Apocalipse 11 pode entender-se como a extensão adicional do capítulo 10 e não como uma visão desconexa, já que nesta visão das duas testemunhas se revela o que João experimentou simbolicamente ao comer o livrinho. Muitos comentadores bíblicos consideram a visão a respeito das duas testemunhas de Deus em Apocalipse 11:1-13 como o desenvolvimento adicional da visão do livrinho aberto de Apocalipse 10. Mounce conclui dizendo que "[Apoc. 11:1-13] forma o conteúdo do 'livrinho' do capítulo que foi doce ao paladar e amargo ao ventre (Apoc. 10:9, 10)".1
Esta opinião apoia-se no fato de que ambas as visões são parte do mesmo interlúdio do tempo do fim entre a sexta e a sétima trombeta. Mas também existe o mesmo desenvolvimento temático entre Apocalipse 10 e 11. A proclamação do livrinho aberto é denominada "profetizar" (Apoc. 10:11), o que se descreve como a mesma missão das duas testemunhas em Apocalipse 11:3, 6 e 10. Além disso, a mensagem do livrinho e o das duas testemunhas dirige-se aos mesmos ouvintes no mundo (Apoc. 10:11; 11:9). Apocalipse 10 está ampliado na visão seguinte do capítulo 11, e separar o capítulo 11 da sua introdução no capítulo 10 é separar o que Deus uniu. O nosso primeiro assunto é ver de que maneira Apocalipse 11 desenvolve o tema de Apocalipse 10.
A Natureza Simbólica da Visão de Apocalipse 11
Assim como a visão preliminar de Apocalipse 10 é simbólica nas suas apresentações, também o é a visão do capítulo 11. Este capítulo aponta diretamente a sua descrição simbólica quando declara que a grande cidade é "simbolicamente" (CI, BJ [pneumatikós, "espiritualmente", RA]; "alegoricamente", JS; "linguagem figurada", DHH) "Sodoma e Egito" (Apoc. 11:8). A descrição do capítulo 11 é distintivamente hebraica em caráter. Toma a linguagem e imagens de Daniel, Ezequiel, Zacarias, e também das vidas de Moisés e Elias. Entretanto, a descrição da morte das duas testemunhas, a sua ressurreição e ascensão visível está obviamente tirada da vida de Jesus narrada nos Evangelhos.
Os apóstolos usaram de forma consistente termos e imagens hebraicas como linguagem simbólica para descrever a missão de Jesus e da sua igreja. Um exemplo revelador está em Hebreus 12:22-24, onde se menciona o "monte Sião" para representar a igreja, porque o mediador do novo pacto de Deus agora é Cristo Jesus. A visão de João dos 144.000 israelitas em Apocalipse 7 deve ser interpretada igualmente de acordo com a hermenêutica do evangelho. Uma aplicação literal dos símbolos hebraicos em Apocalipse 11 nega o evangelho e ignora que o Apocalipse está centrado em Cristo.
A Natureza Proléptica de Apocalipse 11:1-13
João usa com frequência o estilo literário da prolepse, quer dizer, antecipar um acontecimento futuro introduzindo um símbolo novo que se explica mais tarde. Em Apocalipse 1 antecipa o evento culminante de todo o livro: "Eis que vem com as nuvens..." (Apoc. 1:7), tema que João desenvolverá em Apocalipse 6:12-17, 14:14-20 e 19:11-21. Todas as promessas divinas nos capítulos 2 e 3 são descrições prolépticas breves do que se desenvolve extensamente nos capítulos 21 e 22.
Outro exemplo está em Apocalipse 14:8, onde apresenta pela primeira vez a "Babilónia" por meio de uma prolepse e desenvolve o seu significado completo nos capítulos 16 a 18. As 7 últimas pragas mencionam-se brevemente primeiro em Apocalipse 15, e depois detidamente em Apocalipse 16.
