Recordemos o texto em lide: “E levou-o a Jesus. Fitando-o, Jesus disse-lhe: «Tu és Simão, filho de Jonas; chamar-te-ás Cefas» (que quer dizer Pedra)” – S. João 1:42. Portanto desde agora, este homem, crismado por Jesus, chamar-se-á – Cefas (o Pedra). Invariavelmente será chamado de: 1- Simão Barjonas; 2- Simão Cefas; 3- Simão, Petros (palavra grega, não traduzida, visto aparecer muitas vezes assim ao lado da palavra Simão).
O contexto indica-nos que foi o seu irmão André que o levou até à presença do Mestre. E é na Sua presença que o evangelista S. João nos dá a conhecer o que acabámos de transcrever. Quanto a nós, para já, passou-se algo de muito estranho logo ao primeiro encontro - Jesus muda-lhe o nome!
Vejamos um pouco o texto: Jesus recorda o seu nome de nascimento – Simão, filho de Jonas – e, de seguida, como vimos, dá-lhe um outro nome – Cefas, que traduzido é: Pedra! Quanto a nós, ficamos sem saber o porquê de tal mudança, e questionamo-nos, claro está, acerca do aparentemente estranho procedimento de Jesus em relação a este homem! Como acabámos de ver acima, quando descrevemos o - homem Simão – pudemos ver algumas das suas características que englobavam defeitos e virtudes! Seria por causa desta variedade de características que Jesus achou por bem mudar-lhe o nome?
Que significado tem o nome para um israelita? Segundo somos informados “a essência de uma pessoa concentra-se no seu nome. Um homem sem nome é desprovido não só de significado, como também de existência. O nome contém uma dinâmica, um poder que exerce uma acção constrangedora sobre aquele que o usa”. Como acabámos de ver, o nome tem uma relação directa com o carácter da pessoa. Por outro lado, subjacente a esta noção de nome, está, não só, esta primeira ideia de – carácter, personalidade – como também, a de um novo nascimento!
Na realidade, o texto e contexto que nos ocupa vão exactamente nesta direcção! O que aqui está a acontecer é exactamente o mesmo que sucedeu no diálogo de Jesus com o doutor da Lei – Nicodemos – cf. S. João 3:1-10. O processo não é novo, pois nas Escrituras, um rei guerreiro ao declarar guerra a um outro e, caso o vencesse, o que é que acontecia ao vencido? Nada mais do que: 1- Morto; 2- Escravo e levado pelo seu senhor; 3- Na melhor das hipóteses, ficava a governar, como antes! Só que o vencedor, imediatamente, lhe mudava o nome.
A este propósito, vejamos alguns exemplos bíblicos:
• Faraó – O rei do Egipto destronou-o em Jerusalém e impôs ao país uma contribuição (tributo) de cem talentos de prata e um talento de ouro. Em seu lugar, pôs no trono de Jerusalém a Eliaquim, irmão de Joacaz, a quem mudou o nome para Joaquim (…) – II Crónicas 36:3,4.
• Nabucodonosor – “(…) o rei de Babilónia levou-os cativos para Babilónia. Em lugar de Joiaquim, o rei de Babilónia proclamou rei seu tio Matatias cujo nome mudou para Sedecias” – II Reis 24:16,17
Estes relatos falam-nos de monarcas vencidos e tornados vassalos dos vencedores. Mas não acontecia somente a este nível! Aconteceu também com certos nobres da corte. E para ficarmos entre nomes conhecidos, lembremo-nos do profeta Daniel e dos seus amigos!
Recordemos o texto que relata a sua deportação para Babilónia: “O rei deu ordem a Aspenaz, chefe dos criados, que lhe trouxesse jovens israelitas, descendentes de raça real ou família nobre (…). Entre estes Daniel, Hananias, Misael e Azarias (…). O chefe dos criados impôs-lhes novos nomes: a Daniel, o de Baltasar, a Ananias, o de Sidrac, a Misael, o de Misac e a Azarias, o de Abed-Nego” – Daniel 1:3-7.
