. Em 1073 a sua eleição impõe-se com tal evidência que um movimento popular o eleva à dignidade pontifícia. Este homem, o monge Hildebrando, ao ser elevado à dignidade papal, toma o nome de Gregório VII (1073-1085). As suas primeiras acções revelam “o seu invencível desejo de unir os dois poderes - Espiritual e Temporal - para reformar a Igreja”.
Gregório VII, para combater a imoralidade reinante no seio do clero, propõe algumas soluções: 1- Imposição do celibato a todo o clero; 2- Acabar com o escândalo da simonia; 3- Insurge-se contra o direito do imperador de nomear dignitários para a Igreja. Tudo isto para que não existissem quaisquer dúvidas acerca de quem mandava na Igreja! Não poderia haver, portanto, para o corpo, que é a cristandade, duas cabeças: o Papa e o imperador!
Para que as águas pudessem ficar separadas com toda a clareza, Gregório VII irá elaborar, como acima já o referimos e nunca é demais repeti-lo, tal é a sua importância, um documento no qual se poderá ver a expressão do seu pensamento a este respeito. O documento chama-se Dictactus Papae.
Certa vez, Gregório VII teve, um diferendo com o imperador Henrique IV da Alemanha (1056-1106). Do conflito o pontífice sai vencedor. E, para reparar o mal causado, o imperador desloca-se ao encontro do papa, a Canossa, na Toscânia! Ali implora, durante três dias, descalço e com vestes de penitente, o perdão papal!
Quão longe estão os tempos da Igreja simples, humilde, perseguida e oprimida. Tudo isto leva-nos a formular uma simples pergunta: o que é que, já nesta altura, restava da Igreja pura assim como da fonte dos ensinos?
Se ainda quisermos clarificar mais o que pretendemos transmitir, bastará recordar a Decisão II de 8 de Novembro de 1557 que realça, sem qualquer margem para dúvidas, a autoridade inquestionável do papa! Esta decisão é acompanhada, por sua vez, com anotações precedidas por um sumário, do qual destacamos:
Artº 1- “O Papa é quase Deus na Terra (…)”.
Artº 4,16- “Ninguém ouse desprezar o poder do papa, porque ele liga, não como homem, mas como Deus”.
Artº 18,20- O Papa ocupa o lugar e desempenha as vezes de Deus (…)”.
Artº 43,9- “Os reis têm como superior Deus, e consequentemente a Igreja e o Romano Pontífice, que está no lugar de Deus na Terra (…)”.
Artº 61,1- “O Romano Pontífice está acima de todo o Principado e Potestade, e diante dele se curvam todos os joelhos no Céu, na Terra e debaixo da Terra”.
O teor desta última referência recorda-nos dois textos: 1- Aplicado a Deus Pai; 2- Aplicado a Deus Filho. Quanto à primeira, encontramo-la no profeta Isaías: “(…) Todo o joelho se dobrará diante de mim (…)” – Isaías 45:23. A segunda, é uma aplicação feita por S. Paulo ao próprio Jesus Cristo, quando assim escreveu aos crentes de Filipos: “Para que ao nome de Jesus, todo o joelho se dobre, nos Céus, na Terra e nos infernos (debaixo da terra)” – Filipenses 2:10.
Como poderá um pobre e triste mortal ousar pensar, quanto mais decretar, que é “igual a Deus”? Prezado leitor, esta pretensão, segundo as Escrituras, nasceu no coração de um anjo – Lúcifer – ser pleno de glória e de luz. Ele disse: “(…) Sentar-me-ei sobre o Monte da assembleia (…) e serei semelhante ao Altíssimo” - Isaías 14:,13,14. Esta mesma reivindicação orgulhosa do ser criado foi passada para o ser humano, no Jardim do Éden, quando disse a Adão e Eva: “(…) e sereis como Deus” – Génesis 3:5.
Da Dictactus Papae à Decisão II, de 8 de Novembro de 1557, passaram-se cerca de cinco séculos e, qual foi a mudança que se operou na sua atitude? Nenhuma! Esta confissão religiosa continuou igual a si mesma, infelizmente!
Para terminarmos, conviria definir os termos que, impropriamente são utilizados pela maioria! Muitos, com orgulho, incompreensivelmente, afirmam pertencer a esta confissão religiosa que, quanto a nós, repetimos, está ao mesmo nível de qualquer outra congénere!
Por que é que esta confissão religiosa se chama Igreja Católica? Qual o porquê deste nome? Somos esclarecidos que a “Igreja era chamada assim no tempo em que só a cidade de Roma possuía uma comunidade cristã”. E qual é o significado da palavra: Católico? Se consultarmos um dicionário veremos que esta palavra quer dizer: universal. Por outras palavras, não existia outra diferente, relacionada com Cristo, além do judaísmo, para a época!