Todo o Apocalipse é uma revelação coerente, indivisível e progressiva, e nele estão intimamente relacionadas todas as visões. Sempre que seccionamos um capítulo da unidade total e tratamos de aplicá-lo ao mundo ou à história da igreja, estamos destinados a interpretar mal o seu significado. Portanto, uma exegese responsável pelo Apocalipse respeitará a conexão estrutural de todas as suas visões. Com respeito ao capítulo 11, muitos consideram que é um dos capítulos mais difíceis de interpretar do livro; outros o vêem como um resumo proléptico dos capítulos 12 a 22.
Joseph S. Considine concluiu em seu estudo instrutivo sobre Apocalipse 11, que os capítulos 10 e 11 "narram um relato contínuo, no qual o capítulo 10 forma uma introdução solene para o capítulo 11", de maneira que o 11 antecipa prolepticamente os acontecimentos de Apocalipse 12 e 13. Também se deu conta dos interlúdios paralelos dentro dos selos (cap. 7) e das trombetas (caps. 10 e 11), e por isso declarou:
"Mas é mais que um paralelo; completa o que nos disse no episódio entre o sexto e o sétimo selo, já que o que não se diz em um, diz-se no outro. Estas visões interpostas nos dão um quadro da vida interior da igreja de Cristo durante a luta... as visões interpostas apontam à obra e à fé dos verdadeiros filhos de Deus... Os acontecimentos preditos nos capítulos 7 e 10-11:1-13 são necessários como prelúdios do fim".2
Se reconhecermos estas relações estruturais, não podemos tratar mais estas seções como digressões desnecessárias, mas sim antes como partes essenciais que encaixam exatamente na estrutura total do livro. Nenhuma perícope pode separar-se ou dividir-se do que a rodeia. Toda a linguagem figurada de Apocalipse 11 fica esclarecida pela própria Bíblia, o que significa que Apocalipse 11 deve interpretar-se por seu contexto imediato (quer dizer, dos capítulos circundantes que tratam com o tempo do fim) e por seu contexto mais amplo no Antigo Testamento, antes que se possa empreender a tarefa de fazer qualquer aplicação à história.
Apocalipse 11 oferece uma antecipação da última crise de fé para os crentes verdadeiros que vivem no mundo; será uma crise universal (menciona-se 4 vezes a palavra "terra" ) causada pelo testemunho corajoso das testemunhas de Deus entre uma população hostil descrita pela frase estereotipada "os moradores da terra" (v. 10).
Para João, "os moradores da terra" definem-se teologicamente como os que são enganados pela adoração idolátrica da besta (ver Apoc. 13:8, 12, 14; 17:2) e cujos nomes não estão escritos no livro da vida (17:8). São inimigos do povo de Deus e culpados do sangue dos santos (6:10). Entretanto, a aparente derrota dos que adoram no templo de Deus será finalmente mudada pelo ato de Deus. Serão vindicados por sua ressurreição dos mortos e por sua ascensão visível ao céu "em uma nuvem" (11:11, 12), o mesmo que seu Senhor experimentou durante sua vida na terra. Nesse momento, a recompensa dos justos está acompanhada por um grande terremoto que obriga muitos a darem "glória ao Deus do céu" (v. 13).
É evidente que Apocalipse 11:1-13 não é uma profecia isolada sobre o povo judeu ou de acontecimentos seculares da história do mundo, mas sim está inextricavelmente tecida na malha do Apocalipse de João, estabelecendo uma relação clara com Apocalipse 12 e 13 ao introduzir em forma proléptica as unidades de tempo proféticas de "42 meses" e "1.260 dias" em Apocalipse 11:2 e 3 (ver Apoc. 12:6, 14; 13:5). Apocalipse 11:7 introduz em forma abrupta "a besta que sobe do abismo" sem nenhuma explicação adicional de sua identidade até que Apocalipse 13 desenvolve suas conexões históricas e teológicas com Daniel 7.
A recompensa dos mártires que aparece em Apocalipse 11:11 e 12 se volta a mencionar sob a sétima trombeta (11:16-18) e se amplia em Apocalipse 14:1-5, 20:4-6 e 22:1-5. Em resumo, a visão simbólica de Apocalipse 11:1-13 é uma sinopse breve e uma antecipação da revelação progressiva dos capítulos 12 aos 22.
