Escreve Daniel: "Eu estava olhando nas minhas visões da
noite, e eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do Homem"
(Dan. 7:13). Esta representação específica forma a fonte da proclamação de João
em Apocalipse 1: "Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá" (v.7).
Na visão de Daniel, o semelhante a um filho de homem, o ser celestial, foi até
o "Ancião de Dias" (Dan. 7:13).
"Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os
povos, nações e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio é domínio
eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído" (Dan. 7:14).
Esta coroação celestial do Messias celestial em Daniel 7
desenvolve o centro culminante em Daniel 2 onde a rocha cortada "sem
intervenção humana" investe contra a estátua, pulveriza-a e é levada pelo
vento de maneira que não fica nada a não ser a rocha, que chega a ser o paraíso
restaurado. Dessa forma, tanto no capítulo 2 como no 7, o profeta nos assegura
que o reino de Deus será restaurado sobre a terra.
Há algo muito importante que se desenvolve entre o Daniel 2
e 7. A pedra de Daniel 2 chega a ser o Messias, representado como "um como
um filho de homem", em contraste com as "bestas" ímpias do
capítulo 7. Esta revelação assombrosa revela que no céu há outro personagem
celestial além de Deus o Pai, um de aparência divina, que aparece sobre um
carro de nuvens celestial: "Com as nuvens!" Estas devem representar
as nuvens de anjos celestiais. A linguagem figurada de "nuvens"
indica uma aparência divina (ver Êxo. 13:21; 14:19; 19:16; 40:34; Lev. 16:2;
Núm. 9:15-23; Sal. 104:3; Isa. 19:1; Deut. 33:26). O Messias divino virá para
julgar e restaurar (Dan. 7:22). O Pai lhe dá todo o domínio sobre a terra. Este
Messias governará nosso mundo de parte de Deus. Declara Daniel:
"O reino, e o domínio, e a majestade dos reinos debaixo
de todo o céu serão dados ao povo dos santos do Altíssimo" (Dan. 7:27).
Aqui lemos que os santos receberão o reino de Deus. Esse
"reino será reino eterno, e todos os domínios o servirão e lhe
obedecerão" ao divino Filho de Homem (7:27). Dessa maneira Deus transfere
no céu ao Messias divino toda a autoridade e o poder soberano sobre nosso
planeta.
O Filho de Homem celestial deve provir do céu e dirigir-se à
Terra. Nesse ponto, Apocalipse 1 continua e
supera Daniel 7. Apocalipse 1
anuncia: "Eis que vem com as nuvens". Virá "logo" a nossa
terra: "E todo olho o verá" (v. 7). Esta não é uma vinda espiritual,
invisível, porque até os incrédulos em todo mundo verão sua vinda. Significa o
glorioso reaparecimento do Senhor Jesus Cristo ressuscitado (ver também At.
1:9-11; Heb. 9:28).
Para os judeus, o Messias era primordialmente um personagem
político e militar. Jesus não desejava confirmar estas expectativas messiânicas
(João 6:15). Distanciou-se da imagem messiânica prevalecente em seus dias e
escolheu um símbolo do Antigo Testamento que não estava carregado com essa
interpretação errónea. Jesus se chamou a si mesmo "o Filho do Homem".
Mudou a expressão de Daniel de "um como um filho de homem" a um termo
messiânico mais explícito. Cristo se chamou a si mesmo em repetidas ocasiões
"o Filho do Homem". De fato aparece assim 77 vezes nos quatro
Evangelhos.
A frase "o Filho do Homem" não quer dizer que
Jesus foi meramente um homem. Cristo explica seu autodesignação da visão de
Daniel 7: "Pois para que saibam que o Filho do Homem tem poder na terra
para perdoar pecados, te digo: levante-te" (Mar. 2:10, 11). Aqui Cristo se
chamou a si mesmo "o Filho do Homem". Como o filho de homem
daniélico, tem o poder para perdoar pecados. Nenhum sacerdote Levítico disse
nunca: "Perdoo teus pecados". Não há nenhum pastor protestante que
afirme: "Perdoo seus pecados". Só o sacerdote católico romano afirma:
"Perdoo seus pecados" ("Ego te absolvo"). Segundo a Sagrada
Escritura só Deus pode perdoar nossos pecados (Sal. 32:5; Isa. 43:25). Por
isso, quando o "filho de homem" de Daniel 7 vem para perdoar pecados,
a frase "Filho do Homem" significa o Messias celestial ou "Filho
de Deus" (ver João 5:27). Só à luz do Daniel 7 podemos entender que o
Filho do Homem é um Messias divino com autoridade igual a de Deus o Pai.