Portanto, dentro deste preciso contexto, é como se se operasse um novo nascimento! Aliás, comparemos esta forma de proceder com o que nos é relatado no livro do Génesis, quando ali é dito que Deus fez passar perante Adão todos os animais. E para quê? Para que este lhes desse um nome! Vejamos o texto em questão: “Então, o Senhor Deus (…) conduziu-os até junto do homem, afim de verificar como ele os chamaria (…)” – Génesis 2:19. Assim, em termos teológicos, de certa maneira, este também participou na Criação, visto que “os animais e as plantas começam a existir realmente a partir do momento em que se lhes dá o nome”.
Ainda para realçar a importância do nome, recordemos um outro episódio do Antigo Testamento: O futuro rei de Israel, David, foge da presença do rei Saúl para os montes. Certo dia, cheio de fome, tal como os que o acompanhavam, desce ao povoado e solicita víveres a um fazendeiro abastado, cujo nome era – Nabal. Este recusa ajudar David. Este, furioso, reúne os seus homens e prepara-se para arrasar com tudo o que pertença ao fazendeiro. Só que, entretanto, a mulher deste ao saber da intenção de David e dos seus, apressa-se a vir interceder pelo marido – I Samuel 25:1-24.
Como é que ela o irá fazer, quais foram os seus argumentos? O texto claramente nos dá a conhecer a forma como esta se dirige a David: “Que o meu senhor não faça caso desse perverso Nabal, porque é um néscio e um insensato como o seu nome o indica (…)” – I Samuel 25:25. (sublinhado nosso). Portanto, a palavra Nabal, cujo significado é – loucura – estava a condizer com o carácter daquele que o possuía. Possuir era, simultaneamente, ser possuído por este!
Assim, era necessário qualificar a personalidade de Simão Barjonas – tal nome, tal carácter! Só que, no caso de Simão Barjonas, passava-se exactamente o contrário! Neste caso, o nome não correspondia, de modo algum, à personalidade da pessoa em causa! O seu nome era Simão! Qual o seu significado? Este quer dizer: Deus ouviu! Será, prezado leitor, que este Simão era, na realidade, um homem que sabia ouvir, tendo em conta o que dissemos, tal qual os evangelhos nos relatam? Que dizer, por exemplo, da sua inconstância? Vejamos, por exemplo, como certa vez, Simão Barjonas se confessou a favor do Mestre: “Mesmo que tenha de morrer Contigo, não Te negarei (…)” – S. Mateus 26:35. Um pouco mais tarde, acerca deste mesmo Mestre, ao qual tinha prometido fidelidade, dirá: “(…) não conheço este homem” – S. Mateus 26:72!
Saber ouvir é, por inerência, saber escutar e, saber escutar, significa obedecer! A este propósito, recordemos o que nos diz a carta aos Romanos quando caracteriza a entrada do pecado no mundo: “Porque como pela desobediência de um só, muitos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, muitos se tornaram justos” – Romanos 5:19. Aqui encontramos duas acções expressas por um mesmo verbo: OBEDECER.
No grego, o verbo – peitharcheô – significa: obedecer, seguir o conselho de. Este verbo encontramo-lo nalguns textos, nomeadamente em: 1- Actos 5:29,31,32 - “Pedro e os demais apóstolos responderam: «Importa mais obedecer a Deus do que aos homens» (…) A fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão dos pecados (…) que Deus tem concedido àqueles que Lhe obedecem”; 2- Tito 3:1 - “Aconselha-os a que se sujeitem aos magistrados e às autoridades, que lhes obedeçam (…)”.
Ou em formas verbais a esta ligadas – peithô - com a mesma significação: 1- Gálatas 5:7 – “(…) Quem vos impediu de obedecer à verdade?”; 2- Hebreus 13:17 – “Sede submissos e obedecei aos que vos guiam (…)”; 3- Tiago 3:3 – “Quando pomos o freio na boca do cavalo, para que nos obedeça, dirigimos todo o seu corpo”.
O curioso em tudo isto, é que, por exemplo, no texto de Romanos, apesar de encontrarmos este verbo, na tradução em português, não o encontramos no original grego! A expressão que S. Paulo usou e que foi traduzida por – Obediência - é: UPAKOUÔ (a favor da voz de, ceder); para – Desobediência – é a palavra: PARAKOUÔ (ao lado da voz).