Símbolos da Igreja Verdadeira
"E foi-me dada uma cana semelhante a uma vara; e chegou o anjo e disse: Levanta-te e mede o templo de Deus, e o altar, e os que nele adoram. E deixa o átrio que está fora do templo e não o meças; porque foi dado às nações, e pisarão a Cidade Santa por quarenta e dois meses. E darei poder às minhas duas testemunhas, e profetizarão por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de saco" (Apoc. 11:1-3).
É conveniente recordar que João tinha representado a igreja cristã como um "reino de sacerdotes" para servir a Deus (Apoc. 1:6) e como "sete castiçais" (vs. 12, 20) que se mantêm acesos pelo Cristo ressuscitado (2:1, 5). Apocalipse 1 nos dá a chave para a aplicação dos símbolos do santuário de Israel ao novo pacto, hermenêutica evangélica que está fundamentada em Jesus como o Cordeiro expiatório e o Sacerdote de Deus (1:5).
Representa-se a igreja apostólica como o novo Israel de Deus, como o povo do novo pacto, enquanto a comunidade judia perseguidora é caracterizada como a "sinagoga de Satanás" (Apoc. 2:9; 3:9). Cristo permanece como o sustentador de sua igreja e não tolera sua corrupção. Desmascara os ensinos enganosos dessa "mulher Jezabel" na igreja de Tiatira (2:20), e anuncia seu juízo quando diz: "Matarei os seus filhos, e todas as igrejas conhecerão que eu sou aquele que sonda mentes e corações, e vos darei a cada um segundo as vossas obras" (2:23). Por outro lado, Cristo faz esta promessa à igreja da Filadélfia:
"Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais sairá; gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu Deus, e o meu novo nome" (Apoc. 3:12).
O Cristo ressuscitado considera seus seguidores como "colunas" espirituais no templo de Deus, os que levam o nome "nova Jerusalém". Além disso aparecem representados como os 144.000 israelitas espirituais que servem a Deus "dia e noite em seu templo" (Apoc. 7:15). Com esta valorização da igreja de Cristo, estamos preparados para compreender a descrição simbólica da igreja e os gentios em Apocalipse 11.
Do céu é dado a João um caniço que serve como "uma vara de medir", com a qual deve "medir" o templo [naós] de Deus e o altar [thusiastérion] e os que adoram nele [NVI interpreta, "e conte os adoradores que lá estiverem"] (Apoc. 11:1).
A questão fundamental é: O que significa a ordem para "medir" o templo de Deus, o altar e seus adoradores? Há alguma descrição similar no Antigo Testamento? Tanto Ezequiel como Zacarias descrevem visões nas que se medem o novo templo prometido e a cidade de Deus. Zacarias esclarece o ato de medir por meio da promessa que diz que Deus escolheu a Jerusalém e que voltará para Sião depois do cativeiro babilónico para proteger o seu povo (ver Zac. 1:16; 2:1-5). Para ele, "o ato de medir" significou a promessa de restauração e amparo do fiel remanescente do Israel.
Ezequiel vê um mensageiro divino que mede com um caniço de medir o templo prometido e a santa cidade (caps. 40-48). Esta visão também comunica uma promessa de restauração da adoração pura de Deus para Israel que volta do cativeiro (44:15, 16, 24) e tem o propósito de motivar os israelitas no cativeiro a arrepender-se de seus pecados e a que sejam outra vez fiéis (43:10, 11 ). Ezequiel destaca a pureza ritual e a santidade espiritual da adoração no novo templo (44:9), e dessa forma separar "o sacro do profano" (42:20; 44:23, NBE). O nome da cidade capital, com suas doze portas, chamar-se-á: "O Senhor está ali" (48:35, NBE). Debaixo do templo correrá um rio de águas vivificantes com árvores frutíferas em ambas as margens (cap. 47). Reconhece-se geralmente que a visão que Ezequiel teve do templo e de suas medidas está exposta como a Nova Jerusalém por João em Apocalipse 21 e 22.