Quando o Apocalipse enfatiza que Cristo logo voltará, isto
são boas novas para os seguidores de Jesus. Virá para executar seu juízo sobre
os ímpios. Se pela fé "estamos em Cristo" não temos nada a temer,
porque Cristo já nos livrou que a condenação divina (Rom. 8:1). Em realidade,
devemos recebê-lo com satisfação e desejar juiz divino, como insígnia o livro
de Salmos. No Salmo 96 todas as árvores do bosque "transbordam de
contente", porque Deus deve julgar o mundo com justiça (vs. 11-13).
O Apocalipse proclama que todos os que estão sobre a terra
serão testemunhas de sua segunda vinda, até aqueles que o
"transpassaram". Esta expressão se refere claramente à morte de
Jesus. Jesus foi transpassado pela lança de um soldado romano. Do corpo de
Jesus fluiu água e sangue (João 19:34, 37). Mas em um sentido especial todos os
oponentes principais de Cristo Jesus na história estão incluídos em "os
que o transpassaram" por meio das "lanças" de suas palavras e
ações.
Esta frase também tem sua raiz principal no Antigo
Testamento. O profeta Zacarias havia predito antes que Jerusalém
"transpassaria" a seu próprio Messias Pastor e então todas as tribos
do Israel se afligiriam por ele (Zac. 12:10-14; cf. 9:9; 13:7). O cumprimento
das predições de Zacarias começou quando Cristo apareceu pela primeira vez,
durante sua entrada triunfal em Jerusalém como seu Messias Rei (ver Mat. 21:4,
5). Uma semana mais tarde Jesus anunciou que agora todas as suas ovelhas seriam
dispersas, como havia predito Zacarias (ver Mat. 26:31). Zacarias predisse que
Jerusalém rechaçaria e "transpassaria" a seu Messias:
"E olharão para mim, a quem traspassaram; e o
prantearão como quem pranteia por um unigénito; e chorarão amargamente por ele,
como se chora amargamente pelo primogénito" (Zac. 12:10).
Jesus recalcou que as doze tribos de Israel "se
lamentariam" (Zac. 12:12-14). Este pranto nacional incluso ainda não se
realizou na nação judaica. Apocalipse 1 faz esta aplicação ampliada:
"Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até
quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele.
Certamente. Amém!" (Apoc. 1:7).
Isto significa que todos os povos da terra se lamentarão com
desespero quando vier pela segunda vez, "por causa dele". O
Apocalipse desenvolve esta cena com mais dramatismo em suas visões seguintes
(ver 6:15-17; 14:14-20; 19:11-21). A importância deste ponto culminante no
Apocalipse fica sublinhado pelas palavras proféticas de Jesus no Evangelho de
Mateus:
"Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem;
todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as
nuvens do céu, com poder e muita glória" (Mat. 24:30).
Porque "todo olho" o verá e "todas as
tribos" ou povos da terra farão lamentação por ele; ninguém que rechace a
Cristo na geração final será capaz de esconder-se deste glorioso Rei-Juiz no
último dia.
Resumo
Sintetizando os descobrimentos desta investigação, o
Apocalipse revela duas chaves específicas de interpretação para decifrar seus
conceitos simbólicos:
A primeira chave é que seu simbolismo está copiado do
Testamento mais antigo, a Bíblia Hebraica. Isto mantém a continuidade do Deus
do pacto com seu verdadeiro Israel. A palavra de Deus não foi anulada devido à
rebelião de Israel. O Messias de Deus apareceu em Israel e cumpriu sua missão
(ver Mar. 10:45 e João 19:30).
A segunda chave é a verdade evangélica que se encontra nos
quatro Evangelhos do Novo Testamento: o crucificado e ressuscitado Jesus de
Nazaré é o Messias da profecia. Isto significa que todos os termos e as imagens
do antigo pacto estão agora refundidas na linguagem figurada do novo pacto que
está centrado em Cristo. Um erudito católico romano ficou tão impressionado
pela "releitura cristã do Antigo Testamento" feita por João, que
concluiu: "Agora perece que este uso deliberado do Antigo Testamento que
faz o autor do Apocalipse deveria estudar-se mais cuidadosamente do que foi
estudado até agora".[1]
Devem estudar-se múltiplas conexões do Apocalipse com o
Antigo Testamento, não para mostrar a maneira como João engenhosamente adaptou
os símbolos e as profecias hebraicas, a não ser para entender de que maneira o
Deus de Israel consumará suas promessas que fez no antigo pacto por meio de
Cristo e seu povo do novo pacto.
Hans K. LaRondelle
Referência
1. André Feuillet, The Apocalypse [O Apocalipse] (Staten
Island, Nova York: Alvorada House, 1965; da ed. francesa [Paris: Desclée deo
Brouwer, 1962]), p. 79.
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