Até aqui, tudo bem. Mas que relação tem o que acabámos de ver com o nome de Simão Barjonas? Sabia que a palavra que S. Paulo usou, traduzida por – obediência - tem como base o verbo - Ouvir? Pois é, prezado leitor, esta palavra – UPAKOUÔ (obediência) - compõe-se do prefixo – UPER (a favor de) + o radical – AKOUÔ (ouvir). A palavra – PARAKOUÔ (desobedecer) - compõe-se do prefixo – PARA (ao lado de) + o mesmo radical. Assim, todo aquele que é favorável a ouvir, logo, esse é obediente; por outro lado, todo aquele que permanece ao lado de ouvir, então torna-se, devido à sua atitude, desobediente!
Então, se tivermos isto em consideração como contexto de avaliação, o homem Simão, cujo nome significa – Deus ouviu – tinha um nome que não se ajustava, de modo algum, à sua personalidade! Devido à sua inconstância, Simão demonstrou, muitas vezes, que - permanecia ao lado do ouvir !
Vejamos a segunda parte do versículo: “chamar-te-ás Cefas” – S. João 1:42. A palavra Cefas vem do aramaico – Kephas – e que é traduzido para a língua grega por: PETROS (Pedra, dureza, insensibilidade). Sob esta panorâmica das coisas, pensamos estar em condições para interpretar o pensamento de Jesus e compreender o novo nome que dá a Simão Barjonas. Assim, parafraseando o texto de S. João 1:42, é como se Jesus tivesse dito: “O teu nome é, com efeito, Simão, isto é, aquele que sabe ouvir! Mas como a tua personalidade nada tem que ver com tal nome, então dar-te-ei um que esteja mais em consonância com a tua personalidade, ou seja – Cefas (Pedra, seixo rolante)” - indício de inconstância!
Experimente, prezado leitor! Tente colocar um seixo em pé e veja se o consegue! Devido ao seu equilíbrio instável, em breves segundos, se o largamos, estará totalmente deitado no chão! Assim era Simão: ora em pé, ora caído! Eis a característica da sua personalidade! Eis o nome, segundo Jesus, que mais condizia com a personalidade daquele que se passaria a chamar: Cefas (Pedra, seixo rolante)!
Autores, ao comentarem esta vertente, dizem: “Kephas não era um nome próprio, mas a designação de uma realidade (…)” (sublinhado nosso). Isto quer dizer que, no contexto em que foi aplicado, a palavra – Pedro – não existe e, muito menos, aplicada ao irmão de André, até porque a palavra Pedro não é, de modo algum, a tradução de: Kephas!
Assim, para este evangelho, o verdadeiro nome deste homem, segundo Jesus, é – Simão, Cefas (o Pedra), ou Simão Petros (o Pedra) – nada mais!
BIBLIOGRAFIA:
Edmond Jacob, op. cit., p. 33; cf. Gerhard Von Rad, Théologie de l’Ancien Testament, 3ª ed., Genève, Ed. Labor & Fides, 1971, Vol. I, p. 161
O peso de um talento sofre pequenas oscilações entre os diferentes autores. Aqui apresentamos um destes que nos informa que um talento pesa cerca de 34,272 kg. Cf. André Chouraqui, op. cit., p. 155
Mircea Eliade, op. cit., p. 177, nota 5
A.. Van Den Born, “Simeão”, in Diccionário Enciclopédico da Biblia, col. 1439
Isidro Pereira, S.J., op. cit., p. 458
Oscar Cullmann, “Pedro” in Gerhard Kittel, A Igreja no Novo Testamento, S. Paulo, Ed. ASTE, 1965, p. 298
Oscar Cullmann, Saint Pierre, Disciple-Apôtre-Martyr, p. 16
Isidro Pereira, S.J., op. cit., p. 443
F. Wilbur Gingrich e Frederick W. Danker, Léxico do Novo Testamento Grego / Português, S. Paulo, Edições Vida Nova, 1984, p. 162
Isidro Pereira, S.J., op. cit, p. 588; 2ª parte, p. 205
Introdução ao Estudo do Novo Testamento Grego, 8ª ed., Brail, Ed. Juerp, 1986, p.192, nota 529
Idem, p. 232
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