Em Apocalipse 11 é dito a João para medir "o templo de Deus, e o altar, e aos que nele adoram" (v. 1). Na perspectiva de seus protótipos do Antigo Testamento, este "medir" indica a responsabilidade de João de separar a comunidade santa da contaminação da adoração falsa e de restaurar sua verdadeira adoração no "templo de Deus". Dentro do Apocalipse, o "templo de Deus" é fundamentalmente o templo celestial onde Cristo ministra ante o trono de Deus (5:6-10; 7:14-17; 11:19).
Os santos na terra entram agora pela fé e a oração neste santuário celestial, e portanto são parte do templo de Deus no céu (ver Apoc. 8:3, 4; Heb. 10:19). Como seus nomes estão escritos no livro da vida do Cordeiro, já não são mais parte dos (idólatras) "moradores da terra", e embora fisicamente vivem sobre a terra, seu "cidadania está nos céus" (Filip. 3:20). Estão "em Cristo" e, portanto, já estão sentados com ele "nos lugares celestiais" (Ef. 2:6).
A igreja do tempo do fim deve restaurar esta adoração dos santos dentro do templo celestial, e esta adoração restaurada deve incluir "o altar" que estava dentro "do pátio dos sacerdotes" (um dos pátios interiores do templo do Herodes) e que representa o sacrifício expiatório de Cristo e sua intercessão por nós. A diferença fundamental entre a adoração no santuário de Israel e a dos pagãos, era o conhecimento de que Deus lhes tinha dado o "sangue" do sacrifício "para fazer expiação sobre o altar por vossas almas" (Lev. 17:11 ).
O evangelho do Novo Testamento ensina que Deus "enviou a seu Filho como propiciação por nossos pecados" (1 João 4:10; ver 2:2). A obra expiatória de Cristo foi o propósito máximo da encarnação e do amor de Deus, e só os verdadeiros crentes em Cristo podem participar deste "altar" que representa a cruz da expiação (Heb. 13:10).
João também deve "medir" os adoradores. Isto significa separar os verdadeiros adoradores da apostasia universal no tempo do fim, e esta interpretação se confirma pela ordem de "deixar à parte" [literalmente, "jogar fora"] o pátio que está fora, "e não o meças, porque foi entregue aos gentios" (Apoc. 11:2). Este "pátio que está fora" representa o território dos moradores da terra, onde os gentios estabeleceram seu culto idolátrico. O mesmo que se instruiu a Ezequiel para que se proibisse a qualquer estrangeiro que fora "incircunciso de coração e incircunciso de carne" a entrar no templo (Ezeq. 44:9), assim agora João deve excluir ou expulsar (ver João 9:34) a todos os adoradores que estão no "pátio que está fora", quer dizer, os que não estão em Cristo, que não entram no pátio interior mas sim antes adoram a besta.
Jesus fazia frente aos judeus com a afirmação absoluta de seu messianismo: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. ... Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do ramo [literalmente, ebléthe êxo, 'é jogado fora']" (João 15:1, 6). O Apocalipse amplia esta separação de todas as pessoas em uma escala universal (Apoc. 22:14, 15).
João tinha indicado que ainda nas igrejas locais havia alguns que eram meramente cristãos nominais ou que tinham sido enganados pelos falsos profetas (Apoc. 2:14-16, 20-25; 3:1-5, 16). Se persistissem em sua mornidão ou incredulidade, seriam rechaçados por Deus (2:23; 3:16). Evidentemente, Deus tinha o propósito de restaurar e pôr à parte a adoração verdadeira no tempo do fim da era cristã.