Numa primeira conclusão: nos dias de hoje não tem qualquer sentido ou razão de ser dizer-se, como alguns o fazem, com certo orgulho: Eu sou Católico! Pois, tal como apontámos, nos dias de hoje, tal expressão não significa nada, visto que esta confissão religiosa não é, de modo algum, uma religião universal, única!
Quanto ao termo - Apostólico - no dicionário encontramos a definição de: “o que diz respeito aos apóstolos”. Quanto à palavra - Romana - tal como ela indica, tem a sua origem e fundação em Roma, nada mais!
Portanto: 1- o termo Católico, repetimos não tem qualquer razão de ser, pois não é uma Igreja Universal; 2- Apostólica! Afinal, que doutrina é que segue? Se é para fazer jus ao seu nome, então, de que apóstolos se trata? Os que existiram, pertencem à história, ao passado, além de não vermos em que é que, no presente, estes sejam imitados! 3- Romana, de Roma. Perguntamos: O que é que, em abono da verdade, tem esta a ver com o cristianismo, na sua essência? Esta cidade está relacionada, isso sim, essencialmente, com morte e perseguição! Nada mais do que sangue e morte! Se ainda fosse uma Igreja situada em Jerusalém, ainda compreenderíamos, pois sempre foi ali que tudo começou, não é verdade? Mas, vendo bem, até a escolha do nome – Romana - é infeliz!
À luz do que vimos esta Igreja é como qualquer outra que queira ter um nome parecido, a saber: Igreja Católica Apostólica (Portuguesa), (Italiana), etc. É só tirar a palavra final – Romana – e acrescentar um nome qualquer de uma cidade ou vila, nada mais! Como mudar o status quo adquirido ao longo do tempo? Quem quer abdicar do Poder? Ninguém! E muito menos uma confissão devidamente instalada e, ultimamente, muito consultada, mesmo até por Movimentos religiosos que, no passado recente, nunca ousaríamos cogitar!
No passado, esta confissão religiosa, curiosamente, recorreu às Escrituras, em particular, ao livro do Génesis para dali tirar uma imagem que muito lhe interessava - a dos dois luminares - Génesis 1:16. Estes representavam: “para a Igreja, o luminar maior, o Sol, é o papa; o luminar menor, a lua, o imperador ou o rei. A lua não tem brilho próprio, ela não tem senão o brilho que o sol lhe
dá. Luminar inferior, o imperador é, portanto, o chefe do mundo nocturno face ao diurno governado e simbolizado pelo papa”.
Quando as Escrituras têm algo que possa servir para determinado fim, mesmo desprovido de qualquer contexto, elas são excelentes! Quanto ao resto, é o que a sua triste história nos mostra em páginas manchadas de sangue e de muitas coisas impróprias para uma Igreja! Enfim, um cortejo de misérias!
Que diria o simples e humilde Apóstolo Simão Barjonas se ressuscitasse nos nossos dias? Seria, certamente, inimaginável a sua reacção! Com que estranheza tomaria conhecimento de que tinha legado um império, sem nunca ter dado por isso?! Partiu-se dos ensinos de raiz bíblica – infalíveis - para os de formato meramente humano – falíveis -! Da extrema pobreza para o fausto, o luxo, a licenciosidade! Tão estranho acontecimento! E logo a Igreja, aquela que diz ser a sucessora de Cristo! Quem diria!
Bibliografia:Henri H. Halley,op. cit., pp. 686,687
Geoffrey Barraclough, op. cit., p. 94
Esta ordem é contrária à vontade de Deus, desde a Criação do homem “Não é conveniente que o homem esteja só;” – Génesis 2:18; “Proíbem o casamento (…)” – I Timóteo 4:3. Qual o porquê da vontade de Deus? A razão é, pensamos, “Somente o homem e a mulher juntos é que representam, verdadeiramente, o homem completo”; ou ainda “O celibato passa por ser uma desonra, porque o ser humano jamais poderá realizar, em si mesmo, uma vida completa” - Hans Walter Wolff, op. cit., pp. 120,153
Simonia – compra de um cargo eclesiástico por dinheiro. Recordando o episódio entre S. Pedro e Simão que queria comprar o dom do Espírito Santo, do qual retira o nome – Cf. Actos 8:18-22.
Cf. Geoffrey Barraclough, op. cit., p. 100
Sacrae Rotae Romanae Decisionum Recentiorum a Prospero Farinaccio J. C. Romano Selectarum, Pars Tercia, Venetiis, 1716, fols. 3-8
A. Hamman, op. cit., pp. 146,147
J. Almeida Costa e A. Sampaio e Melo, op. cit., p. 122
Jacques Le Goff, La Civilisation de l’Occident Médieval, Paris, Ed. Flammarion, 1982, p. 253
Sem comentários:
Enviar um comentário