terça-feira, 17 de junho de 2014

Chave para interpretar o Apocalipese - A segunda chave

Escreve Daniel: "Eu estava olhando nas minhas visões da noite, e eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do Homem" (Dan. 7:13). Esta representação específica forma a fonte da proclamação de João em Apocalipse 1: "Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá" (v.7). Na visão de Daniel, o semelhante a um filho de homem, o ser celestial, foi até o "Ancião de Dias" (Dan. 7:13).

"Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio é domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído" (Dan. 7:14).
Esta coroação celestial do Messias celestial em Daniel 7 desenvolve o centro culminante em Daniel 2 onde a rocha cortada "sem intervenção humana" investe contra a estátua, pulveriza-a e é levada pelo vento de maneira que não fica nada a não ser a rocha, que chega a ser o paraíso restaurado. Dessa forma, tanto no capítulo 2 como no 7, o profeta nos assegura que o reino de Deus será restaurado sobre a terra.

Há algo muito importante que se desenvolve entre o Daniel 2 e 7. A pedra de Daniel 2 chega a ser o Messias, representado como "um como um filho de homem", em contraste com as "bestas" ímpias do capítulo 7. Esta revelação assombrosa revela que no céu há outro personagem celestial além de Deus o Pai, um de aparência divina, que aparece sobre um carro de nuvens celestial: "Com as nuvens!" Estas devem representar as nuvens de anjos celestiais. A linguagem figurada de "nuvens" indica uma aparência divina (ver Êxo. 13:21; 14:19; 19:16; 40:34; Lev. 16:2; Núm. 9:15-23; Sal. 104:3; Isa. 19:1; Deut. 33:26). O Messias divino virá para julgar e restaurar (Dan. 7:22). O Pai lhe dá todo o domínio sobre a terra. Este Messias governará nosso mundo de parte de Deus. Declara Daniel:

"O reino, e o domínio, e a majestade dos reinos debaixo de todo o céu serão dados ao povo dos santos do Altíssimo" (Dan. 7:27).
Aqui lemos que os santos receberão o reino de Deus. Esse "reino será reino eterno, e todos os domínios o servirão e lhe obedecerão" ao divino Filho de Homem (7:27). Dessa maneira Deus transfere no céu ao Messias divino toda a autoridade e o poder soberano sobre nosso planeta.

O Filho de Homem celestial deve provir do céu e dirigir-se à Terra. Nesse ponto, Apocalipse 1 continua e
supera Daniel 7. Apocalipse 1 anuncia: "Eis que vem com as nuvens". Virá "logo" a nossa terra: "E todo olho o verá" (v. 7). Esta não é uma vinda espiritual, invisível, porque até os incrédulos em todo mundo verão sua vinda. Significa o glorioso reaparecimento do Senhor Jesus Cristo ressuscitado (ver também At. 1:9-11; Heb. 9:28).

Para os judeus, o Messias era primordialmente um personagem político e militar. Jesus não desejava confirmar estas expectativas messiânicas (João 6:15). Distanciou-se da imagem messiânica prevalecente em seus dias e escolheu um símbolo do Antigo Testamento que não estava carregado com essa interpretação errónea. Jesus se chamou a si mesmo "o Filho do Homem". Mudou a expressão de Daniel de "um como um filho de homem" a um termo messiânico mais explícito. Cristo se chamou a si mesmo em repetidas ocasiões "o Filho do Homem". De fato aparece assim 77 vezes nos quatro Evangelhos.

A frase "o Filho do Homem" não quer dizer que Jesus foi meramente um homem. Cristo explica seu autodesignação da visão de Daniel 7: "Pois para que saibam que o Filho do Homem tem poder na terra para perdoar pecados, te digo: levante-te" (Mar. 2:10, 11). Aqui Cristo se chamou a si mesmo "o Filho do Homem". Como o filho de homem daniélico, tem o poder para perdoar pecados. Nenhum sacerdote Levítico disse nunca: "Perdoo teus pecados". Não há nenhum pastor protestante que afirme: "Perdoo seus pecados". Só o sacerdote católico romano afirma: "Perdoo seus pecados" ("Ego te absolvo"). Segundo a Sagrada Escritura só Deus pode perdoar nossos pecados (Sal. 32:5; Isa. 43:25). Por isso, quando o "filho de homem" de Daniel 7 vem para perdoar pecados, a frase "Filho do Homem" significa o Messias celestial ou "Filho de Deus" (ver João 5:27). Só à luz do Daniel 7 podemos entender que o Filho do Homem é um Messias divino com autoridade igual a de Deus o Pai.