Para uma elucidação adicional de Apocalipse 11, precisamos considerar o contexto do Apocalipse. É proveitoso comparar as visões do tempo do fim dos selos e das trombetas. O selamento dos 144.000 israelitas espirituais em Apocalipse 7 deve colocar-se lado a lado com a medição dos adoradores do templo da cidade santa, comparação que provoca a surpresa da unidade essencial de ambas as visões do tempo do fim. A respeito, uma erudita assinala que "medir os santos e excluir os profanos precede à sétima trombeta assim como o selamento dos escolhidos precede o sétimo selo".3
Praticamente todos os comentadores bíblicos relacionam a "medição" dos santos em Apocalipse 11 com o "selamento" de um número determinado de santos em Apocalipse 7, e interpretam ambos os fatos como a promessa especial de Deus de proteger e preservar a seus filhos durante a crise de fé do tempo do fim. Roy Naden conclui dizendo: "Dessa forma, a medição do templo pode entender-se como uma forma simbólica de dizer que Deus preserva ou 'sela' a sua igreja durante os juízos finais derramados sobre os ímpios antes que Jesus retorne".4 Deus deseja, obviamente, assinalar os verdadeiros adoradores como seu povo especial e os põe à parte para que levem a cabo um serviço especial no mundo. A ordem de Deus a João para medir o templo (Apoc. 11:1, 2) é o resultado de comer e digerir o livrinho aberto de Apocalipse 10. Terá que ter em conta que o possuir novo conhecimento produz uma prova de fé e compromisso.
O Pisar da Cidade Santa
"E eles [os gentios] pisarão a cidade santa por quarenta e dois meses" (Apoc. 11:2).
Esta predição da opressão une duas visões no livro de Daniel: as que aparecem nos capítulos 7 e 8. Daniel tinha esboçado todo o desenvolvimento da história da salvação desde seus dias até o juízo final (Dan. 7). Desde os dias de Babilónia tinha previsto os grandes impérios mundiais, o último dos quais seria o duradouro império romano que "pisaria" a todas as suas vítimas (Dan. 7:7, 19, 23).
Mas Daniel foi além da Roma imperial quando viu como se esmiuçaria em pequenos reinos (os "dez chifres"). Seu interesse principal foi o conseguinte "chifre pequeno" (Dan. 7:24) que se impunha com exigências políticas e religiosas e com uma "boca que falava grandes coisas" (v. 8). O anjo interpretador assinala as características específicas desse poder que exerceria um reino de terror sobre os santos.
"Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do Altíssimo e cuidará em mudar os tempos e a lei; e os santos lhe serão entregues nas mãos, por um tempo, dois tempos e metade de um tempo" (Dan. 7:25).
Este poder antiDeus (o "chifre pequeno") lutaria com os santos durante 3 ½ tempos proféticos (ou "anos"), o que faz 42 meses proféticos e dessa forma estabelece um elo específico entre Daniel 7 e Apocalipse 11. Em Daniel 8 o próprio "chifre pequeno" é descrito como o arquiinimigo de Israel, que invade a "terra gloriosa" e depois pisoteia o lugar santo e os seus adoradores (8:9-13).
Aqui temos um vínculo patente entre o Daniel 8 e Apocalipse 11. Enquanto que os santos adoram a Deus e a Cristo ao entrar no templo celestial por meio da fé, ainda permanecem em forma física na terra. Com respeito a sua existência terrestre, descreve-se aos santos como "a cidade santa" que não pode ser pisoteada pelos poderes hostis dos "gentios". O desgaste dos santos só é permitido ["serão entregues"] por um período de tempo limitado, por "42 meses". Esta unidade de tempo também é usada para o tempo que concedido à besta do mar em Apocalipse 13 que blasfema o nome de Deus, "de seu tabernáculo, e dos que moram no céu" (Apoc. 13:5, 6). Por isso o pisar da cidade santa em Apocalipse 11 se explica em Apocalipse 13:1-8 como o tempo de perseguição dos adoradores por parte do anticristo, conexão que confirma a interpretação de que Apocalipse 11 descreve os santos de Deus como a "cidade santa" (cf. 20:9).
Tudo isto indica que Apocalipse 11 é uma prolepse ou antecipação dos capítulos que seguem, enquanto o livro do Daniel constitui a principal raiz primária de Apocalipse 11-13. O Apocalipse transforma por meio do evangelho a linguagem profética de Daniel, quer dizer, desenvolve as predições de Daniel em termos de Cristo e seus seguidores como os santos e adoradores verdadeiros de Deus.
As unidades de tempo de Daniel 7:25 e Apocalipse 11:2 e 3 se caracterizam pela opressão e a perseguição espirituais. Com respeito a isso, há uma correspondência com os 3 ½ anos do testemunho de Elias durante a perseguição do rei apóstata de Israel, Acabe e sua esposa pagã, Jezabel (ver Luc. 4:25; Sant. 5:17).
Aplica-se Apocalipse 11 ao Povo Judeu?
André Feuillet representa os que afirmam que os capítulos 5 a 11 tratam especificamente sobre "os judeus incrédulos" (incluindo as duas séries dos selos e das trombetas) e em forma específica do juízo divino manifestado na destruição de Jerusalém no ano 70. Portanto conclui que as palavras de Apocalipse 11:8: "...onde também nosso Senhor foi crucificado", não se referem a Roma e sim à "Jerusalém incrédula".5 Esta hipótese determina também sua interpretação de Apocalipse 11:2 e 3 e sua aplicação histórica ao povo judeu.
Feuillet escolhe o anúncio de Lucas 21, que "Jerusalém será pisada pelos gentios, até que os tempos dos gentios se cumpram" (v. 24), como sua norma guiadora para interpretar Apocalipse 11, e sua conclusão é a seguinte: "Assim como Jesus deseja indicar por estas palavras [em Luc. 21:24] o castigo futuro dos judeus culpados, assim também a parte do templo que seria 'pisada' deve representar os judeus apontados para o castigo".6
A princípio este raciocínio de uma analogia ou correspondência entre Apocalipse 11:2 e Lucas 21:24 parece lógico, mas contém um defeito oculto da exegese do Apocalipse. De acordo com o Feuillet, o Apocalipse é uma "releitura cristã maciça do Antigo Testamento". Entretanto, falha em relacionar Apocalipse 11:2 com as visões do templo em Daniel 7 e 8. A correspondência requer que devamos situar o "pisoteio do lugar santo" (e dos adoradores em Apoc. 11) dentro do curso do esboço profético de Daniel. Esta correlação com Daniel 7 e 8 é indispensável para uma compreensão adequada de Apocalipse 11, porque Daniel 7 é a raiz principal do Apocalipse de João.
Daniel apresenta os poderes mundiais sucessivos que perseguirão o povo do pacto de Deus. Esta ordem, em sequência, é de suprema importância para identificar o anticristo no Apocalipse e para se localizar sua unidade de tempo característica de "42 meses" ou "1.260 dias" dentro da era da igreja, e só da perspectiva da cronologia sagrada de Daniel podemos evitar a armadilha de tomar as unidades de tempo profético em Apocalipse 11 a 13 como totalmente alegóricas e significando algum tempo indefinido de perseguição. Os "42 meses" ou "1.260 dias" não são elásticos ou atemporais, já que se originam na visão de Daniel 7, onde determinam o período de tempo para o reino despótico do "chifre pequeno" depois do desmoronamento do Império Romano no ano 476 de nossa era (ver Dan. 7:8, 23-25).
Isolar o Apocalipse do livro de Daniel é igual a cortar a raiz (Daniel) de seu fruto (o Apocalipse). Só Daniel atribui cada símbolo apocalíptico a acontecimentos concretos da história. Por conseguinte, ignorar o modelo cronológico da profecia de Daniel na interpretação do Apocalipse pode considerar-se como um engano fundamental.
Como resultado desta falha em apreciar a relação entre Daniel e o Apocalipse, Feuillet escolhe Lucas 21:24 como seu modelo para explicar que Apocalipse 11:2 descreve os culpados "judeus assinalados para o castigo". A consequência da equivalência de Apocalipse 11:2 e Lucas 21:24 é que os adoradores "no templo de Deus" (do Apoc. 11) são judeus que crêem em Cristo, e que a "cidade santa" e o "pátio que está fora" representa os judeus que rechaçam a Cristo, o "judaísmo incrédulo". Feuillet apoia esta conclusão referindo-se a Lucas 13:25-28 como "a passagem paralela legítima".7
Entretanto, o Apocalipse não se concentra sobre os cristãos de origem judaica em nenhuma de suas visões