Quando o Apocalipse enfatiza que Cristo logo voltará, isto são boas novas para os seguidores de Jesus. Virá para executar seu juízo sobre os ímpios. Se pela fé "estamos em Cristo" não temos nada a temer, porque Cristo já nos livrou que a condenação divina (Rom. 8:1). Em realidade, devemos recebê-lo com satisfação e desejar juiz divino, como insígnia o livro de Salmos. No Salmo 96 todas as árvores do bosque "transbordam de contente", porque Deus deve julgar o mundo com justiça (vs. 11-13).

O Apocalipse proclama que todos os que estão sobre a terra serão testemunhas de sua segunda vinda, até aqueles que o "transpassaram". Esta expressão se refere claramente à morte de Jesus. Jesus foi transpassado pela lança de um soldado romano. Do corpo de Jesus fluiu água e sangue (João 19:34, 37). Mas em um sentido especial todos os oponentes principais de Cristo Jesus na história estão incluídos em "os que o transpassaram" por meio das "lanças" de suas palavras e ações.

Esta frase também tem sua raiz principal no Antigo Testamento. O profeta Zacarias havia predito antes que Jerusalém "transpassaria" a seu próprio Messias Pastor e então todas as tribos do Israel se afligiriam por ele (Zac. 12:10-14; cf. 9:9; 13:7). O cumprimento das predições de Zacarias começou quando Cristo apareceu pela primeira vez, durante sua entrada triunfal em Jerusalém como seu Messias Rei (ver Mat. 21:4, 5). Uma semana mais tarde Jesus anunciou que agora todas as suas ovelhas seriam dispersas, como havia predito Zacarias (ver Mat. 26:31). Zacarias predisse que Jerusalém rechaçaria e "transpassaria" a seu Messias:

"E olharão para mim, a quem traspassaram; e o prantearão como quem pranteia por um unigénito; e chorarão amargamente por ele, como se chora amargamente pelo primogénito" (Zac. 12:10).

Jesus recalcou que as doze tribos de Israel "se lamentariam" (Zac. 12:12-14). Este pranto nacional incluso ainda não se realizou na nação judaica. Apocalipse 1 faz esta aplicação ampliada:

"Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Certamente. Amém!" (Apoc. 1:7).

Isto significa que todos os povos da terra se lamentarão com desespero quando vier pela segunda vez, "por causa dele". O Apocalipse desenvolve esta cena com mais dramatismo em suas visões seguintes (ver 6:15-17; 14:14-20; 19:11-21). A importância deste ponto culminante no Apocalipse fica sublinhado pelas palavras proféticas de Jesus no Evangelho de Mateus:
"Então, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem; todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu, com poder e muita glória" (Mat. 24:30).

Porque "todo olho" o verá e "todas as tribos" ou povos da terra farão lamentação por ele; ninguém que rechace a Cristo na geração final será capaz de esconder-se deste glorioso Rei-Juiz no último dia.

Resumo
Sintetizando os descobrimentos desta investigação, o Apocalipse revela duas chaves específicas de interpretação para decifrar seus conceitos simbólicos:

A primeira chave é que seu simbolismo está copiado do Testamento mais antigo, a Bíblia Hebraica. Isto mantém a continuidade do Deus do pacto com seu verdadeiro Israel. A palavra de Deus não foi anulada devido à rebelião de Israel. O Messias de Deus apareceu em Israel e cumpriu sua missão (ver Mar. 10:45 e João 19:30).

A segunda chave é a verdade evangélica que se encontra nos quatro Evangelhos do Novo Testamento: o crucificado e ressuscitado Jesus de Nazaré é o Messias da profecia. Isto significa que todos os termos e as imagens do antigo pacto estão agora refundidas na linguagem figurada do novo pacto que está centrado em Cristo. Um erudito católico romano ficou tão impressionado pela "releitura cristã do Antigo Testamento" feita por João, que concluiu: "Agora perece que este uso deliberado do Antigo Testamento que faz o autor do Apocalipse deveria estudar-se mais cuidadosamente do que foi estudado até agora".[1]

Devem estudar-se múltiplas conexões do Apocalipse com o Antigo Testamento, não para mostrar a maneira como João engenhosamente adaptou os símbolos e as profecias hebraicas, a não ser para entender de que maneira o Deus de Israel consumará suas promessas que fez no antigo pacto por meio de Cristo e seu povo do novo pacto.

Hans K. LaRondelle

Referência


1. André Feuillet, The Apocalypse [O Apocalipse] (Staten Island, Nova York: Alvorada House, 1965; da ed. francesa [Paris: Desclée deo Brouwer, 1962]), p. 79.

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